Guerra da Ucrânia: fim da hegemonia unilateral?

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Quando o tempo seja somente rapidez, instantaneidade e simultaneidade; enquanto que o temporal, entendido como acontecer histórico, tenha desaparecido da existência de todos os povos, então, justamente então, voltarão a atravessar todo este aquelarre, como fantasmas, as perguntas: Para que? Até onde? E depois que?” (Martin Heidegger)

O SENTIR RUSSO

No século XII, o abade cisterciense e filósofo místico Joaquim de Fiore, nado na Calábria (hoje Itáilia), elaborou sua doutrina milenarista do avento da Era do Espírito Santo (no nosso livro Mudar o Mundo, temos incursionado mais profundamente em este significado). Esta mudança do mundo, em favor duma nova sociedade, renascida em valores mais profundos, tem desenvolvido varias perceções em distintas culturas, sociedades e mesmo religiões. No cristianismo esteve muito ligada a ideia apocalíptica, que não somente bebe do último livro da Bíblia, ou a Apocalipse de São João. A miúdo interpretada na sua visão externa como a luta do bem contra o mal, e a segunda chegada de Cristo, após derrota dum Anti-Cristo, com o terrível Armagedão. No entanto, como bem explica Zachary Lansdowne, no seu livro “Apocalipse de São João: O caminho para a iniciação da alma”, este pode texto, também, pode ser interpretado desde o ponto de vista “místico interior”, como um processo de renascimento do próprio indivíduo desde as suas trevas à luz, o encontro com Cristo no nosso interior. Comparando esta interpretação com filosofias como o Budismo, o Judaísmo, ou a filosofia neoplatónica. Lembrar que o Apocalipse de São João, tem também uma similitude muito forte, com o “Rolo da Guerra” dos Essénios. Mesmo na tradição Egípcia, o voo de Horus, ou na celta a Luta de Lugh, contra seu avó “Senhor das Trevas” têm um mesmo significado: no plano externo luta contra o mal na terra, no plano interno transformação do nosso mal – sombra em luz – bem. Daí desde a anti Lei, queda no vício – corrupção (Adharma, para os indianos) à Lei – volta a caminho Transcendente, Dharma para os indianos.

Para Fiore, também existia essa transformação interna – individual, que ia ajudar a transformação coletiva, e a luta também externa entre o bem, a decência, honradez, ética, contra o mal vício – corrupção, primazia dos instintos sobre a razão. E vitória final do seres honestos e espirituais, em contra àqueles que cultivavam a adoração generalizada ao materialismo e vida em procura da fama, prazeres mundanos, e poder, a qualquer preço (mesmo perda da sua alma). Chegando como apoteose final, a Era do Espírito Santo. Aquele descer do fogo do Pentecostes, agora não somente sobre os Apóstolos e discípulos de Cristo, senão acima de toda à humanidade, divinizada e, limpa do pecado original, com volta ao seio do Pai Divino (regresso dos filhos pródigos). Inaugurando-se na terra, a era Dourada do Amor Fraterno – ou a Satya Yuga, da mitologia indiana, Idade de Ouro ou da Verdade; realização do Reino de Deus na Terra

Estas ideias, que tiveram nos primeiros franciscanos, seus maiores adeptos (àqueles encarregues de estender esta doutrina por todo o continente europeu); foi, século a século perdendo força em toda a Europa Ocidental. Mas na Rússia (sempre por nós olhada como atrasada e muito rural) encontrou seu último reduto, lugar de acolhimento, resguardo, dividindo-se e ramificando-se em distintas seitas cristãs, que dentro da Ortodoxia oficial, se foram expandido por todo o país, influenciado mesmo ate os grandes intelectuais dos séculos XIX e XX; que vão, poderíamos dizer, desde o polémico Rasputin ate o honorável Leão Tolstoi… Mesmo influenciando àquela temível revolução russa; que foi vista, em início, antes da queda na violência e totalitarismo, por muitas destas seitas, como o anuncio, da chegada do Reino de Deus ao mundo dos homens: Reino de Seres Humanos em Igualdade e Fraternidade. Foi, um experimento falido, trágico e muito duro (com implicações internacionais, que não são motivo deste artigo); que não entanto não desanimou o alma russa, daquele velho ideal da vinda dos tempos do Espírito Santo, e a sociedade humana fraterna.

A TEÓRIA DA III ROMA

Filoféi de Pskov, líder do Mosteiro de Yelizárov, nos finais século XV, inícios do XVI, cria a ideia, de existir uma relíquia de grande significação, que teria no seu momento sido retirada de Roma para Constantinopla, e antes da queda desta cidade nas mãos dos guerreiros turco – otomanos; finalmente trasladada a Moscovo.

Esta episódio singular espalharia, pela Rússia, a ideia duma Supremacia da Igreja Ortodoxa, sobre a Católica – vaticana. Mas também, o próprio Pskov, seria o autor duma carta dirigida, em 1511, ao Grane Príncipe Vasily ou Basílio III, com a seguinte profecia: “Duas Romas cairam, uma terceira permanece; e não havera uma quarta”. Este parecer profético, assenta nas elites e sociedade russa, da época, na ideia de Moscovo serem a herdeira do Império Romano (a 2ª Bizâncio), destinada a reinar no Ocidente; no último período desta civilização; sendo o final da mesma civilização ocidental greco-romana (que se iniciaria com a Conquista de Alexandre o Grande do Império Persa), o início do ciclo do futuro Império Russo que dominaria Euroásia (misturando seu legado romano, com o tártaro e doutros povos) e Ásia (guardando também legado helénico) fussionar-se-ia na imensa massa Russa, e dizer, esse império Euro-asiático do por vir, assim se ia formando.

Rússia prevaleceria para manter intactas as raízes do verdadeiro cristianismo! Para aquela igreja Ortodoxa, do século XVI, a igreja Ocidental tinha virado já para o materialismo. Sendo que, ainda nos dias de hoje a Páscoa, e em concreto o Domingo de Ressurreição é o ato religioso mais importante, do mundo ortodoxo, muito por cima do nascimento do redentor ou Natal.

Mas com o tempo este legado, foi perdendo força, certas elites afastando-se dele e concentrando-se na construção imperial de Pedro I, o Grande e Catarina, também a Grande. Com Pedro I e Catarina, a maçonaria penetra com força na Rússia. As ideias sociais progressistas associadas a esta organização, preparam o terreno para o acordar artístico, cientifico e cultural da alma Russa, durante os séculos XVIII e XIX, onde as grandes instituições, que ainda hoje tem fama no país e no mundo, foram assentadas, maioritariamente em São Petesburgo.

No entanto, é de destacar, que na época do Poder Tártaro, e os canatos mongois (dos quais o ducado da Rus-Kiev, germe do nascimento do povo russo, bielorrusso e ucraniano, era vassalo) o velho xamanismo russo, junto as doutrinas espirituais herméticas, cabalistas e orientalistas; foram chegando até as elites russas: seus livros procurados e seus mestres chamados a partilhar o seu conhecimento. Este saber de alguma forma sincronizou com a Ortodoxia oficial; ao igual que no cristianismo católico ocidental, também houve um sincretismo do esotérico, que vai desde o legado de egípcio à Mesopotâmia, passando pelo hebreu – cabalista da Idade Media (lembrar que Afonso X, tinha na sua corte como conselheiros grandes Mestres da Cabala), mesmo o saber religioso celta e nórdico, participou desta assimilação. O Czar Alexandre I, líder da Santa Aliança, passou seus últimos dias em contemplação mística abandonando a vida mundana, e indo a procura da reta senda, por onde têm ido, os grande sábios que do mundo tem sido, como dizia Frai Luis de Leão.

A GERAÇÃO DA PRATA

A inícios do século XX, o filósofo alemão Rudolf Steiner, chegou a conclusão do mundo ocidental viver uma decadência irreversível, da que já não poderia levantar-se (sendo que seu caminho, como o tempo, terminar-ia em entropia). Steiner, no entanto, acreditava a alma russa, conter no seu seio, o princípio da regeneração que podia salvar à humanidade. Suas ideias influenciaram fortemente na intelectualidade russa do momento, inaugurar-se o que se deu a conhecer como a “Geração de Prata”. Steiner via na Rússia a vanguarda duma Nova Humanidade. O papel Messiânico da Rússia voltava a ressuscitar. O filósofo Vladimir Sergeyevich Soloviov (amigo de Dostoiévski), com seu livro “A Sublimação do Bem”, junto a Nikolai Berdiaev, com seu livro “O filósofo da Liberdade”, seriam dous dos mais influentes intelectuais, a resgatar em este período, de finais do século XIX e princípios do século XX.

E provavelmente tenham convergido com Steiner, nas mentes desta nova intelectualidade russa, na ideia da Rússia ser o refúgio espiritual dum Ocidente caído no materialismo. Ivan Alexandrovich Ilyin, levou este acervo cultural ao campo da política, acreditando numa missão espiritual histórica da Rússia. Ilyn inimigo da Revolução bolchevique, reconhecia no entanto que esta surgira pelo abuso contínuo da nobreza ao povo. No entanto ele augurava uma curta duração a tirania soviética. No seu pensamento, as classes sociais eram inevitáveis (pelo distinto desenvolvimento do seres humanos, suas origens, características…); e pensava as classes instruídas tinham o dever de orientar espiritualmente as classes inferiores não instruídas. Mas sua ideia mais criticada e rejeitada, foi elaborada no exílio, na teoria do fascismo cristão serem o único capaz de libertar a Europa da ameaça comunista; chegando a ver a Hitler como um defensor da civilização ocidental contra a “barbárie soviética”; mesmo dalguma maneira justificando o anti-semitismo nazista, como herdeiro do supremacismo branco russo, na ancorada “falsa verdade” dos brancos ter de dirigir o mundo, que deu, durante todo o século XVIII e XIX, mãos livres e uma desculpa terrível ao colonialismo Europeu, por todo o mundo. Essa perspetiva resultando em barbáries, já muito estudas pela historia. No entanto, Ilyn ajudou, nos goste ou não, também a formular de novo o ideal messiânico do destino Sagrado da Grande Pátria Russa.

NA ATUALIDADE

Num discurso elaborado pelo presidente Vladimir Putin, para uma reunião com os governadores regionais da Federação Russa, finalmente, ele, aconselhou a seus governadores estudarem os autores que influenciaram a “Geração de Prata”, entre eles Soloviov e Berdiaev. Um dos seus conselheiros Alexander Dugun, junto a Sergei Kurginian, elaboraram teorias no sentido da realização dum poder Euro-asiático, liderado pela Rússia. Dugin, com sua ideia da aliança pardo – vermelha, no sentido, de tecer uma teoria, que daria continuidade ao Poder Russo, desde o Czarismo passando pelo bolchevismo ate os nossos dias. Daí, que na Rússia atual, a celebração do 9 de Maio, dia da vitoria na chamada “Grande Guerra Pátria” e a exibição de símbolos soviéticos, não tenha nenhum anacronismo: está perfeitamente integrada na narrativa oficial. O mesmo Vladimir Putin, que afirma ser grande admirador de Pedro I o Grande, não menciona diretamente Stalin, mas faz sempre referência aos anos dele no Poder, como os “Grandes anos do avanço Russo, a nível tanto industrial, como cultural, cientifico tecnológico e militar”… Dugin que começou seu projeto político ainda achando o bolchevismo estar latejante na alma russa como forma de salvar a Sagrada Mãe, do Saqueio que segundo ele, os Financeiros Globalistas Ocidentais realizaram na Rússia, a partir da queda da União Soviética, começou por movimentos soviéticos nacionais, para avançar a recuperação do messianismo euroasianista e elaborar a chamada “IV teoria política”.
Finalmente ele tratou de influenciar o partido Rússia Unida, do presidente Putin, chegando a ser conselheiro e amigo de destacadas personalidades do mesmo como Gennadly Sleznyov ou Sergei Nryshkin. Pos sovietes como o grande economista Serguei Glazyev, ou mesmo atual Comandante das Forças Armadas Russas, Valeri Gerassimov (autor da Doutrina Gerassimov, elaborada nos anos 70, e que segundo muitos analistas militares ocidentais, tem sido um dos melhores estudos sobre a arte militar dos últimos tempos), tem-se aproximado também do ideal duma Rússia Imperial renovadora, contra um Ocidente em decadência.

Com a invasão e guerra na Ucrânia estes sectores tem experimentado mais poder interno, em contra dos sectores neo-liberais, associados aos oligarcas, que como o próprio Anatoli Chubais, abandonou o pais, deixando suas funções ministeriais, com o argumento, que agora ele não ter já valia, dentro das decisões do Conselho de Estado. A mesma Elvira Nabiullina, uma neo-liberal confessa, teve de por em andamento, contra seu gosto, políticas elaborados por Glazyev; que no entanto reforçaram o rublo, apos uma grande queda no inicio das sanções (chegou a cotizar a 150 rublos 1 dólar); agora em recuperação (de novo o rublo cotiza a 80 – 1 dólar, como antes das sanções).

Para os pós soviéticos e conservadores do ala Dugin, unidos agora, na missão de regressar a Sagrada Mãe Rússia ao esplendor que lhe corresponde, os oligarcas neo-liberias e pelo tanto aliados dos Banqueiros Internacionais Globalistas, são simplesmente uns traidores à pátria. Glazyev tem chamado em seus textos muito a atenção, das perdas infringidas pelas sanções ocidentais, desde a anexão de Crimeia, tem derivado em um 10% diretamente relacionado as ditas sanções, e um 90% por causa das políticas do Banco Central, que ao invés e cumprir seu papel Constitucional de defender a moeda nacional, permite o saqueio dos especuladores internacionais, e o empobrecimento do povo russo.

Daí, parte do desenho da novo política do pagamento do gás russo em rublos, para os países considerados não amigáveis (é dizer Europa – EUA – NATO e aliados) junto ao movimento, devagar , de atrelar o rublo ao ouro, voltando a uma economia mais baseada no comércio físico, e menos no Sector Financeiro especulativo; junto a desdolarização, nas trocas comerciais com os sócios mais achegados, como a Índia, Irão ou China; levam o selo dos conselhos de Glaziev. Assim mesmo é o próprio Glazyev, que está a impulsar a fusão do Sistema alternativo chinês e russo, concorrente do SWIFT, dominado pelo dólar. Lembremos, que após a retirada da Rússia do sistema SWIFT, o sistema chinês tem incrementado uma subida em transações de mais do 105%….

A PROCURA DUM MUNDO MULTIPOLAR

Depois da apreensão de mais de 600 mil milhões de reservar de Bancos Privados Russos, e capitais de oligarcas russos, no Ocidente (não assim do Banco Central Russo, que mantém suas reservas intactas em Moscovo). Retenção realizada nomeadamente na Inglaterra; muitos países do Sul Global olham com receio estas medidas, eles poderem sofrer o mesmo destino, se entrar em confronto com as políticas do Ocidente. Os BRICS, e as trocas em moedas nacionais, assim como a volta a uma política monetária centrada na economia real, e não somente nos ativos financeiros; começa ser atrativo para o sul global.

Assim países como México (em guerra aberta com Espanha, a União Europeia e os Estados Unidos) estão a desenvolver, aproveitando a Guerra Aberta económica entre Rússia – China, contra Ocidente, com guerra física dentro da Ucrânia, trás a invasão de 24 fevereiro; uma política de autossuficiência, que se baseia na autossuficiência energética (daí México ter reorganizado e levantando da PEMEX, criando refinarias no próprio país que evite enviar seu petróleo a refinar fora, voltando mais caro, em forma de gasolina; junto ao gás natural e sua conexão com Centro América; e agora as elétricas – que provoca a guerra com Espanha, nomeadamente na tentativa de aprovação da nova Lei de Energia mexicana, que pode desfavorecer empresas como Iberdrola); junto a uma autossuficiência alimentar e monetária. Muitos países, tentam evitar que Bancos Centrais em mãos de Banqueiros Internacionais, como o Banco Central Europeu ou FED norte-americana, tenham o controle das suas moedas, e através das dívidas soberanas inerentes a este mecanismo, controlar a expansão e contração dos fluxos monetários, que possam na pratica dominar e impor as políticas económicas reais as nações baixo sua influência (que na pratica deixam de ser soberanas).

Mesmo sectores patriotas dos países controlados pelo poder globalista financeiro internacional, estão a confrontar com este poder cheio de recursos económicos. Em EUA, a popularidade de Biden, esta pelo chão, na França se bem o representante da esquerda Melenchon, que advoga pela saída do seu pais da NATO, mais muito duvidoso no tema da saída o Euro, somente tem uma intenção de voto do 16%; Le Pen, representante da direita, está em igualdade na sondagens com Macron. Le Pen aboga também por uma via europeia de autossuficiência para França, mesmo se for preciso sem contar com a Europa, algo ao estilo de Orban na Hungria (amigo de Putin, que nem sequer sancionou a Rússia).

A cada dia na França aumenta o descontentamento com a políticas financeiras globalistas, e muita gente estranha e volta falar do Estado Forte (como com De Gaulle), e controlo dos mercados, que impeça bolhas especulativas, que ao estourar, criam crises de dimensões gigantescas, que sempre pagam as classes mais desfavorecidas. Mesmo o ministro de economia da Alemanha, teve de reconhecer no parlamento que a desconexão do gás russo, é impossível a curto prazo. Mesmo também que trazer gás norte-americano, australiano ou do Qatar, implica uma criação de infraestruturas, de elevado custo; e mesmo assim todos estes países juntos não tem gás suficiente para substituir plenamente o sobrante gás russo (1º produtor do mundo, com reservas quantiosas). O corte do petróleo russo dos EUA, mesmo representando pouco menos de um 10% do total, teve de obrigar ao governo norte-americano a vergonhenta imagem de ter de falar com um presidente da Venezuela, que não reconhecem como legítimo (Nicolas Maduro. Que pus como condição imperativa, esse reconhecimento para vender petróleo) ou o regime Iraniano, que faz apenas uns meses atrás, estava a ser animado por Israel a entrar em guerra com o mesmo.

O mesmo Brasil de Bolsonaro, aliado já não tão fiável dos EUA, está em um coro de vozes dissonantes, desde militares na reserva que falam abertamente do Ocidente querer retirar a Amazónia da soberania brasileira (lembremos o agradecimento publico do Presidente Bolsonaro ao Presidente Putin, pela sua defesa da Amazónia como território indissociável do Brasil); assim como dum ministro de economia neo-liberal, que quer privatizar sectores energéticos vitais para o país; com intelectuais, economistas, tanto de esquerda como de direita, que advogam por um Estado Forte, com controlo das suas riquezas energéticas, minerais e ambientais. Mesmo se fala abertamente do Brasil abandonar a moratória nuclear, e da necessidade de uma bomba atómica, para defesa de seus interesses nacionais. Assim como da procura dum Assento Permante no Conselho de Segurança da ONU, que possa vetar qualquer pronunciamento em contra desses interesses (ideia para que puderam tal vez contar com o apoio da Rússia ou da China). Tudo isto no meio duma campanha eleitoral muito polarizada. Onde vemos também chamamento de muitas pessoalidades de esquerda e direita, para evitarem um confronto político e uma dinâmica de divisão nacional, que segundo eles, somente beneficia a atores estrangeiros, que querem apossar-se das riquezas do Brasil, enfraquecendo-o interiormente.

Todos estes confrontos internos, e externos, no mundo estão a ser realizados no meio a duas terríveis guerras, uma mais mediática a de Ucrânia, e outra, mas apagada no meios de comunicação a agressão da Arábia Saúdita no Yemem (que segundo ONU, já leva mais de 200 mil mortos). Em esta guerra os bombardeios indiscriminados a cidades Yemenitas, assim como a morte de crianças, dado a Arábia Saudita não permitir a entrada da Ajuda Humanitária; a possibilidade de fame é alta. No entanto o governo do Yemem acaba de assinar um acordo de compra do trigo Russo (esse que não pode ser vendido na Europa). Trigo que começa ter compradores em outras latitudes.

Tal vez por este silencio mediático, que lhe interessa aos sauditas, e para que esta guerra permaneça fora dos olhos do mundo, o mesmo reino dos Saud, acaba de assinar um contrato de venda de petróleo a China em Yuang, que aumenta a desdolarização no mundo. Sabendo que a manutenção do dólar como divisa de reserva global, e imprescindível, para manter o poder global do seu principal aliado no mundo. Pois os gigantescos défices orçamentais dos EUA, e mesmo da União Europeia, dependem, de que parte do mundo carregue com parte da sua financiação; algo que com o início do viragem do rublo sobre o ouro, se outros países seguirem seu exemplo, pode abrir-se uma brecha, entre dous mundos: um Ocidental, outro BRICS, e no meio países a jogar em ambos lados, segundo seus interesses.

E mesmo tal vez uma volta a economia real, e fim do modelo de domínio ocidental privado, baseado na dívida perpétua? E, tal vez, seja este um dos muitos nexos da guerra na Ucrânia, estabelecer um novo telão de aço, entre estes dous mundos antagónicos Ocidente do Poder Privado – o Oriente Euroasiático de maior controlo Estatal? E quiçá esse muro esteja, no leste da Ucrânia, talvez mais concretamente no Dombass? Ou mesmo a Rússia, poderia colher toda a parte sul de Mariupol, debastada cidade (segundo os meios ocidentais ao 90%), fechando o controlo total do mar de Azov?; lembremos que o mesmo Presidente Joe Biden, aconselhou ao Presidente Zelensky, que teria de decidir se a Ucrânia deveria ceder território a Rússia em trocas da paz, a parte do já aceite pelo governo de Kiev, de renunciar a criação dum arma nuclear (como o mesmo Zelensky anunciou ser sua intenção uma semana antes da invasão russa do país); assim como da não entrada na NATO…

DESCONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES OCIDENTAIS?

A retenção em Instituições Financeiras Anglo – Americanas, de reservas em ouro de países como Venezuela, Afeganistão (agora com perigo duma fome generalizada): o saqueio do ouro do Banco Central da Líbia, trás a queda de Gadhafi; o saqueio das reservas em ouro do Iraque, trás a queda de Saddam Hussein; agora se suma a retenção do ouro de Bancos Privados Russos, e congelamento de ativos de oligarcas da mesma nacionalidade (aqui existia uma possibilidade de que os oligarcas, pudessem pressionar Putin ou mesmo derrubá-lo, ao ver-se prejudicados; mas o contrário, como já explicamos perderam mais poder na Rússia em favor dos pós soviéticos e patriotas)… A isto, acrescentámos que há 3 anos quando China e Rússia, começaram o processo de desdolarização, e fizeram compras massivas de ouro em dólares; os EUA tentaram impedir que Moscovo e Ancara pudessem comprar ouro em Caracas.

França começou a repatriar seu ouro dos Estados Unidos. Alemanha, que tinha enviado seu ouro em tempos de Guerra Fria, aos países aliados ante o medo do exército vermelho; tomou a decisão de começar também a repatriar seu ouro. As 374 toneladas de ouro armazenadas em Paris, foram devoltas sem problemas a Berlim. Mas as 300 toneladas de ouro guardas de Nova Iorque na Reserva Federal, não puderam ser repatriadas; os Estados Unidos se negaram a devolver o ouro aos alemães. A maiores, quando Alemanha solicitou que quanto menos Representantes do Governo de Berlim, puderam visitar as câmaras couraçadas onde seu ouro estava acumulado, o governo de Washington também se negou a permitir esse acesso.

Agora com o corte do acesso da maior potencia nuclear do planeta (Rússia) ao sistema SWFIT; além da utilização das dívidas soberanas como armadilha, onde governos de todo o mundo foram agravados durante decénios (tendo depois que obedecer as políticas neoliberais do FMI, pouco favoráveis os interesses dos seus respetivos países, com a respetiva perda de soberania em muitos casos), o Sul Global está a perder a confiança nas Instituições Ocidentais. Antes não tinham muita alternativa, mas agora, com a China, na prática como 1ª Potencia económica mundial, o despertar de Índia, a escolha é muito maior; assim o demonstra a penetração dos dous gigantes asiáticos na África, e das rotas chinês chegando com força à América do Sul (mesmo com um observatório, vigiado pelo exercito chinês na Argentina, que para os EUA, tem evidentemente um caráter militar)… Por outro lado a negação da Europa há uns anos de realizar um grande acordo comercial com a China, que finalmente nunca chegou a ser assinado, pela promessa dos EUA, de melhorar esse acordo com outro de livre comércio norte-americano muito mais abrangente (que nunca chegou a cumprir-se, enquanto a China redirecionava essas inversões para Ásia, com grande alegria de muitos governos da zona), voltou a por em evidência no Sul Global, a capacidade real dos Norte Americanos, para gerar riqueza compartilhada, ao invés de implementar velhas políticas de empréstimos impagáveis, que punham finalmente, a disposição das Corporações Norte-americanas toda a riqueza de muitos países do Sul, enfraquecendo suas economias de forma alarmante, e aumentando a sua endémica corrupção privada e administrativa.

Não é que a China não pratique também sua armadilha em dívidas, mas tem realizado inversões em infraestrutura por todo o mundo, que nunca realizaram os EUA, na sua época de domínio total.

Os países que façam negócios com Beijing, devem ter também precaução com investimento chinês e seu poder de interferência em assuntos internos dos mesmos; mas o que não tem dúvida é que o desenvolvimento desses parceiros novos da China, tem-se tornado espetacular. Um exemplo, de como a influência China pode mudar também políticas internas, está na recente decisão das Ilhas Salomão (perto da Austrália) ter virado em favor da China, ao tempo que agora deixam de reconhecer Taiwan como nação soberana; enquanto acrescentam uma inimizade com a mesma Austrália, antes aliada. Pela contra no Paquistão, pró chinês, o parlamento esteve envolvido numa tentativa de poder derrubar a seu Primeiro Ministro, algo que seria do interesse ocidental, para cortar a rota da seda chinesa na Ásia. No entanto a viragem histórica do Paquistão em favor da China, e sua adequação a rota da seda, pode ainda ser preservada, dado o Primeiro Ministro Imran Khan, ter salvado a moção de censura, e o Presidente do país Arif Alvi, ter dissolvido o Parlamento e convocado eleições antecipadas (a luta ocidente – china, aqui vai ser também decisiva para o futuro da Ásia).

Pela contra Austrália, tem sofrido muito, mantendo sua lealdade ao Poder Anglo – Americano, na região, ao ter que paulatinamente ir retirando-se do comércio tão beneficioso com a China; que de momento não tem podido ser substituído pelas promessas do Ocidente. Lembrar que a China suspendeu acordo comercial com a Austrália, a 6 Maio de 2021, pouco tempo depois em Junho desse mesmo ano a Austrália, queixava-se diante da Organização Mundial do Comércio, das elevadas tarifas nas alfándegas que Beijing estava a cobrar aos vinhos australianos, mas isto somente era a ponta do Iceberg, dos grandes negócios bilaterais suspensos.

China esteve e segue a desenvolver com a Rússia um sistema de governo global multipolar alternativo ao sistema unilateral de poder Anglo-Americano ou Ocidental. E nesta guerra da Ucrânia, entre outras cousas, estas duas visões de mundo, estão em confronto. Mas este novo organograma alternativo BRICS, não houvesse sido possível sem a quebra do sistema financeiro global que dominava o mundo, a favor do Ocidente, em 2007-2008 tanto na City Londrina, como em Wall Street.

Com a aproximação do rublo ao patrão ouro, o crescimento da economia mexicana e fortalecimento da sua moeda, através de políticas soberanistas, em claro desafio ao sistema financeiro privado, e as suas Corporações Internacionais; assim como o ressurgimento das trocas comerciais entre moedas locais. Junto a vitória à abrumadora eleitoral de Vitor Orban, na Hungria, com um claro desafio a Bruxelas (continuar sua neutralidade com a Rússia, e não enviar armamento a Ucrânia); as tensões no mundo vão em aumento, tanto no interior como no exterior de cada país (entre àqueles que não querem que banqueiros internacionais controlem suas moedas e mais soberania nacional, e aqueles outros que tem interesse em um sistema financeiro privado global, agora um pouco mais enfraquecido).

Este domingo enquanto agricultores espanhóis se manifestavam em Madrid, contra a suba dos preços dos carburantes e energia (já a desculpa de tirar todas as culpas acima de Putin e sua guerra ilegal contra o povo ucraniano, perdem força como mecanismo para dar mais margens aos governos da Europa frente as suas populações, pela crise); como já falamos em Berlim 5000 carros se manifestavam pelas ruas, com bandeiras russas e alemãs. E, no país germano, para nenhum analista independente já não é possível ocultar a realidade, que em privado (nunca em público) grandes e pequenos empresários se queixam do seguimento das políticas da NATO, pelo seu governo, que pode trazer consigo um risco de perda de competitividade global e nacional das suas empresas, e mesmo quebras ou falências, devido ao aumento dos preços da energia. Algo, que faz que o rural francês der apoio na sua maioria a Lê Pen, e que a esquerda socialista tenha um candidato, que se como já vimos não passa do 16% de intenção de voto, já inscreveu no seu programa a saída da França da NATO, na procura duma maior independência nacional, e apostando claramente pelo mundo multipolar. Macron conta para contrarrestar todavia com o poder dos Meios de Comunicação franceses, subtilmente volcados na sua campanha.

Outro problema acrescentado na Alemanha é que enquanto a inflação sobe, o governo alemão vê-se na obrigação de aumentar o orçamento de defesa, para comprar armamento ao Complexo Militar Industrial norte-americano, que reflete no final na balança de pagamentos positivas das Grandes Corporações de armamento norte-americanas, para assegurar sua defesa, ante uma possível escalada do conflito na Europa, sempre longe do território norte-americano. Algo que muitos analistas acham uma armadilha, criada ante a negativa dos EUA de dar garantias a Rússia de não expandir a NATO a Ucrânia, junto com as declarações irresponsáveis do Presidente Zelensky uma semana antes da guerra de falar do desenvolvimento dum arma nuclear. O mal-estar aumenta em certos setores da Europa, e alem das felicitações do Presidente Putin a vitória de Orban, na Hungria; ele recebeu também as de Marie Lê Pen e Salvini, da Itália. Orban declarou publicamente, que o grande problema da Europa, é desfazer-se da rede que o magnata George Soros tem feito por toda a Europa, envolvendo desde ONGS, ate empresários e funcionários de Bruxelas, impedindo a Europa de ter uma política soberana, que defensa seu interesses. Que ira acontecer em breve? Vemos, pois, esta guerra ter muitas arestas. Com um combate encoberto também entre globalistas e anti-globalistas.

LUZ AO FINAL DO TÚNEL OU MAIS BURACOS NEGROS?

Vamos seguir vendo, estes movimentos no mundo, que aguardemos não terminar uma guerra maior aberta desde a Europa. Analistas Ocidentais, acham que se trunfar finalmente as teses de Dugin no Kremlim, está hipótese pior seria inevitável, pois para Dugum o messianismo russo, vem acompanhado da visão dum Ocidente e uma Euroásia incompatíveis, pelo caráter materialista do primeiro e pela alma espiritual do segundo, o que faz a disputa impossível de ultrapassar, com diálogo. Mas, graças a Deus, existem vozes, em todos os governos das grandes potencias mundiais desde EUA, Rússia, China e Índia, a fazer um novo chamamento, para uma criar um diálogo internacional, tipo um Novo Yalta 2, onde se divida de novo pacificamente o globo em áreas de influência, com diversos atores, dentro da cena internacional.

Muitos ate acreditam, em essa mesa, se o Brasil, solucionar seus problemas internos, e criar um governo forte, independentemente quem ganhar as eleições, e ter a oportunidade de realizarem uma Unidade Nacional, por cima das rivalidades políticos; Brasília teria uma cadeira. Procurando esse acomodo, entre ambas partes, o Brasil voltaria a dispor duma diplomacia eficaz, muito importante para o mundo (sabendo a diplomacia histórica do Brasil é da Paz). E o gigante Sul Americano entraria em essa mesa de negociações global ou Yalta 2, como um bom intermediário entre bandos opostos, com maior dinâmica de disputa. Sendo essa Yalta 2 a única alternativa capaz de evitar o desastre que se avizinha, e chegar a um acomodo, difícil mais pragmático.

Sendo que essa presença do Brasil, seria uma grande notícia para todo o mundo Ibero Americano, Africano de fala Lusófono e mesmo Oceânico – Timor Leste. Pois é o gigante amazónico o garante desta civilização ter presença no reparto do novo mundo por vir.

Do novo organograma por criar…. Pois o velho da unilateralidade do Poder Ocidental, parece já muito ruído, e quase impossível de consertar.

Assim que esta guerra está, alem de outras muitas causas encobertas, a confrontar o messianismo russo como o “destino manifesto dos norte-americanos” (aquela inicial teoria de expandir o território inicial das treze colónias primordiais dos EUA, para o oeste com o intuito de achegar a civilização a outras regiões; logo transformada em liderar o mundo global e levar a civilização ocidental a todos os becos da terra). E os messiânicos russos achando USA, viver na decadência e ter chegado seu momento, o que trazer-ia consigo a mudança, devagar, do centro geográfico ocidental, dos últimos 500 anos, iniciado pela Espanha e Portugal, finalizado com os Estados Unidos, até a Euroásia…

Para evitar esse estalido direto, entre estes dous conceitos do mundo, unilateral e multipolar, preciso será dar-lhe uma oportunidade a paz. Finalizada a guerra da Ucrânia, como ou sem novo Telão de Aço ou não, um Acomodo Internacional, será preciso – e um Yalta 2 não deveria ser descartado.

Para poder chegar a este acomodo, nunca deverias ter esquecido aquela magistral frase de Ortega y Gasset: “Existem tantas realidades como pontos de vista”; e ainda juntar-íamos a esta cita, aquela outra: “Somente é possível avançar quando se olha ao longe”… Assim, que vamos deixar de olhar ao nosso umbigo, e começar a ver alem daquela realidade, que se nos impõe como inevitável. Toda guerra é evitável; mas para isso o dialogo deve prevalecer, com a razão por cima dos instintos e da imposição. Seguir jogando a ver que tem mais força, e uma insanidade, em pleno século XXI.

Que a paz, seja a guia. E os poderes do bem, sem imponham aos da guerra e o mal.