“No período de crise, a hegemonia dos Estados Unidos operará de forma mais completa, mais aberta e mais implacável do que no período de expansão. Os Estados Unidos buscarão superar e se livrar de suas dificuldades e doenças principalmente às custas da Europa, independentemente de isso ocorrer na Ásia, no Canadá, na América do Sul, na Austrália ou na própria Europa, ou se isso ocorrer pacificamente ou por meio da guerra (…) O capitalismo americano está entrando em uma época de um imperialismo monstruoso, de crescimento ininterrupto dos armamentos, de intervenção nos assuntos do mundo inteiro, de conflitos e convulsões militares (…) ” Escreveu Leão Trosky, no exílio em 1931 na ilha turca de Prinkipo.
Hoje observamos esse guião tentando implementar-se no mundo, mas a crise de 2007-2008, terminou por marcar um limite de expansão biológico dos EUA, permitindo novos atores regionais como Rússia (refeita da morte do União Soviética) e a China (libertada do camisa de força maoista) começar a expandir-se e ocupar espaços na África, Ásia e América Latina, que os EUA já não podiam manter plenamente a seu serviço.
Mas o organograma criado a nível global (económico, político e civilizacional) pelos Estados Unidos de Norte-América, não permite nenhum ator em solitário tentar modificar o tabuleiro político, por vontade própria – daí a irrupção do “Mundo Multipolar” tornar-se um fato.
A União Soviética foi o último grande poder “unipolar socialista – mas conservador “ (O socialismo em um só país- de Stalin – venceu a batalha contra a revoluçao permanente – do mencionado Trosky). Este poder unipolar conservador da URRS estava a confrontar o poder “unipolar capitalista progressista” dos EUA; mas o renunciar o inovador, mais progressista, Nikita Khrushchov (à morte de Stalin) a criar um sistema global economico alternativo ao sistema norte-americano e, ao retirar o rublo do patrão (entregando na pratica o controle do sistema financeiro mundial aos norte-americanos, por meio das dívidas perpetuas e os organismos intencionais monetários controlados por Washington) a queda deste contra-poder soviético era questão de tempo. Entre outras cousas pela deformação burocrática, criticada pelo mesmo Trosky.
A partir deste fato nenhum contra poder unipolar poderia enfrentar aos EUA. Mas agora mesmo com a irrupção do BRICS e sua ultima reunião em Sul-África, do 22 ao 24 de agosto deste ano, novos tijolos começam a ser posto acima do chão para criar um novo edifício “multipolar” com novos atores, novos organismos internacionais, novas perspetivavas culturais e novas focagens civilizacionais. Pondo em causa o domínio do dólar, e o organograma financeiro a ele vinculado que permite aos EUA sancionar a qualquer país do mundo que não siga suas políticas económicas neo-liberais, podendo mesmo arruinar a base da sua industria e suas finanças, com uma simples retirada do sistema de pagamentos SWIFT. Sistema que facilita o movimento de capitais entre mais de 11,000 entidades bancarias de mais de 200 países.
Novos Poderes se unem
O expansionismo norte-americano chegou, com o derrube da URRS, a ter a total supremacia não somente económica, cientifico-tecnológica ou militar e de inteligência (os famosos “Five Eyes” – ou cinco olhos); senão também a primazia cultural, moral e civilizacional.
Dominando todo o “imaginário coletivo global” através das suas poderosas redes de comunicação (das quais mantém ainda, a dia de hoje a maior parte do controle) e da sua poderosa industria do ócio. Controlo da transmissão da narrativa e pelo tanto do “imaginário coletivo global” com esta narrativa e seus arquétipos familiarizado.
Isso também começa hoje a ser contestado, pelos novos atores “multipolares” que em união, devagar, estão começando a confrontar o “Império Global Ocidental” criado pelo poder unipolar norte-americano, também na “narrativa” e dizer estão a desenvolver um novo pensamento sobre o mundo, para desde aí influenciar uma parte daquele”imaginário coletivo global”.
A união do poder emergente económico e cientifico-tecnológico chinês, como o emergente poder milita russo, com as achegas de poderes regionais como Índia, Brasil, Sul-África e, agora Irão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (que a pesar de manter uma posição de 3º via neutral, e ainda precisar de fortes parcerias com o Ocidente para o seu desenvolvimento), chegaram a conclusão de ser preciso para sua “Soberania” concretizar sua ascensão como poder regional, com direito a intervir na agenda global; facto que de algum modo confronta já a uni-polaridade norte-americana.
Quando há uma resistência a um poder único, que aspira a dominação – imposição de seu modelo civilizacional (tivemos a romanização na Europa, pré idade meia… -tivemos e temos uma tentativa de americanização do mundo)…
Quando existe essa resistência, falamos, o recurso militar para quebrar a mesma, sempre se torna uma hipótese ao alcance da mão, quando esse poder imperial tem a musculatura marcial bem desenvolvida. No entanto devido ao encolhimento do modelo económico dirigido pelos EUA, a diminuição do recurso da Dívida Soberana por parte da FED, e a contestação aos dividendo arrecadados da utilização do dólar como moeda de intercâmbio comercial global, os recursos económicos começam a ser minguantes…
Assim como as derrotar militares no Oriente Meio, tanto no Afeganistão como na Síria (ainda em liça, mas com correlação de forças pouco favoráveis ao Ocidente), tem enfraquecido o impetuoso animo guerreiro de Washington. Levantando uma questão… Será que os Estados Unidos poderão abrir um frente de guerra por procuração nos mares da China e manter a um tempo aberto o confronto na Ucrânia? E esta hesitação, não está a complicar a capacidade de imposição pela via militar?
Se esticar muito a corda… Mesmo a União Europeia, agora mesmo totalmente separada de qualquer parceria estratégica (nem sequer energética) com a própria Rússia e, em profunda discussão a nível Institucional, sobre como ir enfraquecendo sua excessiva “dependência” em certos sectores como o das novas tecnologias, da China… Mesmo essa União Europeia pode modificar, por necessidade, seu critério e de novo abrir um canal de comunicação com Moscovo.
Tendo em conta dificuldades energéticas da mesma Europa, que não podem ser totalmente preenchidas pelos EUA, a pesar do estupendo negocio norte-americano com o gás e o petróleo; e, sabendo que dentro da diversificação de fornecedores Europa optou pela África, como isto está afetar Bruxelas?. Mas também
Dado que as infraestruturas portuárias europeias não são suficientes para trazer gás liquefeito ao continente; a abertura dum gasoduto desde Nigéria, passando por Níger e Árgélia com destino Espanha e Itália e possível distribuição a Europa Central, era uma aposta interessante.
Mas agora com a crise em Níger, e as firmes alianças de Argélia e Níger com a Rússia – e as habilidosos manobras de Moscovo no Sahel… Podemos supor que dos EUA forçar muito a máquina, pode mesmo Europa ter de ir abrindo mão do seu bloqueio ao gigante euro-asiático.
Não esquecer que o Estados Unidos tem tomado uma postura de observar, na crise do Níger (salvaguardar sua base militar no país), que não ajuda muito a França. E não é o primeiro revés dos norte-americanos aos franceses, pois em setembro de 2021 o contrato de submarinos atómicos franceses na Austrália, fora quebrado em favor de submarinos dos EUA.
Novas Regras de Jogo?
Assim que os EUA não podem forçar em excesso. A própria guerra da Ucrânia (que fora da maquinaria publicitaria de ambos contendentes) está a tornar-se uma dor de cabeça para o presidente Joe Biden. Se Rússia aguentar ate verão de 2024 (algo que aparenta muito factível) e, em essa altura forçar a maquina avançando sobre novos territórios (Óblast) da Ucrânia, a reeleição de Biden, vai ser muito posta em causa (mesmo se ex-presidente Donald Trump for inabilitado)…
Quem poderia pensar, a penas uns anos, que o presidente russo Vladimir Putin esteja a colocar-se no tabuleiro, não somente como jogador passivo em claras manobras defensivas, se não, ao invés, estar mesmo a controlar os tempos em grande parte do tabuleiro global, sendo ativo, evasivo e supressivo (a pesar das contradições internas).
Assim que temos neste novo cenário geopolítico onde potencias supostamente democráticas, que aspiram a um domínio global autárquico (de um só poder) confrontam potencias supostamente autocráticas, que aspiraram a um mundo “mais democrático” onde mais poderes regionais e globais tenham voz, na organização do mundo. Situação que não deixa de ser paradoxal.
Mudarão as regras do jogo? Novas Instituições Internacionais Multipolares, forçaram um novo cenário? O poder militar russo e o poder comercial chinês, em aliança com o poder teocrático iraniano poderão forçar uma mudança estrutural no curso da história, auxiliados por outros poderes menores, que desejam uma mais visível presença?
As contradições no seio dos BRICS (como os interesses contra-postos chino – indianos) acabarão por aflorar, ou pela contra, serão amortecidos por aquela propaganda chinesa do “ganhar-ganhar” convertida em parcerias comerciais de mútuo benefício, na prática.
Poderão países como Brasil (faz uns dias ameaçado pelo economista Günther Fehlinger – que se fez passar por um representante da OTAN, de divisão do país) juntar-e a esse novo carro em andamento. Brasil que tem com grandes problemas internos e falta dum “soberano poder militar e económico”, poderá conciliar seus passos em favor dum mundo multipolar, com sua necessária colaboração com o Ocidente?
Podem os Sauditas, com o tempo, converter-se num poder neutral, pacificador, tal como puseram em cena no passado 2 de agosto, na Conferência de Paz sobre Ucrânia celebrada na cidade de Gidá?
Será factível o acomodo, dos britânicos e norte-americanos, a uma nova realidade, que poderia unir, em um futuro não demasiado longínquo, sectores comerciais estratégicos da Europa, África e Ásia? Sabendo que esta unidade pode criar uma dinâmica de fusão de certos poderes na famosa “Ilha mundo” da teoria da Heartland de Harold John Mackinder (que sempre foi olhada como ameaça existencial para Império anglo-saxão)?
E, em caso contrário, poderá ainda Ocidente dividir e quebrar o BRICS que já soma um 37% do PIB mundial e aglutina o 46% da sua população, apresentando-se já estatisticamente como mais importante que o próprio G7? O pela contra estamos obrigados a assistir a um início de mundo em tumulto, que poderia derivar em uma Guerra Global, por excesso de fricção nas periferias do sistema?
Os desafios são grandes, mas aparentemente os países que foram colónias da Europa e depois ficaram ou bem neo-colonizados ou dependentes do poder global ocidental (como territórios de extração de recursos ou provedores de manterias primas), começam a exigir um reparto mais equitativo do mundo.
E como todos bem sabemos, as independências não se imploram se conquistam. Será que esse processo de independência, terá também a ver com a mudança do poder mercantil em face de um novo poder cívico, como Trosky prediz no seu dia? E sendo assim, esse novo poder cívico terá como referente um modelo socialista?
“A revolução é um experimento em um novo regime social, um experimento que passará por muitas mudanças e provavelmente será refeito a partir de seus próprios fundamentos. Ele assumirá um caráter totalmente diferente com base nas mais recentes conquistas técnicas. Mas depois de algumas décadas e séculos, a nova ordem social olhará para trás, para a Revolução de Outubro, como a ordem burguesa olha para a Reforma Alemã ou a Revolução Francesa. Isso é tão claro, tão incontestavelmente claro, que até mesmo os professores de história o entenderão, embora somente depois de muitos anos” (Leão Trosky, “autobiografia”)
Mesmo sendo assim, socialista, os seu valores serão conservadores – soberanistas e não progressistas – globalistas como sonhou Trosky, quanto menos em início; pois a onda de progresso deve ser orienta (para evitar tornar-se muito acelerada, destrutiva) – tal vez no oriente, onde todo se orienta? – Orientada, formada pelo útero – taça da conservação. A semente tem de germinar e re-programar seu fruto, antes de voltar a expandir-se.
Somente aguardamos que as conquistas, destas aneladas independências, não levem a um confronto em vários locais, com perigo de guerra generalizada.