Da divisão à união

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Por Artur Alonso

Acontece com as organizações sociais o mesmo que acontece, em geral, com todo a rede coletiva das sociedades às quais elas pertencem; quer dizer, vivem atadas aos modelos e paradigmas sobre os quais assenta a comunidade. Inclusive se mesmo essas organizações propugnam e lutam por facilitar um porvir alternativo, que contemple a mudança de visão, dentro do imaginário coletivo, em que está imersa esta sociedade.

Nos nossos dias desgraçadamente o modelo predominante, sobre o qual assenta toda a nossa sociedade a nível global é o que denominaremos de modelo de guerra. Este modelo está fortemente ancorado ao mito da “sobrevivência”, inserido dentro da sequência linear psicológica – que impregna e tinge todas as outras ciências – de acreditar que a necessidade primária e vital dos seres humanos é procurar os meios materiais necessários para fugir momentaneamente da morte. Na realidade o medo à morte é o motor sobre o qual alicerça toda esta estrita estrutura, e os diferentes medos dela nascidos não são mais do que projeções temerosas desse medo primordial – projetado diretamente sobre a nossa psique encolhida.

Esta perceção errónea faz-nos viver continuamente dentro dum estreito paradigma psicológico, criador da sequência “sobrevivência – luta de contrários – guerra”, que leva funcionando desde o princípio da humanidade até os nossos dias, e muito associado à visão selvagem, depois ratificada pela má interpretação dos estudos de Malthus e Darwin (entre outros), que nos induziram a concluir ser o planeta Terra uma imensa plataforma de guerra, ocasionada pelo confronto, para garantir a sobrevivência. Os períodos de escassez de recursos impulsionariam extremamente mais a fortaleza desta visão. Hoje em dia temos a tecnologia suficiente para viver na abundância, mas a falta de uma visão baseada no reparto equitativo dos recursos tem providenciado e alentado o velho paradigma maligno da guerra.

No alvorecer do novo século – graças precisamente aos estudos da física quântica, que estão mudando o velho paradigma racionalista, levantando dúvidas sobre a visão materialista que situava os corpos e individualidade como único objeto de estudo – fica aberta a possibilidade de mudar de paradigma para uma nova visão onde a “experiência” passa a ser o centro do nosso percurso vital; e portanto da nossa rica e variada vida. No novo paradigma que está agora nascendo, e que nós denominaremos da “experiência”, a sobrevivência é encarada como uma mais das experiências vivenciais, mas não só a única, nem sequer a mais fulcral, necessária ou evidente. Do velho paradigma linear de sobrevivência – luta entre contrários – guerra, deveríamos então caminhar até um novo paradigma baseado na sequência não linear, integrada e interligada, de elementos que surgem à vez, mutuamente enriquecendo-se e em contínua integração e interdependência: no modelo de experiência – reconciliação entre as diversas partes – e procura da harmonia na paz.

Baseados neste novo modelo as organizações sociais podem facilmente dirimir as suas diferenças, sem criar ambientes hostis próprios do velho paradigma da guerra e da imposição.

No velho paradigma a concessão, representatividade e autonomia de ação ao outro era visionado, sob a ótica errada da linearidade, como uma cessão de espaço e território. Agora sabemos que os espaços do imaginário e da criatividade são como universo infinito, e que uma associação que permite o livre espaço e a livre expressão, assim como a iniciativa de ação e a assunção da responsabilidade individual dentro da coletiva e vice-versa; é sem dúvida um modelo muito mais flexível e com mais probabilidade de sucesso que o velho modelo centralista dirigido por um pequeno grupo de poder, acostumado a impor – mesmo sob a aparência de transparência.

Neste velho esquema as decisões importantes cozem-se por trás da plateia – no novo esquema, ao invés, as grandes decisões são consultadas, assumido os medos individuais e os temores próprios de cada coletivo, grupo ou parte. Chegado a um resultado de síntese por consenso – onde não se acumulam sentimentos de frustração ou ressentimento por terem perdido alguma ilusória batalha.

No velho paradigma as discrepâncias tornam-se irreconciliáveis, no novo paradigma são enriquecedoras do debate e da experiência – fonte primordial da essência da vida. A reconciliação – com todo o que isso significa – toma o lugar da luta.

No velho paradigma o erro individual é enfrentado com temor a punição – manobrando para ocultá-lo se for possível ou tentando trespassar as responsabilidades a outra pessoa ou coletivo. No novo paradigma o erro individual é assumido responsavelmente pela pessoa, sem medo à punição; e arroupado pelo grupo, como parte de uma experiência a madurar individual e coletivamente. Experiência da qual sairemos reforçados e mais unidos. Desaparece portanto o temor à consequência. Pois a consequência também é encarada como parte da provação da vida e da experiência inabalável da evolução individual e coletiva (dentro da contínua mudança nos condicionantes).

Um bom dirigente sabe potenciar estas dinâmicas: não se mede um rei pelos povos que conquistou e pelas cabeças que ceifou, mas pelos povos que foi capaz de unir e pela infinidade de vida que permitiu criar e potenciar, gerando a imensa policromia da riqueza, que se multiplica no respeito pela diferença e pela diversidade.

Reconciliação

É o passo mais delicado e difícil, que requer primeiro da aceitação de que o confronto existe, permanece, prevalece e precisa de ser resolvido. Para o qual todos devemos assumir a nossa parte. Segundo passo é a sanção, que requer sarar inicialmente as feridas psicológicas que nós mesmos nos criamos. Esta parte precisa de exercer o trabalho do guerreiro interior, aquele que se confronta e assume os seus próprios medos – sabendo como diz o ditado chinês: que aquele que vence um contrário é forte, mas aquele que se vence a si mesmo torna-se invencível. A seguir temos de assumir uma posição de braços e corações abertos, atitude que facilita a chegada do outro e o abraço final. Sendo preciso previamente o diálogo sem contrapartidas, sincero e amável com o suposto adversário – livres da couraça do medo – ressentimento – que permita o achegamento das partes.

Ultrapassados estes embates o grupo tornar-se-á, a cada nova provação, mais unido e forte; preparado para entregar às futuras gerações um legado condigno de levar o seu nome.

Muitos mais seriam os fatores a tratar sobre esta influência do novo paradigma a implementar nas novas organizações sociais, mas então excederia as dimensões próprias de um artigo.

Sirva pois esta pequena reflexão para abrir um diálogo mais amplo e frutífero.