A crise no aumento das possibilidades de confronto

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Por mim se vai das dores à morada,
por mim se vai ao padecer eterno,
por mim se vai à gente condenada” (Dante Alligeri – Divina Comedia)

Sistema e Limite

Anwar Shaikh, no seu estudo intitulado “A Primeira Grande Depressão do Século XXI” informa; “na década de 1980, um novo boom começou nos grandes países capitalistas, ajudados por uma queda substancial nas taxas de juros que possibilitou elevar consideravelmente a taxa de lucro líquido, ou seja, aumentou a diferença líquida entre a taxa de lucro e a taxa de juros. A queda nas taxas juros também facilitou a expansão do capital em todo o mundo, promoveu um aumento substancial das dívidas dos consumidores e inflacionou internacionalmente as bolhas imobiliárias e financeiras. A desregulamentação das atividades financeiras em muitos países foi promovido pelas próprias instituições financeiras e, com exceção de alguns países como o Canadá, a empreitada foi bem-sucedida. Ao mesmo tempo, em países como Estados Unidos e Grã-Bretanha houve um aumento sem precedentes na exploração da força de trabalho, através da redução do crescimento dos salários em relação à produtividade. Como sempre, o resultado direto foi um aumento significativo da taxa de lucro. O efeito colateral normal de um desaceleração dos salários teria sido uma estagnação do gasto real em consumo. Mas com a queda das taxas de juros e o crédito cada vez mais fácil, consumo e outros gastos continuaram a crescer, como uma bóia em um mar de dívidas. Todos os limites pareciam ultrapassados, todas as leis da operação suspensa. E então houve a crise e o colapso. A crise imobiliário nos Estados Unidos foi apenas o gatilho imediato. O verdadeiro problema era que o redução da taxa de juros e crescimento da dívida que alimentaram o boom atingiram seus limites”

Esse limite foi atingido no centro do Pulmão mundial das finanças, o qual trouxe um inaudito pânico, que teve de ser apagado, a custa da socialização das perdas – aumento do endividamento dos Estados “já não soberanos” e traspasso da dívida privada a dívida pública, arcada por toda a população – enquanto os ganhos mantinham seu quintal dentro das corporações privadas. A nova armadilha: “socializar as perdas, privatizar as ganâncias” foi criando um mar de desconfiança indireta nas populações, de todo o planeta, com os seus lideres. O destino manifesto dos EEUU como primeira e única potencial global, e a visão do Ocidente como foco de progresso democracia e liberdade (a ser imitado pelo resto do mundo), começou a perder valor no sul global. O modelo globalista unilateral, encontrou um obstáculo, ramificado em todas direções: económica, psicológica, político, militar (queima de recursos em campanhas muito custosas, impossível de manter indefinidamente – e que, ao final, trazer iam a perda da Hearthland de Mackenzie, e a necessidade de tentar procurar uma armadilha para impedir um trunfo de Rússia e China, na Ásia, na Europa e no mundo). Também veio com esta crise a queda do modelo industrial, do modelo financeiro, cultural e social, que tinha comandado mundo. O mesmo engenho cultural ocidental, herdeiro da Iluminação, racionalidade, bom senso; teve problemas para conquistar a alma das populações mais abandonadas do oriente e do hemisfério sul. Hollywood perdeu sua força …

E a aliança em procura dum modelo alternativo (dentro dos três tabuleiros geopolíticos que organizam o mundo: 1.- militar 2,- económico 3.- cientifico, social, cultural) liderada pela China e a Rússia, começou a tomar forma, e mesmo a seduzir a muitos países da chamada periferia, que se tinham mostrado reticentes a abandonar suas alianças necessárias com o Ocidente.

Segundo o famoso empresário Robert Kiyosaki, autor dos best-seller “Pai Rico, Pai Pobre” e “Segunda Oportunidade”, a pior crise da história recente, o grande derrube sistémico, está pronto para iniciar-se, por isso, ele, aconselha comprar ouro, prata e aguardar a queda do bitcoin. Todas as previsões económicas falam dum ciclo de aperto monetário, a aumentar em 2023, devido ao fator estrutural global de que, quando há recessão em andamento, investidores tendem a buscar maior segurança nas aplicações, o que implica arriscar menos e tirar dinheiro de países visionados como mais frágeis, o que agrava as economias mais débeis, que finalmente vão contagiando, num mundo interconectado, toda a cadeia de intercâmbio económico e mercantil internacional.

A guerra da Ucrânia, por sua vez, promove o aumento das ganâncias das grandes corporações de armamentos, e da energia; limitando a expansão das dívidas públicas e privadas. As inversões seguras vão até os minerais, terras raras, compra de terra, industrias de armas, tecnológicas ligadas aos complexo militar industrial, e das energias “não renováveis” como as fôsseis e nuclear (aquelas que teriam de ficar de fora da Agenda 2030, promovida pela ONU e o Foro de Davos).

Os países mais pobres serão abandonados a sua sorte? No Salvador o Presidente de direita Nayib Bukele, fiel aliado do Presidente mexicano de esquerda Andrés Manuel López Obrador, vem de assinar um acordo com a China. A China ainda parece ter aço para ampliar sua expansão, apesar dos efeitos dos encerros da pandemia, e da crise global. Assegurando-se a sua vez, a energia do Oriente Meio, com acordos bilionários com Irão, Qatar e Arábia saudita, realizados em yuan, em detrimento do antigo poder do petrodólar. Mas ate quando poderá aguentar, o gigante asiático? Tudo vai depender da profundidade do derrube sistémico, se este se produzir…

Por sua parte o peso mexicano se coloca como a moeda de melhor rendimento do 2022, por cima do dólar e o rublo. O PIB do país asteca já ultrapassou o da antiga metrópole espanhola, ao igual que o PIB da índia, já ultrapassou do seu antigo senhor a Grã-Bretanha. Ambos países resultam mais atraentes para a inversão internacional, que suas antigas colónias. Brasil já faz muito que o líder do mundo lusófono global, em detrimento de Portugal, e pode recuperar sua liderança indiscutível na América do Sul. Espelhos, todos estes exemplos, dos novos tempos de transação do velho Poder Hegemónico Ocidental em favor do novo Poder Emergente?

Crise como Oportunidade? Ou como negação duma evidência?

Os bancos centrais de todo o mundo, estão a lidar com um problema de proporções críticas: devem aumentar as taxas de juro, para retirar incentivos monetários indevidamente aumentados do mercado, durante a expansão económica (que sempre favorece somente a uma pequena elite global, mas que tem certo efeito nas classes trabalhadoras: criando mais emprego; a sua vez nas classes meias: ao gerar mais diversidade de oportunidade empresarial e laboral; favorecendo indiretamente a base da pirâmide social). Essa recolhida monetária precisa em nossos dias, como falávamos, a sua vez agrava a crise ao aumentar o preço de produtos imprescindíveis como os alimentos. Assim observa o prémio Nobel de economia do ano 2001 Joseph Stiglitz, quem acredita: “Quase todos os episódios de inflação foram provocados por excesso de procura, isto, tal como as crises do preço do petróleo, há 50 anos, resulta de choques na cadeia de abastecimento” Argumentando que estes choques começaram com a pandemia da covid-19 e que agora estão a ser exacerbados pela guerra na Ucrânia.

Assim se referiu Stiglitz em setembro de 2022 no Presse club Concordia, no Forum Journalismus und Medien, a iniciativa da ERSTE Foundation, Europe’s Futures-Ideas for Action (IWM), numa palestra intitulada “Os desafios de Inverno da Europa: energia, economia e política” Fazendo ênfase em que: “Estamos numa situação peculiar em que há um debate sobre se o mundo está prestes a enfrentar uma recessão grave e inflação, e normalmente esses dois fatores estão em lados opostos: se a economia está fraca, há deflação, e se a economia está forte, há inflação, e isto não acontecia há muito tempo” ao mesmo tempo que a realidade da guerra é já difícil de ocultar e, pelo tanto, de não incluir dentro da equação económica o fator dum confronto global, algo a qual os dirigentes ocidentais são controversos a hora de agir, segundo o mesmo Stiglitz confirma: “A minha preocupação é que EUA e Europa ainda não tenham percebido que estamos em guerra. Quando os países estão em guerra, não deixam as economias como se estivessem em tempos de paz. As economias em guerra e em paz são diferentes. Continuam-se a utilizar os mercados, mas regulam-se muito mais; ao não admitir que está em guerra, a Europa está a fazer com que as suas pessoas sofram muito mais”

Ao tempo, que como a maior parte dos economistas ocidentais, tentam fazer-se de surpresa, ante uma crise que chegou para instalar-se, mas foi criada precisamente pela avareza dum sonhado progresso sem limite e, a arrogância duma elite, com pouca ou nula empatia demonstrou com as camadas mais pobres da sociedade: “Achávamos que o mercado estava muito melhor do que pensávamos, quando o mercado estava bem pior, e isso é parte da minha crítica ao neoliberalismo, tem vista curta e ninguém conseguia acreditar que tinha pouca resiliência” O Sistema neoliberal e o liberalismo político, já foi destapado como o “Rei nu” no conto de Hans Cristian Andersen; e, o problema para o Ocidente financeiro – anglo-saxão é que não tem outro sistema em cernes, nem em perspetiva – pois foi precisamente com este, que ele conseguiu conquistar o monopólio do Poder Global, a partir do século XIX.

Com este sistema “supostos” mercados autorreguladores, como conquistou a um tempo, também, a narrativa mundial, vencendo a seus inimigos mais visíveis: os velhos impérios (desde a revolução francesa ate nossos dias). Logrando controlar e manipular no plano da psique coletiva a lógica do que é, e, não é adequado. Mas agora este sistema de organização económica e social chegou a seu fim, e com o final este modelo, tal vez também o fim do predomínio do Ocidente no mundo? Isso vai depender de fatores, agora mesmo, em andamento.

Crise mudança da Elite? Uma Elite sempre no comando?

Já em 2019 Shawn Donnan analisava para Bloomberg: “Depois de dois anos de boom, a maré mudou para as fábricas dos EUA. Atingidas pelo aumento da incerteza e pelo controle dos gastos de capital e desaceleração dos mercados de exportação, junto a dólar mais forte e custos de insumos mais altos devido às tarifas; os fabricantes americanos estão ganhando menos do que há um ano atrás” Essa tendência não deixou de aumentar, ao tempo que a “quebra paulatina” nas cadeias de subministro globais, a partir da pandemia e da sua dependência da China (primeiro país atingido pelo vírus), não deixou de piorar a situação, já de por si muito delicada. Ante a evidência da nova situação, já com a administração Trump os Estados Unidos se viram forçados a eliminar a agenda verde de Obama, o qual abriu mão de uma maior exploração da natureza e da força de trabalho, para maximizar ganhos e, investir, na economia que realmente se mantêm em pé diante da crise: hoje, como a já vimos a dos hidrocarbonetos e a da guerra.

Ao mesmo tempo que o sistema capitalista típico do ciclo de Poder Mercantil, começa a ver-se incapaz de manter o edifício do organograma global em pé. Tal vez um outro sintoma, de que temos chegado a um tempo de mudança de ciclo; e o ciclo dos mercadores terá de deixar passo ao novo ciclo dos cidadãos? Isso significa Ocidente ter de deixar passo a um Novo Centro Geográfico Civilizatório na Eurásia? Será, de concretizar-se este novo Centro, o eixo de transação de uma ponte entre o ciclo mercantil, em agonia e o novo ciclo cívico ou dos cidadãos?

Começará este com um poder autoritário, preciso tal vez, para organizar o mundo, após um confronto hegemónico, evitando um caos sistémico? Este autoritarismo, que já vive entre nós, terá sua causa na ainda baixa tónica evolutiva da humanidade em seu conjunto? E na nossa, pelo de agora, incapacidade de abrir um diálogo permanente, consciente e honesto, que fomente a confiança entre contrários, falsamente visionados como inimigos? Evidencia desta baixa tónica, a incapacidade de transcender a polarização guerreira, a cada dia, mais a tona em todas as sociedades do mundo? Acaso sempre vivemos num mundo em fricção? E, finalmente, poderemos fazer esta mudança, se for preciso, sem um guerra mundial, entre os contendentes pela hegemonia global? O vamos ter de experimentar de novo uma grande destruição, na luta pelo comando e organização do mundo, entre o velho secular Ocidente e o renovado milenar Oriente?

Para Anwar Shaikh no seu, já mencionado texto, a situação tem seus culpados: “A crise atual ainda está em pleno andamento. Enormes quantidades de dinheiro em todos os principais países avançados, foram canalizadas para o setor empresarial privado para reativá-lo. Mas a maior parte desse dinheiro ficou lá. Bancos não querem aumentar crédito em clima de incerteza e risco em que não têm certeza de receber seu dinheiro de volta com uma taxa de juros rentável. Outros setores, como a indústria automobilística, têm problemas semelhantes devido ao peso dos grandes estoques de mercadorias não vencidas, aos quais eles precisam dar saída antes de pensar em novos investimentos. Por tudo isso, a maior parte da cidadania não viu o menor benefício das grandes quantidades de dinheiro que foi jogado no mercado e, as taxas de desemprego continuam altas. A este respeito, é surpreendente o pouco que se tem feito para criar emprego por meio de programas de investimento público, como fez o governo Roosevelt em década de 1930” Se, acrescentarmos, aqui, o problema dos enormes insumos, destinados finalmente às guerras norte-americanas no Oriente Meio, com a tentativa de criar um controlo sobre a energia global e suas redes de distribuição (o que facilitaria o domínio ocidental unilateral do orbe); teríamos, talvez, um cenário mais completo e complexo, do porquê, não houve incentivos para um novo plano New Deal Global, ao estilo do Presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt.

E tudo isto nos leva a concluir, que está situação injusta também tem um nome a Avareza humana e, a arrogância do 10% da População que se apropria para si, mais do 75% da riqueza global, segundo um relatório de 2021, elaborado por Lucas Chancel, para o o Laboratório de Desigualdade Mundial.

De novo para Anwar Shaikh, a evidencia do sistema estar desenhado para promover a ascensão duma elite e o submetimento do resto da população, passa ser um facto, ao ele confirmar sua suspeita ao referenciar no já citado trabalho: “essas tendências particulares nascem da procura de lucro, que continua sendo o regulador central da atitude empreendedora ao longo da história. A aparência do capitalismo muda constantemente para que sua natureza permaneça a mesma” Sendo que esta natureza de procura do lucro, por cima de tudo, pode ter-se elevando, nos nossos tempos (quiçá últimos deste período mercantil) num egoísmo sem precedentes duma “pequena elite” já virada em uma espécie de “cleptocracia sem escrúpulos” na procura do poder por meio do acumulo, sem reparar na miséria, e na sorte, que podem correr seus irmãos, menos favorecidos. Caso referente de certa relevância, deste movimento das elites, pode ser a ascensão e queda da empresária angolana Isabel dos Santos (filha do anterior presidente de Angola); com suspeitas em tribunal de utilização da riqueza nacional (nomeadamente petroleira e dos diamantes), com desvios para benefício próprio, num país que ocupa um dos primeiros lugares nos índices mundiais da miséria. Isso, se finalmente as pesquisas dão prova destes factos. Algo, que de produzir-se, mostraria até que ponto a inércia do egoísmo humano, deixa de lado, a necessidade de nossos irmãos em situação mais precária.

Elite, que ao invés do referido pela propaganda sistémica, obtêm mais sua posição por herança ou nascimento – redes familiares, que por desempenho empresarial ou realização no campo diverso dos diversos empreendimentos.

Sendo que a concretização de renda por herança se tornou, provavelmente, num mecanismo gerador de grandes desiguales, não atribuído ao mérito individual, nem coletivo. A um tempo, que esta tendência, segundo estudo de das pesquisadoras Caroline Freund e Sarah Oliver, do Peterson Institute for Internacional Economics, tende a ser palpável nos países menos desenvolvidos; enquanto nas regiões mais dinâmicas, novos ricos super bilionários se têm acrescentado a esta restrita lista dos mais poderosos, em áreas de maior inovação. Mas, uma vez aí estabelecidos, tendem a ficar nesta escada, impedido pela associação e monopólio, outros possam ascender; a não ser, se voltem abrir novas áreas em novos campos de inovação, onde todavia não estiver ocupados espaços de comando no topo… Mas a tendência a criar “Dinastias por herança” na humanidade segue a ser uma pauta, ainda nos nosso dias. Poderá, esta mudar no novo ciclos dos cidadãos?

OS Estados Unidos visto como um inimigo económico

A possibilidade dos Estados Unidos, de situar a relação de forças e movimentos económicos, a nível global, no seu favor (o que Huntington chamava “o controle das instituições económicas multilaterais pelos países do capitalismo avançado”) levanta certo medo no resto do Mundo. Os EEUU ao controlar a ainda moeda de referência internacional: o dólar; ao manter (junto a seus aliados de Ocidente) uma posição de comando no sistema de intercâmbios internacional SWIFT, e no Banco de Investimentos Internacionais de Basileia (que controla a maior parte dos Bancos Centrais do mundo); assim como no Comité de Basileia “suposto promotor da estabilidade do sistema financeiro mundial”; e a FED (Reserva Federal Norte-americana) cujas políticas podem afetar com um tsunami aos países menos desenvolvidos; cria um clima no sul, de dependência e acomodo a uma situação não agradavel … Isto, junto a outras muitas variantes, tem aumentado o desconforto de muitos países do sul global com Ocidente.

Assim, a nova arquitetura internacional criada pelo Oriente: com os trabalhos em favor de uma moeda de substituição do dólar, em âmbitos primeiro regionais, e depois, quem sabe se globais; novos centros bursateis e de financiamento internacional (nomeadamente da China) e, novos modos de relacionamento multipolar (desafiando o unilateralismo e excecionalidade norte-americano); entre, outros muitos fatores, têm também posicionado muitos países do sul global, em uma positiva abertura de mercados e intercâmbio cultural com o novo poder Eurasiático…

Isto, a sua vez, tem aumentando a pressão da própria Administração Biden, sobre os países do sul global (na medida que o achegamento de estes a China – Rússia e o projeto Euro-asiático se fez mais palpável). O qual, a sua vez, tem criado maior reticencia, de muitos países (sobre todo os melhor posicionados, e menos dependentes do Ocidente); em relação aos Estados Unidos. Assim a mesma Arábia Saudita (em tempos passados vital aliado, após a criação do petro-dólar, que permitiu manifestar o sistema de moeda fiat internacional e alavancar o atrelo do sul ao norte, pelas dívidas)… Ou os Emirados Árabes, mesmo recente exemplo do Qatar, ou a Nigéria, entre outros, tem começado a fazer uma virada e abertura do sul global ao Oriente. Sendo que a Arábia Saudita, chocou fortemente em seus interesses petroleiros com Washington; e, a mesma Turquia de Erdogan, sempre jogando a ambos lados do tabuleiro, também teve seu momento de grande fricção com os EEUU, a quem recentemente acusou do último atentando kurdo em Istambul.

Situação, que com o avanço da Guerra na Ucrânia, onde a Rússia, apesar das múltiplas sanções, é capaz de manter-se em pé: abre uma via, um novo caminho, para quem quiser confrontar o Império Ocidental, sem tanto medo, como no passado onde aqueles países ou dirigentes que tentaram desafiar Ocidente, correram as piores das desgraças.

A maiores a resistência- resiliência do poder xiita no Irão, que junto a intervenção da Rússia na Síria, virou o jogo geopolítico no Oriente Meio (como bem tem exposto no seu magnífico livro “A Desordem Mundial” o falecido autor brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira), junto ao travão das primavera árabes, no Egito, após a queda do governo de Monhamed Morsi e a imposição do governo militar do Presidente Abdelfatah Said el Sisi (aliado da Rússia na guerra da Líbia), põe mais todavia em xeque a autoridade global dos EEUU, e mesmo pode entusiasmar mais atores, a uma aliança com o novo poder Euro-asiático. Situação, que pode aumentar a tensão todavia mais nas relações internacionais. E, mesmo complicar a guerra da Ucrânia (para desgraça do povo ucraniano) pois, pode ser vista por ambos reais contentes: Rússia e o Ocidente (que apoia ao presidente Zelensky), como uma oportunidade de prevalecer sobre o outro – iniciando dinâmicas de não cedência, que podem escalar e mesmo estender o conflito

No seu estudo “Os Estados Unidos e as relações internacionais contemporâneas” Luis Fernando Ayerbe, entre outras situações, reflete: “Analisando a inserção internacional do país após o fim da Guerra Fria, Huntington (2000) identifica três etapas: 1ª) um breve momento unipolar, tipificado na ação unilateral na Guerra do Golfo; 2ª) um sistema unimultipolar em andamento, que prepara a transição para a terceira etapa; 3ª) etapa multipolar. No contexto atual, o autor percebe uma contradição entre o sistema unimultipolar e a política externa adotada a partir do governo Clinton, que mantém características típicas da unipolaridade, com uma postura imperialista que provoca a insatisfação dos aliados tradicionais e estimula a solidariedade entre os adversários. Essa política se expressa em ações bastante evidentes como: “[…] pressionar outros países a adotar valores e práticas norte-americanas no que diz respeito aos direitos humanos e à democracia; evitar que outros países adquiram capacidade militar que possa constituir um desafio à superioridade de seu arsenal de armas convencionais; impor o cumprimento de suas próprias leis fora de seu território a outras sociedades; atribuir classificações aos países de acordo com seu grau de aceitação aos padrões norte-americanos no que concerne a direitos humanos, drogas, terrorismo, proliferação de armas nucleares e de mísseis ou, mais recentemente, liberdade de religião; aplicar sanções aos países que não atendam tais padrões; promover os interesses empresariais norte-americanos sob a bandeira do livre comércio e da abertura de mercados; influenciar as políticas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional segundo esses mesmos interesses corporativos; intervir em conflitos locais de pouco interesse direto para o país; impor a outros países a adoção de políticas económicas e sociais que beneficiarão os interesses económicos norte-americanos; promover a venda de armas para o exterior ao mesmo tempo procurando evitar vendas de natureza semelhante por parte de outros países” Dando, o autor, uma visão muito nítida, do desenvolvimento a que hoje chegamos, e de como esse mal-estar do sul global, tem desembocado, no que anteriormente apontamos, em este artigo; e na, a cada dia, mais estreita solidariedade de inimigos do poder hegemónico norte-americano.

NECESSIDADE DUM POLO CONCILIADOR

O problema agora é, se o poder Ocidental que sonhava um mundo global interconectado, segundo as regras civilizatórias Ocidentais, vai aceitar um papel de menos relevo ou vai, pela contra, tentar reverter essa situação, num princípio, por meio dum confronto em todas as áreas, com seu adversário mais visível a Eurásia; e a sua vez a Eurásia vai aceitar esse embate; entrando numa situação muito complexa, que pode alterar a atual conjuntura de guerra híbrida, em pontos de fricção para atrair a seu centro, respetivo, atores regionais e locais; em face de uma mudança, por determinação de ambos bandos, para uma guerra direta. Isso é o verdadeiro perigo.

Em esta tessitura, se faz preciso, um terceiro ator regional e global – Países como Brasil, Índia ou Sul-África, podem realizar essa tarefa: de esfriar a fogueira. Abrindo espaços internacionais de diálogo, onde se garanta, que mesmo numa dinâmica de ascenso do Oriente, o poder dos norte-americanos, será respeitado; seus interesses ouvidos, e um acomodo mundial; onde estes países “Novos não alinhados” sejam garantes de acomodos a duas bandas, possa permitir um certo relaxamento e voltar a trazer o senso da paz ao mundo. Brasil vai se chave neste movimento.

Aqui a diplomacia e pressão, de terceiros, com capacidades é vital. E o resto dos cidadãos do mundo teremos, de fazer nosso esforço, para no nível local, nacional, regional e global, afastar a imposição das dinâmicas guerreiras de dualidade em confronto. Marcando uma nova pauta, que possa sonhar com um novo reinício sem guerra e grande destruição. Aliviando os muitos pontos de fricção no planeta… Lembrando, que se é certo que há muitos guerreiros no poder, também existem, nesse mesmo escalão do poder, mulheres e homens, de bem, bons e generosos: que mesmo estando em postos elevados, onde prima o egoísmo, nunca se esqueceram, nem esqueceram, de que o significado de governante, não é servir-se dos povos; se não ser servidor dos mesmos. Esses homens e mulheres, em certo modo, são como os “Anjos da Guarda” da humanidade, e nós devemos auxiliá-los negando-nos a entrar em guerra, com nossos irmãos com visão diferente, credos e filiação política não condizente com a nossa. O primeiro passo para isso, é deixar de visionar ao outro como contrário, que vai em nossa contra; e sim como complementário.

Enquanto os homens forem o que são, haverá furtos e roubos entre eles, e mentiras e guerras e assassínios e toda sorte de paixões negras e vis. Mas desgraçados serão o gatuno e o ladrão; e desgraçado será o mentiroso e o senhor da guerra, e o assassino e todo homem que aninhar em seu coração paixões negras e vis, pois eles, estando repletos de desgraça, serão usados pela Vontade Total como mensageiros da desgraça. Mas vós, meu Companheiros, deveis limpar os vossos corações de toda paixão negra e má, para que a Vontade Total vos ache preparados a levar ao mundo sofredor a alegre mensagem da redenção do sofrimento; a mensagem daqueles que se libertaram; a mensagem da Libertação, através do Amor e da Compreensão” (Mihail Naimy, O livro de Minrad).