A Galiza na Europa do desleixo

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Dentro dos três tabuleiros de controle geoestratégico que tinha descrito Josef Nye, a Europa situa-se levitando como quem não quer arriscar para obter petisco. Como ignorante da sua pertença ao Império Ocidental, ela segue a jogar dentro do seu imaginário mar de possibilidades, como se essas possibilidades duma independência não dependessem.

O primeiro tabuleiro, o militar, está nitidamente controlado pelo Império Ocidental e mais precisamente pelos EEUU, única potência com capacidade de despregue e intervenção imediata em todo o orbe (a rede de mais de 800 bases militares assim o permitem). Esse controle permite conter a Rússia e a China perto das suas fronteiras – por enquanto.

O segundo tabuleiro, o económico, apesar da forte irrupção de Beijing – com capacidade de mover e remover alianças por todo o mundo – segue a ter um relativo controle da parte de Wall Street e Londres (esta última praça já não poderia manter o seu fôlego sem a aceitação do yuan chinês), isso apesar de, trás a quebra sistémica global de 2008, já precisar duma remodelação da sua velha arquitetura.

Não escapa a ninguém que uma futura praça forte de Frankfurt só poderá desenvolver-se com garantias ou bem tornando-se um sucedâneo de Londres, ou bem concorrendo com ela (para a qual seria de novo preciso uma maior independência do velho continente).

O terceiro tabuleiro, o das relações sociais, também é controlado pelo Império Ocidental, apesar do relativo descontrole que parece mostrar. Não escapa a ninguém que tanto as redes sociais, quanto as redes de organizações culturais ou não governamentais estão relativamente baixo o controle do Ocidente.  Mediante estas redes, Ocidente tem capacidade de criar cenários de revoltas favoráveis aos seus interesses globais, além do comando científico e tecnológico próprio também deste nível – com o California Valley a fazer às vezes de grande projetor da inovação global.

Essas inovações criam novos mercados mundiais para a penetração das transnacionais ocidentais. Se os descobrimentos forem revolucionários, permitirão criar mercados tão pujantes, que é fácil, a partir deles, inflar bolhas   que durante certo tempo fomentem a especulação, enriquecendo de forma desmesurada uma pequena elite de inversores.

Também o controle relativo das rotas e vias de transporte, tanto aéreo e terrestre quanto marítimo a nível global, fornecem a capacidade de primazia a nível logístico. Mas ainda assim para alimentar todo este despregue é preciso irrigar no sistema uma quantidade, cada vez maior, de energia em forma de recursos financeiros. Um sistema como o atual, baseado na dívida perpétua a ponto de implosão, não conhece outro recurso para manter este basto organograma que seguir a inflamar, criando inflação encoberta e aumento imprudente do capital em risco (tanto privado quanto público).

Como o dólar tem de seguir comandando o mundo, desde o acordo com a Arábia Saudita e a criação do mercado energético dos petrodólares, a Europa não teve outro remédio que entrar no circuito asfixiante da austeridade  evitando que o euro entrasse em livre concorrência com a divisa americana (baste lembrar que os últimos redutos irreverentes herdados da guerra fria, como Al-Gadafi na Líbia ou Hussein no Iraque, tinham mudado as suas reservas para o euro, não sendo esta a sua única causa de queda).

Assim, pois, como já vimos referindo em anteriores artigos, o Império Global Ocidental está ao comando das relações internacionais. A sua capacidade de controle tem-se intensificado com maiores ferramentas que em nenhum outro período conhecido da história. Mas a quebra  sistémica nos subterrâneos bolsistas do segundo tabuleiro e a irrupção da China como jogador/parceiro, a nível mundial, vem a complicar muito, tanto a segurança e relativa paz internacional quanto a continuidade deste mapa de reparto piramidal do poder atual.

Acontece que a dia de hoje o único país com capacidade para fazer remover a crise económica – fazendo de nova locomotiva que puxe do mundo – tal e como fizeram os EEUU após a II Guerra Mundial, é a China. O país asiático já ultrapassou, oficialmente, como primeira potência económica os próprios Estados Unidos. Assim que é preciso utilizar a China para estabilizar as quebradas economias ocidentais e amortecer a sua espiral de declínio. Mas ao mesmo tempo deve-se conter a capacidade chinesa de mudar o organograma de poder global em favor dos seus mais imediatos interesses.

Isto é uma má nova para a Europa, mas não tão má para a Galiza. A Europa dominada pela Alemanha precisaria dum engajamento total a um novo plano Marshall, que beneficie uma associação a maiores com a Rússia, criando um corredor euro-asiático desde o mar Báltico até o Pacífico. Isto solucionaria de rompante os problemas da Ucrânia e o encaixe político e pacífico das relações russo-europeias, deixando de lado as sanções a Moscovo, que tanto tem ajudado a estagnar o velho continente, parando de vez tão cacarejada recuperação. Mas na prática, esta aposta quebraria o Império Ocidental. Mesmo a China que receia da Rússia, tanto quanto a Rússia dela, nunca aceitaria um papel onde Moscovo fosse central.

Como bem temos referido em outros textos, qualquer hipotética aliança que desloque o centro hegemónico do Atlântico, deixaria o Sul e o Oeste da Europa numa situação de periferia, e a Galiza perderia o sonho dum vigor futuro, que só tem sentido imaginar dentro duma maior presença, num incremento gradual e continuo de maiores relações interatlânticas.

O mundo está numa deriva perigosa. Por um lado o Ocidente não pode permitir o acesso ao comando dos BRIC e, por outro, a única ferramenta que tem para impedi-lo é a inteligência militar (dado o confronto militar, mesmo indireto, num planeta carregado de armas nucleares, não deixa de ser quase um suicídio).

Movendo e removendo habilmente o seu baralho – com a esperança de ampliar os seus domínios e o modelo económico, para ter cada vez um maior acesso a mais recursos e património alheio em zonas cada vez mais quentes no globo. Mesmo esta política de expansão depredadora tem um limite biológico. Motivo pelo qual cabe pensar que o objetivo último é certo enfraquecimento da China, mas não estagnação da mesma (deixando-a exercer o papel reativado da economia). Domínio ou controle indireto da Rússia (único rival com capacidade militar de confrontar Ocidente) e no final, mudança da arquitetura económica global, numa posição de poder que não admita coações por parte de terceiros. De resultar certo este plano alongaria a hegemonia Ocidental, pelo menos por algumas décadas.

No entanto, contemplando o panorama atual, tudo faz pensar que em algum momento os interesses chineses entrem num confronto maior com Ocidente. Isso pode deitar China nos braços da Rússia, mais além das suas novas conexões energéticas.  De se dar esse cenário vamos assistir, no melhor dos casos, um desgaste profundo nas relações internacionais que tinham permitido até o de agora uma certa harmonia global desde a queda da União Soviética.

Nessa altura a União Europeia deverá estar preparada para se mover com mais agilidade, em todos os planos, incluído o diplomático. Mas olhando para a sua face amofinada, não parece que os atuais dirigentes possam acordá-la do seu adormecimento. Mais bem parece que nessa altura o Império Anglo-saxão terá vencido qualquer tentativa de independência continental, tendo integrado a Europa dentro dum Império Ocidental mais estruturado (para desgraça da industrializada Alemanha que precisa vender as suas mais valias a Oriente).

A nível geoestratégico isto será bom para a Galiza. E aconteça o que acontecer com a China ou a Rússia, o seu enfraquecimento ou o mútuo desgaste contra Ocidente, também isso será uma boa nova para a Galiza. Não remover o centro de comando do Atlântico é a única garantia de sobrevivência do sonho galego  – nenhuma hipótese de desenvolvimento futuro na Galiza pode realizar-se desde o Pacífico, a Centro Europa ou a Euro-Ásia.

Quando o Império Anglo-saxão (já decadente) entrar em declínio profundo – só uma hipótese pode ser viável para a Galiza – produzirá-se o desloque hegemónico desde o Atlântico Norte ao Sul.  Daí, pois, que toda a estratégia do movimento galeguista o deva ter em conta para trabalhar este futuro cenário. Assim como os focos de domínio atual são três: a América do Norte, a Europa e o Japão-Coreia-Austrália (Eixo Pacífico), os alicerces do novo pólo hegemónico no Sul do Atlântico serão também três: a América do Sul (com predomínio do Brasil – talvez o centro hegemónico global), a Índia e o Sul da África – com a ligação do Índico desde Moçambique e a ligação atlântica entre Angola e o Brasil.

O Império Ocidental (não pode achegar mais humidade dado o apego à ter) e o novo eixo hegemónico devem apontar um novo paradigma veiculado desde o ser. Senão, não haverá futuro.

Este cenário deve ser o desejado e tem de ser aquele, pelo qual deve trabalhar o movimento galeguista, potenciando no interior o desenvolvimento da lei Paz Andrade e no exterior todo o tipo de relações com países e sociedade civil da lusofonia. A reabilitação dos centros galegos na América do Sul deveria também ir encaminhada a proporcionar uma ponte e lugar de encontro entre o mundo cultural do galego-português e do espanhol do continente.

Devemos estar atentos, nesta era de movimentos tectónicos, e apostar em cavalo certo. Ao fim e ao cabo, já levamos séculos fazendo apostas erradas. Aqueles que pensem que a luta se restringe ao Estado Espanhol estarão como sempre a esforçar-se para o sucesso dos outros.