O equilíbrio na dualidade

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Criador de valores o homem é o ser delirante por excelência, vitima da crença de que algo existe, enquanto que lhe basta reter sua respiração; tudo se detém; suspender suas emoções; nada vibra mais; suprimir seus caprichos: tudo se torna opaco. A realidade uma criação de nossos excessos, de nossos exageros e de nossos desregramentos” (“Breviário de Descomposição” Emil Cioran)

O ser humano vive em confronto permanente, em guerra contra aquilo que considera contrário – inimigo. Identificando-se com um lado da balança (amor ou rigor) – direita ou esquerda – progresso ou conservação… E, confrontando aquele outro lado, que ele considera põe em causa sua identidade – auto-identificada com um ideal (em realidade ilusório)

A identificação se realiza com uma comunidade, com uma ideia da mesma e do mundo, com uma determinada crença religiosa, política, social e cultural (entre outras) e, dentro deste anel – com uma ideia arquétipa de si mesmo (as vezes mesmo tirada de algum filme ou visionada naquele pai, irmão, irmã, mãe, amigos…Um um certo compêndio de vários protótipos).

Tirando, assim, do imaginário coletivo sua versão individual (na maior das vezes criada, no seio familiar, escolar, académico… dentro dum determinado local, numa determinada região; com uma determinadas características sociais, culturais e geopolíticas)…

Em essas estreitas diretrizes, ele convive e relaciona consigo e com mundo. Também com seu lado luz e sombra, seu lado masculino e feminino, sua necessidade de realização – progresso e seu instinto de conservação – acolhimento. O masculino lança a semente – progressão, o feminino recolhe no útero que conserva – geração, cuidado, guarda. O ser recebe as achegas de ambos.

Será preciso, no entanto, para ele ou ela, ter uma certa harmonia, saber ou entender como equilibrar essa vontade realização – conquista de seu ideal – impulso de expansão de seu mundo interior – de dar-se ao mundo (aspetos característicos daquele masculino); com aquele outro seu instinto de proteção (necessidade de no avanço ser prudente para evitar excesso de sofrimento ou extinção – morte). Essa proteção – conservação, é parte do aspeto feminino de concretizar – concentrar – receber do mundo e guardar, para dentro de nós o conseguido metaboliar-se.

Se for capaz de entender com amor e rigor, poderá mesmo chegar a compreender o dar – precisar de receber – e, o receber ser metabolizado, para de novo entregar-se, mais vitalizado e rico a si mesmo e aos outros.

Ajudando, finalmente, a manifestar seu destino particular e, a sua vez, trabalhando em favor dum maior e melhor destino comum para a humanidade. Pois esse trabalho individual, cresce com as achegas do trabalho coletivo; ao tempo, que esse coletivo laborar medra com as achegas do trabalho individual – holísticamente interagindo, em cada ciclo, natural e histórico.

Desenvolvimento em harmonia

É preciso, então, desenvolver o feminino da concentração – conservação, com o masculino do progresso – expansão; para manter essa harmonia dentro dos diversos ciclos (de crescimento individual e coletivo. De encolhimento, receção para consolidar, no individual e no coletivo).

Com esta base bem cimentada, os trabalhos de transformação no interior e exterior (no ser e na sociedade) resultam mais frutíferos.

Precisamos manter harmonizado o progresso da contínua mudança – força centrípeta; com a conservação necessária – força centrífuga; mutuamente, homeostaticamente complementando-se. Deste modo esse progresso (na etapa de avanço – projeção) possa ter uma base firme (raiz) sobre a que expandir-se. A sua vez, essa essência da conservação (a etapa de recolhimento – contração) possa ter uma onda adequada de progresso, para cristalizar – concentrar-se no útero existencial, para dentro dele germinar, com a necessária paciência.

Assim observamos na natureza, como o atrito e complemento da dualidade, tem como função potenciar essa capacidade dos organismos particulares e do organismo global, de auto-regulação ou homeostase. Permitindo manter constantes suas funções vitais. Deste modo o princípio positivo expansivo do progresso e, o princípio negativo contrativo da conservação, competem para pelo atrito frutificar – aperfeiçoar-se e, ao tempo, se complementar, para pelo assentamento sintetizar e, renovar dentro da mesma raiz – essência.

Ate que finalmente essa neutralidade, por cima do atrito e da complementaridade da dualidade, possa harmonizar – sincronizar fluentemente, as aparentes irreconciliáveis fações em concorrência. Ajudando a vencer reticencias – assim como a cristalizar, na paz – todas as velhas e obscuras, guerreiras inercias.

O amor universal – interagindo – com o amor particular

As virtudes de todos os lados, em antiga oposição, na síntese que unificou tese e anti-tese, tendem a encontrar-se para colaborar no novo caminho – sino – destino. A vida secular – racional, junto ao caminho espiritual – intuicional; unificam aquele coração “sagrado” celestial, com o interno coração humano transcendental – mente e emoções superiores altruístas.

Determinando em esta união o desejo humano de avançar na “sagrada” comunhão (do comum na união) da fraternidade universal, que sonhamos possa unificar: comunidade humana (sociedade) – comunidade natural (rede da vida) – comunidade universal (conjunção no mais amplo). Através de observar a Lei natural – ser capazes de na sociedade reproduzir a Lei universal – que intuímos estar mais alinhada com a Lei Cósmica.

Esse coração celestial e, este nosso humano coração espiritual, somente se poderiam unificar (dissolvendo – diluindo um no outro) quando o umbral do medo (que gera mútua desconfiança) for pela vontade do puro amor ultrapassado. Mas esse medo não pode pelo amor total ser extinguido, se antes não formos capazes de encarar com certa naturalidade a morte (nossas sociedades vivem de costas e com pavor à morte). Pois o medo a morte é a raiz de todos os medos, que são projeções, deste inicial temor – da não sobrevivência.

Sendo que necessário, vai ser, para ultrapassar este medo a não sobrevivência, deixar-nos de identificar com o nosso corpo. Verbalizando interiormente “eu” – associado a um corpo, que reproduzimos como necessidade física, mental e emocional – vivendo no círculo restrito de seres psicológicos racionais – cuja principal atividade é garantir, primeiro a sobrevivência física e depois, materializar as satisfações psicológicas, que agradam ao corpo – fugindo, ou tentando fugir, da dor- numa continua guerra dual de: apego ao prazer – rejeite da dor – adversão – e – gosto.

Esse “eu” psicológico identificado a um corpo, não deixa, nos impede conectar com aquele outro eu – intuitivo, superior – que permanece observando, numa neutralidade interior – sim ligar-se a nossa alteração permanente, que cobiça realizar certos prazeres na matéria.

Tentar sair desse circuito programado, tentar superar esse desejo de consumo, com intenção de obter prazer sensorial, sensual, físico… Elevar-se, no caminho do meio – da senda óctupla da Budha – no amar-se os uns aos outros do Cristo – na conexão com nossa divindade interior (aquele realizar-se em Bramha do hinduísmo) – transformar-nos por meio do nobre combate – luta interior, da luz que vence as sombras (jihad verdadeira do islamismo)… Requer, como falava Frai Luís de León, seguir a “estreita” senda por onde têm ido, os poucos sábios que do mundo têm sido…

Como falam os Mestres da Cabala, estamos no mundo das correções (internas – do ser, externas – da sociedade); e muitos véus negativos, encobrem a verdade. Ir desvendando estes véus, com árduo, sofrido, sacrificado trabalho – nos vai aproximando um degrau mais – dessa sonhada fraternidade – somente realizável, quando a Consciência humana – tenha virado do ter – ao ser – Da adoração a matéria – para a conexão espiritual com nosso Eu Superior – a natureza e cosmos…

Para finalmente esse amor universal, em comunhão com amor particular – permitam evitar o rigor da guerra organizar, para nossa desgraça – as vitais mudanças. Os tempos são chegados – mas todavia, teremos de aprender pela experiência – de viver dentro da destruição – a necessidade de livrar-nos do nosso lado instintivo em favor do nosso lado intuitivo – amoroso. Amor rigoroso vencendo ao rigor medroso.

Oh, Rei dos Deuses, eu conheci a terrível dissolução do universo. Eu vi todos os seres perecerem repetidas vezes, no final de cada ciclo, o terrível momento em que cada átomo se dissolve nas águas puras e primordiais da eternidade de onde originalmente vieram. Assim, tudo retorna ao insondável infinito” (Heinrich Zimmer- “Mitos e símbolos da índia)