“Poucos vêm o que somos, mas todos vêm o que aparentamos” (Nicolau Maquiavel “O Príncipe”)
A guerra desatada na faixa de Gaza entre Hamas o Estado de Israel, após a “surpreendente ação” do grupo palestino, está a por ao mundo numa situação de “alto risco” onde as hostilidades podem escalar ate uma guerra regional, com repercussão já imediata na geopolítica mundial – dentro da luta entre o “emergente mundo multi-polar” e a tentativa de assentar um controlo “unipolar” comandado pelo Ocidente.
Ate o de agora qualquer intervenção militar israelita, tinha em início, garantia de supremacia na ação, com escassa o nula resposta da parte palestina. No entanto os ventos tem mudado e a possibilidade de os palestinianos convocar no seu auxilio grupos com uma formação militar e capacidades logísticas e estratégicas em aumento, que podem implicar outros países da região, dentro do denominado “eixo da resistência”, podem complicar e muito a margem de manobra do governo e do exército israelita.
Em um primeiro passo o primeiro ministro judeu Benjamin Netanyahu está a consolidar um governo de “unidade nacional”, mas ainda é muito pronto para avaliar, se seu sonhado plano duma nação judaica em todo o seu território histórico e bíblico, que deveria começar por aproveitar a crise em Gaza, para limpar de palestinos esse assentamento, terá tão sequer seu imaginado início.
Muitas são as implicações desta encruzilhada entre a ousada resistência islâmica de Hamas e a firmeza e oportunismo do governo israelita liderado pelo partido Likud.
Implicações políticas
O recente projeto de reforma judiciaria levado a frente pelo governo Netanyahu, criou uma divisão sem precedentes no seio da sociedade israelita. O ideário progressista ocidental, que por outro lado, confronta a ideologia “confessional” que é a essência do mesmo estado judaico, fez suas reivindicações mais patentes na rua. Um confronto direto entre o sonho da Terra prometida por Deus e a modernidade laica. O conflito escalou até tal ponto, que em março deste ano o Presidente Isaac Herzog afirmou o pais estar as portas duma guerra civil.
A guerra em curso em Gaza favorece momentaneamente a figura de Netanyahu. Ao Hamas vulnerar a suposta invulneravilidade do Estado judeu, criou um clima de “temor” como não tinha existido em décadas. Este clima de medo favorece os chamados à unidade nacional, minorando aquelas criticas ao governo, que meios de comunicação como o progressista Haaretz tinham ativado, mesmo com certa virulência.
O compromisso inquebravantável dos Estados Unidos, em ambos lados de seu espectro político (democratas e republicanos) se pode associar a poder do “Lobby Judaico” em este país, mas também a uma necessidade geopolítica: Israel sempre foi uma peça chave para controlo do Meio Oriente por arte do Ocidente. Esta variante, em teoria, também fortaleceria a posição do governo israelita. Mas por trás da aparência e da presença de judeus no gabinete do Presidente Joel Biden, a solução do governo democrata dos EUA, difere das perspetivas de atual liderança no comando em Israel.
O compromisso inquebravantável dos Estados Unidos, em ambos lados de seu espectro político (democratas e republicanos) se pode associar a poder do “Lobby Judaico” em este país, mas também a uma necessidade geopolítica: Israel sempre foi uma peça chave para controlo do Meio Oriente por arte do Ocidente.
Washington não deseja uma limpeza em Gaza ou uma saída forçada dos palestinos. Está mais por uma derrota total de Hamas e uma devolução da Franja à Autoridade Palestina; algo que lhe permitiria reandar os compromissos do eixo árabe-judeu-europeu, com sua extensão geo-estratégica até a Índia, para tentar derrotar a iniciativa russo-iraniana-chinesa. Algo que se contrapõe a estratégia inicial do governo Netanyahu, que acredita todo o território deve ser para os judeus.
O primeiro ministro israelita sabe que de não consolidar seu plano de expulsão dos palestinos de Gaza, combinando com a ampliação dos assentamentos de colonos na Cisjordânia, sua cabeça pode rolar. E os norte-americanos iam aproveitar, tal situação, para colocar no poder um novo primeiro ministro mais favorável as teses do partido democrata.
Netanyahu sempre esteve mais perto de Trump e da sua ideia de global de mundo.
Implicações económicas
As recentes descobertas duma jazida de gás natural nas costas de Gaza, modifica a geopolítica regional do gás. Israel pretende associar este descobrimento aos campos de Leviathan. Estas jazidas somadas as de Afrodite no Chipre e a de Zhor no Egipto, facilitaram a criação da “EastMed Gas Forum” com a participação de Chipre, Egito, Grécia, Israel, Jordânia e a própria autoridade Palestina (não o Hamas). Hoje em dia, com a necessidade da União Europeia de substituir o gás natural russo; e após a falha do corredor de Nigéria – Níger – Argélia, o projeto se torna um atrativo polo de desenvolvimento regional.
As recentes descobertas duma jazida de gás natural nas costas de Gaza, modifica a geopolítica regional do gás. Israel pretende associar este descobrimento aos campos de Leviathan. Estas jazidas somadas as de Afrodite no Chipre e a de Zhor no Egipto, facilitaram a criação da “EastMed Gas Forum” com a participação de Chipre, Egito, Grécia, Israel, Jordânia e a própria autoridade Palestina (não o Hamas). Hoje em dia, com a necessidade da União Europeia de substituir o gás natural russo; e após a falha do corredor de Nigéria – Níger – Argélia, o projeto se torna um atrativo polo de desenvolvimento regional.
No entanto o gasoduto Trans-Adriático Azerbaijão – Turquia – Grécia – Itália (que passa pelo antigo enclave arménio de Nagorno-Karabaj), por motivos óbvios é mais atrativo para o governo de Erdogan. Grécia sempre foi um concorrente inimigo histórico da Turquia.
O corredor económico Índia -Arábia Saudita- Israel – Europa, para qual é preciso o pleno estabelecimento de relações entre a monarquia árabe e o estado judeu estava a ser criado em detrimento do Cinturão e Rota chinês e da interconexão geo-estratégica da Euroásia. Quanto menos isso era a pretensão de Washington, não tanto de Nova Delhi. Todas estes movimentos no tabuleiro de xadrez não eram muito do agrado de Irão, China e Rússia. Esta guerra iniciada pelo Hamas acaba de suspender, momentaneamente, este acomodo.
Implicações Sociais
Israel também tem o problema profundo do mundo ocidental de fragmentação do seu tecido social, com cidades de composição cultural diversa, cujas comunidades não sempre tem sabido adaptar-se e menos misturar-se, dentro dum predomínio de estratos sociais onde o poder aquisitivo marca a pauta.
Acrescentando aqui a mesma divisão inter-étnica onde as comunidades de judeus ultra-ortodoxos vivem em isolamento voluntario com o resto: negando-se ao mundo exterior, dentro dum circuito fechado onde o cumprimento estrito da lei judaica ou Halachá, a dieta kosher e a pureza familiar, criam uma “confissão particular” dentro do Estado “confessional” israelita (onde somente é permitida cidadania imediata para aqueles que praticam o judaísmo).
A pobreza (exclusão social), desemprego e marginalidade tem aumentando nos últimos anos em Israel (políticas neoliberais são culpadas); aumentando como em todo o ocidente a afluência de ingressos às classes altas em detrimento das baixas, minorando o poder real da classe media.
Implicações militares
A complexidade do ataque de Hamas somente pode ser explicada por uma evolução positiva do organograma marcial da milícia: melhora na fabricação de armamento, mais capacidade de obter recursos no mercado negro; melhora significativa na logística, e nas aprendizagens de contra-inteligência. Melhora da capacitação de toda a sua escada de mando.
A isso temos de somar o apoio que o grupo pode obter de organizações como Hezbollah, que podem abrir uma segundo frente no Sul do Líbano – Norte de Israel.
Acrescentar a dificuldade de toda guerra urbana. O denominado “Metro de Gaza” é em realidade uma rede muito bem desenhada de túneis que comunicam todo o território e se estendem fora dele, com objetivos diversos: como o subministro e contrabando de todo tipo de mercadorias, incluído alimentos, armas e material preciso para fabricação do variado arsenal bélico do grupo.
Por sua vez uma guerra urbana reverte um componente de guerra defensiva, que sempre em inicio é favorável ao defensor, mesmo sem este ter em seu poder uma artilharia adequado ou defesa anti-área. “Os próprios americanos enfrentaram algumas dificuldades em Falluja e, apesar de uma vantagem numérica considerável (cerca de 15.000 contra 3.000 insurgentes), só conseguiram prevalecer arrasando bairros inteiros da cidade. A Rússia, por sua vez, com exceção do caso de Mariupol (uma cidade de alto valor estratégico e “simbólico”) ou o “moedor de carne” de Bakhmut/Artemovsk, optou por limitar ao máximo o combate urbano no contexto do conflito ucraniano” (explica Danielle Perra, no seu recente artigo “Aspetos geopolíticos do conflito na Palestina).
Lembrar que cidades como Falluja ou Bakhmut somente contavam com 30 ou 70 mil habitantes, segundo cada caso: a faixa de Gaza contem mais de 2 milhões de pessoas embutidas em um área de apenas 365 km2. “Um cárcere a céu aberto”. Gabriel Romanelli, pároco da Sagrada Família, a única igreja católica na cidade de Gaza, afirmava estes dias: “Temos centenas e centenas de refugiados na estrutura da Igreja, incluindo crianças, deficientes, idosos, doentes. Como movê-los? E para onde?” Em estas condições entrar em Gaza significa estar disposto a assumir grandes riscos.
A mesma guerra do Iêmem onde uma coligação dirigida por Arábia Saudita (com uma inversão de centos de milhares de milhões de dólares) não tem podido vencer a um grupo bem organizado de milicianos hutíes de Ansar Allah (apoiados pelo Irão), que mesmo com barata tecnologia de Drones e “misseis anti-tanques iranianos”, junto a armas ligeiras, tem desafiado a segurança nacional saudita e atentando contra a toda poderosa empresa petroleira Aranco.
Daí as divergências entre a urgência governamental e a realidade militar. Os militares israelitas preferem realizar uma campanha prévia de bombardeamentos maciços (que minem as defesas do Hamas), acompanhada de estrangulamento (bloqueio total com corte de luz, água, alimentos)… que faça descer a moral dos combatentes e o apoio da população. Todas estas variantes não favorecem o desempenho da invasão, no entanto ela tem de ser realizada. Minimizar as baixas é preciso para evitar pressão da cidadania israelita.
Ao serviço deste plano já se efetuou uma intensa campanha de propaganda, onde o ministro de defensa israelita chamou aos palestinos de “animais humanos”, com o objetivo de legitimar uma possível “limpeza” – movimentos em contra desta medida já tem trabalhado para criar uma campanha de solidariedade internacional e decidida pressão, no mundo muçulmano, para evitar ou diminuir este risco.
Ao serviço deste plano já se efetuou uma intensa campanha de propaganda, onde o ministro de defensa israelita chamou aos palestinos de “animais humanos”, com o objetivo de legitimar uma possível “limpeza” – movimentos em contra desta medida já tem trabalhado para criar uma campanha de solidariedade internacional e decidida pressão, no mundo muçulmano, para evitar ou diminuir este risco.
Os apoios
Os norte-americanos tem tentado evitar o pior cenário para Israel (a criação duma frente unida árabe ou pior ainda muçulmana) e trabalhando em contra dum dos objetivos principais da operação de Hamas. O secretario de estado Antony Blinken (de origem judeu) tem-se reunido com seus aliados de Jordânia, Egito e Arábia Saudita. Por meio da conexão com estes países tentaram fazer chegar ao Irão uma oferta (junto a uma grave ameaça) para dissuadir os persas da sua entrada direta no conflito.
Mas de novo para esta iniciativa se mantiver firme, a entrada na faixa de Gaza deve ser muito bem calculada: qualquer excesso contra a população civil, pode reverter o apoio inicial destes países árabes, devido a pressão interna. Podendo mesmo forçar os mesmos a algum tipo de intervenção ou permissão no seu papel de vigilantes fronteiriços.
Todas as brigas do chamado frente da resistência, que em seu dia organizou o grande estratega iraniano, o general Quasem Soleimani, entrariam tal vez no momento oportuno no campo de batalha. Os combatentes de Hezbollah no Líbano, Hutíes Iemenitas, brigadas iraquianas e sírias, já anunciaram sua disposição a luta. Paquistão mesmo tem afirmado sua recetibilidade a disponibilizar misseis para a resistência. A mesma ameaça a corrida nuclear da deputada judia do governante partido Likud, Talli Gotliv, foi em certo modo neutralizada pela disposição do Paquistão, que também possui armas atómicas.
Os combatentes de Hezbollah no Líbano, Hutíes Iemenitas, brigadas iraquianas e sírias, já anunciaram sua disposição a luta. Paquistão mesmo tem afirmado sua recetibilidade a disponibilizar misseis para a resistência. A mesma ameaça a corrida nuclear da deputada judia do governante partido Likud, Talli Gotliv, foi em certo modo neutralizada pela disposição do Paquistão, que também possui armas atómicas.
Israel está em uma posição muito mais difícil, que há apenas uns nove anos (quando sua última intervenção direta no local), não digamos já faz vinte anos ou mais. A total supremacia militar sobre o mundo árabe e muçulmano já não existe. O poder unipolar do “hegemon norte-americano” que o defendia já não abrange toda o orbe. Israel tinha a seu favor saber que esse poder unipolar sempre iria a seu resgate. Mas agora esse mesmo “hegemon” tem de medir seu passos, pois uma ação mal calculada pode provocar a aceleração do seu declínio e, mesmo, a sua própria queda. EUA teme também uma escalada do conflito impulsione ataques ou mesmo a destruição das suas bases militares na região.
Israel está em uma posição muito mais difícil, que há apenas uns nove anos (quando sua última intervenção direta no local), não digamos já faz vinte anos ou mais. A total supremacia militar sobre o mundo árabe e muçulmano já não existe.
A sua vez China e Rússia que já falaram da necessidade de ativar o acordo nunca implementado dos Estados – como única solução viável para estabilizar a zona, temem uma escalada que possa por em situação muito delicada suas tentativas de acomodo tanto com o Irão com a Arábia Saudita, como com a Turquia. Sem esquecer a Rússia metida no jogo da Síria pode ver-se forçada a alguma ação de retaliação: a aviação israelita já bombardeou aeroportos militares de Damasco e Alepo.
Estamos em um delicado equilíbrio e, de novo, somente um momentâneo e amplo acordo regional, pode preservar uma cenário muito complexo, que de escalar pode passar de guerra local a regional, com ameaça futura de guerra global. Daí o Presidente russo Vladimir Putin, após a sua maratona telefónica com todos os lideres da zona, viajou rapidamente a reunir-se com seu homologo Xi Jinping no cume da “Iniciativa da Franja e a Rota”.
Implicações sistémicas
Em meio a este nó de caminhos, que é o Oriente Meio – surge uma bifurcação muito poderosa, entre os seguidores da poder unilateral instalado, a partir da queda da União Soviética e um novo poder multilateral, que tenta criar uma organograma alternativo, onde o domínio da economia global através do dólar e do controle das Instituições Financeiras Internacionais está posto em causa.
Michael Hudson, em recente artigo intitulado “Duplamente Importante” resume-o assim:
“No entanto, o que torna esta questão tão premente este ano é a emergência dos países BRICS+ e a alternativa coletiva que está em processo de justaposição. O debate está a ocorrer enquanto partes do mundo tentam desdolarizar as suas economias como forma de se protegerem das políticas dos EUA. A imposição e o confisco das reservas monetárias oficiais de países como o Irão, a Venezuela e a Rússia suscitaram desconfiança em quase todo o mundo. Estas sanções são normalmente uma punição para nações que, em defesa da sua soberania, procuram a auto-suficiência nacional, em vez de dependerem de fornecedores e credores americanos. Para os países que procuram uma ordem mundial multipolar em vez de uma economia unipolar centrada nos Estados Unidos, o termo “desdolarização” está a expandir o seu significado. Agora é muito mais do que utilizar outras moedas para liquidar transações comerciais e de investimento.
Uma filosofia diferente de finanças internacionais, relações credor-devedor e auto-suficiência nacional está a evoluir diante dos nossos olhos”
E diante dos olhos dos EUA, acrescentamos nós, que precisam da predominância do dólar, para seguir pondo em marcha a máquina de expandir moeda, e assim poder manter o “policiamento” global do mundo. Isto faz o corredor energético mais vital do mundo (o Meio Oriente) fulcral de ser controlado, pelo poder da “anglosfera” para manter em pé esse dólar, que mantém em pé o sonho da excecionalidade norte-americana.
Implicações messiânicas
“Quem não entende deve aprender, ou ficar calado” (Jhon Dee)
E aqui não tocaremos as implicações religiosas, místicas ou messiânicas, que também estão presentes, tendo como centro a mesquita de Al-Aqsa – onde os messiânicos israelitas querem instalar o III Templo (sonhando a chegado do Messias) e onde os muçulmanos ortodoxos lutaram ate sua última gota de sangue, para evitar ser demolido o local onde o profeta Maomé ascendeu aos céus…
“E, quando Meus servos te perguntarem, por Mim, por certo, estou próximo, atendo a súplica do suplicante, quando Me suplica. Que eles Me atendam, então, e creiam em Mim, na esperança de serem assistidos.” [Alcorão 2: 186]
“E farás o que é reto e bom aos olhos do Senhor, para que bem te suceda, e entres, e possuas a boa terra, a qual o Senhor jurou dar a teus pais” (Deuteronômio 6:18)
Todos estes caminhos se entre-cruzam no caminho do destino das nações, aqui no Oriente Meio, hoje se tornou o novo “nó górdio” (dizem que somente os descendentes de Alexandre o Grande podem cortar o nó e declarar-se senhores de toda a Ásia Menor – por direito). O nó de Górdio também é o sinal duma mudança de paradigma, será este o caso? Nós simplesmente aguardamos, como sempre, este novo destino, de iniciar-se, não se tornar fadado. Para seguir mantendo ativo em nossos filhos e filhas o coração alado da esperança; para poder seguir sonhando nas “Terras de Provisão” e na chegada da “Era Dourada” da verdadeira fraternidade…