Eleições na Espanha: Triunfo da via Federal

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Duas cousas impedem ao homem, sobretudo, que saiba o que deve fazer: uma é a vergonha, que cega a inteligência e arrefece a coragem; a outra é o medo, que, indicando o perigo, obriga a preferir a inércia à ação” (Erasmo de Roterdão “Elogio à Loucura”)

Existe uma analise oculta, além das avaliações habituais, sobre o acontecido ontem na jornada eleitoral, na Espanha. O novo mapa deixa uma fotografia onde a fação mais radical da direita “patriótica”, que sente uma ameaça existencial a seu modo de entender, viver e estar (como coletivo) dentro do mundo, fica como a grande derrotada.

Não por acaso seu porta-voz o senhor Abascal, na noite pós eleitoral foi o único (como ele mesmo verbalizou) a reconhecer essa dolorosa derrota.

Surge a evidencia de que o voto auto-identificado (fiel) a um determinado movimento político, seja qual for, dentro do Estado Espanhol, não ajuda a conformar maiorias.

E esta evidencia, não se explica somente pelo chamado “voto útil” nem também não pela suposição dos poderes económicos, impulsar um “bipartidismo” que em teoria deveria trazer mais estabilidade governativa. Nem também se pode associar de todo ao interesse “Mediático” de potenciar um modelo político que não extravase os limites constitucionais ou ameace o modelo económico neo-liberal vigente, tanto na Espanha como na Europa.

O outro segundo grande derrotado, a pesar da vitoria na contagem é o Lider do Partido Popular: sua aposta na majoria absoluta não deu certo. Derrotado também seu partido. Sua contra-atacante na corrida pelo controlo do aparato do partido, a Presidenta da Comunidade de Madrid a senhora Ayuso (a única que ontem sorria na varanda da rua Génova), mesmo obtendo um impulso na sua carreira política, sem ela saber, também é outra grande derrotada, momentaneamente. Pois o modelo que ela defende, centralista e mais virado a alianças como a direita radial, fica muito tocado.

O Partido Popular, após de durante uma legislatura estar a permitir uma pressão continua sobre a figura do presidente da Espanha, e cabeça visível do Partido Socialista Obreiro Espanhol, não vai poder, a pesar das exigências, convencer aos socialistas que os deixem governar em minoria.

Pois um desejo oculto no voto da cidadania, se for aproveitado pelo conjunto de partidos da esquerda, impede aos populares de criar um plano alternativo. Qualquer plano do partido ganhador por contagem -mas perdedor na prática, passa somente por um desencontro entre as esquerdas.

O Fundo do voto

Vamos então falar do voto, que se oculta, por trás do voto.

Existe uma realidade de convivência pacifica, tolerância e acomodo, dentro do marco constitucional espanhol, que fica reforçada após da chamada às urnas do 23 de Julho. Realidade que vai muito além dos analises políticos, da linguagem habilidosa e das tentativas de acomodar os resultados as diversas lógicas partidárias.

Dado, nesta jornada, ficar evidente existir uma assunção interna (que não precisa ser manifestada verbalmente) dentro da cidadania do Estado, da Espanha ser um país plural no político, no social, no cultural, no linguístico e mesmo na sua tradição mais profunda. A diversidade da suas gentes, paisagens, gastronomia, cria uma riqueza única dentro deste Estado.

E foi confirmado, neste exercício democrático, a gente quer perpetuar essa riqueza.

Se bem existe uma tendência centralista e uma emotiva associação com uma certa ideia de Espanha como pátria única indivisível, na maior parte do Estado Espanhol. A vez que em Euskadi e Catalunha uma afirmação duma realidade nacional assumida pela maioria da poluição (a pesar da pressão mediática exercida em contra). No resto do território existe uma majoria de gente que procura um caminho intermédio entre a visão centralista e o nacionalismo chamado “periférico”

Um caminho que é meritório, tendo em contra todos os instrumentos de modelação psicológica, que esse o poder central, leva utilizando desde inícios da transição democrática, a finais do anos setenta do século passado.

A ideia da direita mais radical, de obviar esse caminho do meio e de virar essa realidade nacional “periférica” com o uso do rigor e força, foi a grande derrotada da noite do 23 de Julho. Em recente entrevista ao jornal “El País” o porta-voz de Vox, o senhor Abascal, reconhecia que se eles governar em Madrid a situação em Catalunha se ia por mais difícil que em 2017. Acrescentando que eles não iam hesitar em aplicar esse rigor e força, com todos os mecanismo que a lei der a seu alcance. Mas esse horizonte de divisão, violência e confronto foi, na noite do 23-J derrotado.

E essa derrota somente pode entender-se, sabendo que as dinâmicas de convivência e respeito do diferente, tiveram capacidade de seguir sobrevivendo, a pesar da intensidade do medo e os reflexos de violência e agressividade verbal; que fizeram da dialética de confronto político um discurso monótono e continuo, vazio de contido, durante toda esta legislatura.

Mas se bem o poder mediático, económico e político mais “centralista” e mais beligerante conseguiu fazer esse inclinar da balança em favor duma aliança Vox – Partido Popular. E, mais tarde em plena campanha, enviou aos indecisos de direita um claro mensagem de necessária concentração de voto, para poder retirar o atual Presidente Pedro Sánchez do poder (travando a agenda autonómica – federal do PSOE); na pratica (essa mesma manobra) voltou a favorecer um necessário processo de reconfiguração profunda do próprio Estado.

E este ultimo cenário não houvesse sido possível sem um amadurecimento da pisque coletiva da cidadania espanhola, que a pesar da pressão continua em favor do medo e confronto guerreiro com o diferente (é sua dialética incendiaria) – manifestou nas urnas, seu cansaço com as verbais e físicas manifestações de agressividade verbal e física.

Uma nova maioria social

Uma nova maioria social se configura. Uma maioria que quer aceitar a diversidade social, chama a atenção à desigualdade económica e ao acomodo dos diversos sectores sociais e culturais da mesma. Uma maioria que visualiza e respeita Catalães, Vascos e Galegos como são, e o mais difícil como eles querem ser, mesmo se isso antagoniza seus pontos de vista.

Uma cidadania, que a pesar de anos de bombardeio mediático de “uma única língua, para uma única nação” lhe custa muito compreender como sendo todas línguas no título espanholas, somente uma delas “o castelhano” tenha o direito de nomear-se como tal. Isso equivale a em uma casa somente uma das irmãs ter reconhecimento a movimentar-se por toda casa. As outras devem compartilhar-se seu quarto como ela, mas não podem sair das suas habitações.

Uma nova maioria para a qual os discursos maniqueístas, de divisão entre “bons e maus espanhóis” não tem uma lógica credível. Como pode ser que se imponha o galego em Galiza, uma comunidade onde todos os índices marcam o retrocesso desta língua? Como se pode impor o catalão em Catalunha? Em esta lógica supremacista resulta absurdo dizer que foi, em seu tempo histórico, “imposto o castelhano em Castela” – Sendo a única língua ser reconhecida como filha dum processo natural

E, não faz falta ser muito inteligente para entender que processos históricos acabaram por situar ao castelhano em Euskadi, Catalunha e Galiza.

Esta nova majoria, nasce duma nova cidadania que aceita o amor que os bascos demonstram a sua terra e sua língua. Daí inferir que não faz falta ser um grande erudito no campo da história, para entender que se o castelhano se converteu na língua internacional que é hoje, foi por um processo de concretização dum projeto central castelhano, que trunfou na Idade, sobre projeto galaico (ou mesmo galaico – português – derrota de Afonso V na batalha de Toro); e sobre o projeto mediterrâneo Catalano – Aragonês, convertendo-se em central e dominante…

Somente essa pressão mediática constante, pode evitar uma aceitação mais ampla da cidadania de essa Espanha plural e mesmo pluri-nacional, sem advertir em isso um perigo iminente para existência de Espanha como um Estado mais dentro da União Europeia.

E aqui a nova maioria social, cria uma nova ponte, para que essas duas Espanhas: a nacional centralista e a federal se encontrem: conversem e, superem o marco de confronto-guerra. Exigindo a sua vez resolver o problema dentro dum marco de convivência, dialogo e tolerância.

Uma nova aposta mias pragmática. Que de trunfar obrigará ao Partido Popular, aproximar-se deste esforço, ainda que muito mais devagar, para a seguir paulatinamente ir abandonando seu encadeamento a Vox.

E aqui está a parte mais difícil de entender pelas diversas lideranças políticas, todas viciadas no marco da guerra-confronto e no entendimento de avançar, minorando paulatinamente ao contrario. Atitude agressiva predominante no campo político de disputar espaços, excluindo deles ao adversário. De criar redes de consolidação de poder, mesmo se para conseguir esse objetivo for preciso acudir “a determinados mecanismos de corrupção”; para potenciar um tecido empresarial, mediático, cultural, social e político que possa ser vinculado a seu conceito particular de “verdade única”. Sendo, que em este marco de guerra-confronto, qualquer negociação ou procura dum consenso – é uma necessidade tática de acomodo para tomar fôlego, posicionar-se melhor, e posteriormente seguir avançando, com o intuito de destruir ou diluir o campo de ação e expansão do contrário. Sendo que estas dinâmicas devem ser ultrapassadas.

Finalmente deverão criar-se os mecanismos precisos que mais adiante nos possam proporcionar a oportunidade de isolar aos belicistas.

Não será entendido esse compromisso, por muito leal que puder ser, se não se procurar uma forma de abrir janelas para integrar-se, ambos projetos num novo planeamento mais amplo, que possa (mesmo com cessão de todas as partes) encontrar um caminho para criar um marco estável e duradouro: onde todas as correntes e todas as visões tenham cabida. Onde todos os caminhos sejam olhados – visionados como variantes dum caminho único, previamente aceitado por todas as partes.

E, isso é precisamente o que acaba de manifestar com o seu voto a cidadania do Estado Espanhol.

Possibilidade duma Unidade pela PAZ

Existe agora uma oportunidade de uma majoria, complexa, mais precisa para caminhar a favor da paz. Uma unidade que trabalhe em favor dessa Espanha Federal dentro do marco agora existente.

E, aqui está o problema: entender a realidade geopolítica europeia e internacional atual, entender como se insere em ela a realidade política espanhola do momento.

Entender como é estreito e delimitado o marco atual espanhol para a realização deste projeto, que no entanto a cidadania demanda. Entender que se pode abrir o foco, mas que isso vai demorar um tempo. Entender que esses tempos não podem ser acelerados, a não ser que gostemos de dar-lhe gasolina ao sector da guerra, agora desativado, mas que pode ser alimentado e voltar a ameaçar-nos em qualquer momento. Trazendo consigo a repressão e cancelamento do que lhe molesta, daquilo que lhe é incomodo. Visão do outro como concorrente irreconciliável – num “falso caminho existencial” onde somente um pode ficar vivo.

Entender que em esse tipo de dinâmicas a direita radical mais centralista tem todas as ganhar. Forçando desencontros, entre os partidos agora chamados a entender-se para governar. Criando um marco de desgovernança e tensão entre os necessitados para criar uma estabilidade institucional.

A pesar do relativo poder das dinâmicas centralistas, e seus apoios económicos, políticos, judiciais e mesmo no âmbito castrense, se os partidos com capacidade de governar têm a coragem de escutar o clamor das urnas podem ultrapassar esses obstáculos.

Preciso esse entendimento para criar um novo marco para um futuro projeto federal. Mas esse projeto federal não pode ser uma realização imediata. Primeiro há que ganhar a paz, a confiança entre os chamados a realizar a “vontade popular” de pacificação e entendimento. Recuperar a lealdade e o dialogo aberto, sem imposições nem linhas vermelhas prévias.

Entender que estamos ainda na fase de idealização (trazer o inconsciente ao consciente), e isso vai levar mais de uma legislatura. A mesmo tempo vai ter de ser realizada a implementação psicológica do projeto federal, dentro das ferramentas que o próprio marco autonómico permite. Para, com muita paciência ir criando dinâmicas federais dentro do sistema das autonomias, valorizando a história, cultura, língua e mecanismos verdadeiros de autogoverno das nacionalidades históricas galega, basca e catalã .

Por sua parte tentar impor agendas que criem excessiva tensão, na ainda predominante visão centralista do Estado Espanhol, somente vão favorecer pressões sobre os partidos estatais, criando grandes problemáticas para uma estabilidade parlamentar e de governo, precisa em este histórico momento. Isso somente vai favorecer o curto percorrido dum possível e necessário governo de paz. Trazendo consigo o fantasma dum adianto eleitoral, e de novo entrar numa dinâmica de guerra – confronto (dentro duma nova realidade de governo mais desgastado pela pressão mediática) – permitindo afinal, crescer a desilusão neste majoria conseguida nesta ultima eleição – Um contexto onde a aliança Vox – PP tem todas as de ganhar.

Sendo que o Partido Popular cederá todo seu acervo moderado e seu vigor autonomista, em favor duma agenda previamente ditada pelo poder centralista, negacionista da diversidade social e cultural. Um poder de visão estreita, mas com toda a força e todas as condições para tornar-se nova alternativa – Novo governo.

A paz que demanda a cidadania na atualidade, precisa agora da inteligência de sectores políticos vários do Estado, para serem capazes de criar uma alternativa de governo estável. E ir entrando nesse desenho federal, devagar, ganhado primeiro o coração e as mentes dessa maioria social, que já demanda esse no marco federal, mas também demanda respeito aos ciclos precisos para sua implantação.

Sendo que essa cidadania é consciente que esse marco federal – dentro do contesto autonómico – já pode ser vivenciado, e ela o vivencia a seu modo, com a sua monstra de abertura mental e coracional as diversas realidades do Estado Espanhol, diverso, único, mas que quer viver unido em irmandade.

Somente se precisa agora o mais difícil – engolir os egoísmo políticos e permitir sonhar essa realidade. Entender que essa realidade pode ser vivenciada também, entre os diversos sectores políticos, criando uma alternava real e estável de governo. Mas também realista dentro dos limites (que nunca são eternos) que a conjuntura política espanhola, europeia e mundial, deixam- E ter essa perspetiva em mente se chama maturidade política.

O dialogo aberto, prolongado e a lealdade entre os diversos que querem a paz é a chave para diluir, no tempo, os violentos que estão aguardando a oportunidade de gerar caos, para criar guerra – onde o rigor e a força imponha sua “lei” numa espiral de deterioro institucional ideal, para que eles, tenham todas as possibilidades de vitoria pela força do medo ativado na alma.

Medo que sempre entrega os povos ao pesadelo.

Criadas as condições da nova paz – federal – dentro do marco autonómico onde o respeito pela diversidade, dentro da unidade, com lealdade seja a tónica – é a única possibilidade de debilitar e vencer aos Pregadores da Violência. Os outros caminhos, não nos enganemos, levam a estes violentos ser impulsados ao comando.

Toca pois a nossos representantes políticos estar a altura da Nova Consciência desta nova Cidadania do Estado Espanhol, mais aberta e plural, mais consciente e consequente.

Está em jogo avançar na sanação da alma dos nossos povos em irmandade, ou voltar a dinâmicas de guerra civil, que só favorecem aos exaltados do ressentimento. E ninguém se engane de eles trunfar as culturas catalã, galega e basca; junto as liberdades civis, programas para integração económica e social, por muita resistência que ofereçam, receberam golpes tão duros, por um período tão prolongado de tempo (ao estar os sectores populares divididos), que quando acordar o tempo levantar-se, reconstruir-se, o esforço será titânico. Um sacrifício muito prolongado no tempo, com todas as dores que estes percursos acarretam.

Bem-haja aqueles que souberem, neste momento estar: no lugar certo no momento certo, com o pensamento certo.

Bem-haja a quem souber estar por cima de seus interesses ególatras, ideológicos e partidários, em este momento decisivo, para todos os cidadãos e os povos de Espanha.

Bem-haja aqueles que entenderam, em estes tempos, os políticos devem estar ao serviço da gente e não servir-se da gente.

Bem-haja quem souber com paciência, firmeza, coragem, perseverança e confiança no seu destino, entender que criar a união dos povos irmãos – faz de um povo (união de povos em respeito e amor) uma Entidade Invencível.

Se conseguir erguer sua árvore da vida acima este “clamor popular” pela unidade e paz, o fantasma da violência verbal e física diluir-se-há. Eles terão de ir-se embora e, com eles, suas velhas guerras.

A nova maioria social quer a paz. E deve ser respeitada! Também deverá ser bem representada. Toca estar a altura das circunstancias históricas!