A unidade do reintegracionismo

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«Uma diferença da grossura dum cabelo e eis aí dividido o céu e a terra…»
(Anónimo)

Todos temos, nalgum momento, reparado nessa linha do horizonte; num dia muito tranquilo, olhando a pé de praia, ali onde o mar se funde com as nuvens baixas… Para alguns, essa linha significa o começo da divisão entre esse mar e as nuvens à sua frente; para outros, simplesmente é o símbolo da sua unidade: inicio da fusão.

Alguns olham e deixam-se embalar. Alguns ainda tentam averiguar qual é essa essência única, que une ou separa —à vontade própria— céu e oceano. Há quem chama essa origem do Incognoscível, outras pessoas preferem mencioná-lo como Deus; alguém nomeia-o de Vacuidade, outras, outros, preferem chamá-lo Campo Unificado. Ainda há quem precise dizer-lhe O Inexistente… Na mesma, sem saber, eles estão a referir-se à mesma natureza virginal: aquela força que tem a capacidade de unificar ou dividir, dentro si própria (dentro da mesma essência).

No entanto, o ser humano não gosta da Unicidade —isso é mesmo bom—. O problema é quando confundimos unicidade com unidade. Este ser dotado de grande inteligência acha que para quebrar essa unicidade —que ele confunde com unidade— tem de elevar a diferenciação ate um conceito divergente.

Essa divergência tem um lado positivo ao criar polaridade e sublinhar os diferentes aspetos de uma mesma questão. Mas também tem um lado negativo ao gerar um contínuo multiplicar de tendências, que constroem uma inércia perpétua de separação, dentro da unidade. E apesar das múltiplas cisões, impossível resulta despegar as diversas visões da primogénita raiz, donde todas surgiram.

O reintegracionismo, durante anos quis transitar dentro dessa polaridade; desse lógico percorrer, necessário para aprendizagem dentro da experiência humana. Reivindicando, no entanto, ambos os caminhos o mesmo berço: idêntica fonte. Porém, nas dinâmicas de guerra impostas nas nossas sociedades —talvez, como afirmava Mircea Eliade, desde a sublimação paleolítica da figura do “caçador”—, a concorrência pela supremacia torna-se uma lógica muito ligada ao principio da sobrevivência, portanto, ao medo. O medo a ficar marginalizado por quem detém o poder temporário. O medo à imposição pela força. O medo a desaparecer.

Por outro lado, a tendência natural humana à identificação e ao apego, complica ainda mais a capacidade de consenso. Ao identificarmos a nossa psique com nosso pensamento —o «penso, logo existo», de Descartes— ficamos emocionalmente atrelados às nossas construções mentais, que sempre são subjetivas. Desapegar-se dessa dinâmica também facilita um trânsito, a prol de um novo modo de olhar muito mais flexível, mais amplo, mais abrangente e mais em concordância com a continuada mudança —que se verifica por toda a rede natural da vida.

Dentro da velha compreensão de apego ao pensamento, ao se verificar uma mudança grupal sentimos um ataque à nossa integridade —se estivermos fora da posição maioritária—, criando uma certa tensão psicológica que vai em aumento — segundo a perceção da ameaça for sentida com maior intensidade.

Curiosamente, o verdadeiro motivo da mudança muitas vezes é proporcionar o material psicológico necessário para a aceitação da nova realidade. Fora da dinâmica de guerra, essa aceitação verifica-se com naturalidade e confiança, permitindo uma confluência das diversas visões e perceções… Ajudando à assimilação por parte de todo grupo, somando a diversas perceções ao todo; evitando cisões e confrontos. Ao retirarmos os condicionantes de medo, podemos observar com claridade o movimento contínuo —interior e exterior— que impele essa mudança.

A unidade, pois cimenta-se na confluência de diversos caminhos e diversas caminhadas, num clima de paz e compreensão mútua; mas aberto à necessidade de mudança.

O pequeno e muito ativo movimento de vanguarda que se tornou o reintegracionismo, tem pela frente importantes desafios de futuro que só serão possíveis realizar com coesão, flexibilidade, integração e unidade —dentro do respeito a diversidade—. Com confiança e sem medo.

No nível geoestratégico, muita pouca gente se tem apercebido da importância futura que o galego português, como língua, vai ter a nível global.

Utopicamente falando, vemos uma alternativa certa a construir no nível planetário. O Império Ocidental, em franca decadência não tem nada que oferecer à nova humanidade —além do grande avanço cientifico-tecnológico de que foi grande impulsor.— A Rússia e a China continuam atreladas também às velhas dinâmicas de guerra e concorrência hegemónica. Ocidente representa o velho esquema de domínio mercantilista dentro das dinâmicas de guerra. China e Rússia, o velho organograma de controlo estatal, receoso da autonomia individual e coletiva. Ambos só podem oferecer confronto e sofrimento; dominação mais subtil ou mais bruta, repressão do saber alternativo e da universalidade do pensamento —que é enfrentada como ameaça—. Uma nova humanidade precisa dum novo centro, nascido dum novo paradigma de paz, que só será possível modificando a visão de luta dentro da polaridade.

Uma nova visão de confraternização e unidade dos contrários, pela analogia, será precisa. Chegado o momento do ser humano ficar saciada da guerra, dor e sofrimento —sempre em contínuo aumento dentro desta tendência.

A humanidade terá que compreender que as correntes que atrelam ao oprimido também atam o opressor. O oprimido sofre imensamente lutando pela libertação momentânea —até se tornar opressor e sofrer o processo contrário; única opção dentro das dinâmicas de guerra, polarizadas—. O opressor desenvolve paranoia e tensão patogénica por medo a perder a sua posse; sofrendo imensamente numa experiência de aparência material abundante. Mas em ambas as dinâmicas se verifica escassez ou material ou de bem-estar psíquico.

Um novo paradigma precisa de um novo centro de irradiação, que não poderá ser nem o Império Ocidental, nem a Rússia ou a China. Acreditamos, pois que a deslocação hegemónica, no tempo, se verificará do Atlântico Norte ao Atlântico Sul… E não podemos esquecer que no hemisfério Sul a língua mais extensa é o galego-português. Galiza, pois, terá um certo papel de relevância nessa transação cultural devido à sua ligação com o mundo lusófono e à América do Sul. No tempo, as mudanças contínuas trarão a mudança linguística no território galego também. O reintegracionismo não pode evitar a perda alarmante de falantes, mas quando se detêm os planos, podem-se voltar a construir as cidades. Devemos também lembrar que o poder da unidade transcende ao da soma das suas partes.

A força do reintegracionismo está precisamente nessa unidade. Para mantê-la, precisamos mudar para um novo paradigma de paz e comunhão… Com aceitação e respeito à diversidade, que é riqueza; mas também com compreensão da fonte comum e da necessidade vital da constante mudança… Trabalhar esse caminho é nosso grande reto.