Os três poderes

Partilhar

Por Artur Alonso Novelhe

Hoje já ninguém pode negar que a guerra silenciosa entre os países emergentes e o Império Ocidental (pela hegemonia económica e política, a nível regional e mesmo global) mudou da sua face invisível para uma nova fase mais visível – relativamente mais palpável, devido aos últimos acontecimentos em pleno desenvolvimento, que fazem quase impossível ocultar esta evidência.

Três poderes emergem com maior força dentro deste novo cenário. A nova China em expansão económica e política, graças precisamente à capacidade que o seu poder comercial lhe oferece para exercer influência em diversas áreas do globo. A nova Rússia da era Putin, cujo poderia militar, posição geo-estratégica e poder económico emanado da diversidade de reservas naturais que o seu extenso território e rico subsolo contém, fornecem-lhe uma base muito apropriada para reivindicar velhas zonas de influência, onde poder consolidar ao longo da sua extensa fronteira numa nova versão neo-imperial, com difícil acomodo e diversas fricções ante a divergente perspetiva ocidental dum império mundial governado pelo poder financeiro e, o seu braço mais visível, o capital transnacional e o complexo militar industrial, que fornece a este Império Ocidental os recursos suficientes para o policiamento total do orbe.

A situação começa, aos poucos, a tornar-se cada vez mais delicada – tensionada precisamente pelo difícil acomodo dos três poderes (divergentes nos modos e nas formas de ver a realidade e, como consequência, de fazer política). Em este novo qaudro operativo de confronto já evidente, O Império Ocidental precisa, por um lado, consolidar dentro das suas fronteiras o poder anglo-americano e evitar cisões e alianças dos seus vassalos mais próximos com países do heterogéneo Campo Emergente. Por outra parte, precisa manter fortalecido o anel de controlo financeiro que lhe permita elaborar as regras de jogo a nível global;  para o qual se fez preciso suster o poder do dólar em detrimento mesmo de moedas amigas, como o euro, que na atual situação mesmo se tornam concorrentes. Também se está tornar uma necessidade vital a disputa de mercados em expansão, que se bem na década de 90 parecia poder realizar-se mediante acordos amigáveis, agora, polo contrário, se está a tornar numa contínua disputa e exercício de pressões , país a país, no intuito de conseguir virar a balança em favor da nossa causa.

Daí Ocidente estar a realizar aceleradamente tratados de livre comercio por todo o planeta: desde a Atlântico Europeu até o pacifico, umas vezes tentando minorar o poderio chinês na região e outras o do Brasil (concretamente na América do Sul – com a criação da Aliança do Pacífico).

Esta situação de disputa pelo mercado mundial e pelo domínio político, em condições de difícil encaixe dos diversos interesses, está a provocar uma lenta erosão no equilibro regional e mundial, e mesmo a pôr em causa os organismos e organizações internacionais garantes desta relativa paz e estabilidade, a nível planetário.

Vários são os fatores desta inquietação:

O já falado do difícil acomodo dos interesses mútuos comerciais em tempos de escassez de recursos económicos e de liquidez.

As respetivas propostas políticas derivadas das diferentes visões. A russa de divisão em zonas de influência, a chinesa de utilização da força subtil por via das relações comerciais e a Ocidental de tentativa de criar um modelo universal unificador e uniformizador, baseado no controlo social por parte duma pequena elite financeira.

Os respetivos modelos políticos que vão desde o novo modelo Neo-Feudalismo, a implantar agora no mundo ocidental, ao velho esquema de Estado Centralizado bipolar (em associação com certa oligarquia…) até a nova realidade chinesa de capitalismo combinado com partido único. Todas elas desenvolvendo-se com as suas próprias contradições internas, correlações de forças a favor e contra estão confluindo num embate inevitável, que por enquanto ainda não se tornou irreversível, ainda que a agua corra por esse regueiro.
A militarização e rearme geral – sintoma muito claro de medo e insegurança e visão de adversário ao invés de parceiro – ajudam a compor uma espiral de profundo receio e desconfiança, que nada achegam para fomentar uma diplomacia ativa de resolução dos problemas pela via do mutuo acordo.

A crise económica de 2008 – que como vemos indicando – significou um antes e um depois na historia recente da humanidade. Muitos são os autores que consideram a economia americana em fase de falência. E a recuperação económica uma simples operação de enfeite e maquilhagem propagandístico, agitado pela mídia de referência afim ao poder Ocidental. No seu recente artigo: “Economia estagnada”, Costas Lapavitsas adverte:

Nos quatro anos desde a grande crise de 2007-09, os EUA cresceram a uma taxa anual de 2,2%, a Alemanha a 2%, o Japão a 1,6% e o Reino Unido a 1%. Considerando que o PIB destes países contraiu-se num total de 4 a 6% durante a crise, eles apenas recuperaram o terreno perdido – e o Reino Unido nem sequer conseguiu isso”. Afirmando mais adiante: “Os Estados visaram apoiar o sistema financeiro, enquanto transferiam os custos para a sociedade como um todo. Portanto, bancos centrais forneceram grandes quantias de dinheiro e conduziram taxas de juro praticamente para zero, enquanto governos garantiam a solvência de instituições financeiras. A lucratividade da banca foi rapidamente restaurada e o sistema financeiro foi capaz de começar uma nova bolha, desta vez no mercado de ações.

(O analista Paul Craig Roberts, assinala que se nos Estados Unidos ainda não eclodiu a nova bolha é devido à manipulação de todos os mercados financeiros em benefício duns poucos poderosos).

As políticas cada vez mais repressivas e menos tolerantes com a oposição interna, indicadoras do medo à discrepância e o fomento do alinhamento social com as linhas marcadas pelo poder… Próprias duma dinâmica de “feche de fileiras” típicas de tempos pré-bélicos. E que ficaram bem refletidas em movimentos como “ocupa wall-street” ou os próprios “Indignados”…

A necessidade de controlo da informação e a sua vez controlo do pensamento, para evitar dissidência.

A espionagem mesmo dos próprios aliados – como puseram de manifesto recentes escândalos da NSA-Norte-americana…

Necessidade de consolidar os blocos e reafirmar as lealdades – dentro da zona de influência… Como os EUA estão agora a fazer na Europa, impedindo uma política europeia independente, e criação de acordos bilaterais, que como bem analisa o Global Europe Anticipation Bulletin na sua ultima entrega, permitiriam a Europa uma tábua de salvação, criando uma hipotética aliança com os BRICS; o qual permitiria ao velho continente o aproveitamento de mercados imensos com dinâmicas de futuro. Algo que, em breve futuro, só vai ser possível de fazer (em toda a sua extensão) com países em desenvolvimento que adiram a tratados de livre comercio com os EUA…

Isto unido a outros fatores, como os confrontos na Ucrânia ou guerras abertas como na Síria (onde intervêm diversas potencias estrangeiras), ate as brigas no meio Oriente entre xiitas e sunitas (fomentadas pelo crescimento de potencias como Irão que se enfrentam ao poder dos Emirados), assim como as lutas no seio mesmo do poder catariano e o seu desafio ao poder saudita, que trouxe consigo a queda dos irmãos muçulmanos do Egito… Conflitos estes onde a diversidade de fatores e interesses contrapostos, diminuem as possibilidades dum acordo a curto prazo… Fazem-nos pensar num cenário, no mínimo dos casos, a longo prazo bastante complicado…

Se apesar – dos visíveis – interesses diferenciados, assim como de algum que outro desencontro – e mesmo concorrência territorial nas fronteiras, a China e a Rússia;  começam a ver Ocidente como um adversário agressivo, que tenta minorar o seu crescimento e influência… o caminho de confluência, para ambas as potencias, pode estar abonando-se; o qual seria uma muito má noticia para os interesses ocidentais…

Perante este panorama – e vista a evidência palpável – dum movimento pacifista mundial adormecido, a situação dá para, no mínimo, sentir certa inquietação e mesmo desassossego…

Os três poderes consideram-se o suficientemente fortes como para não ceder, em tempos de contingência.