A conexão mística

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Para quem vive no corpo e na alma,
espaço e tempo já não existem;
nenhuma fronteira o pode deter,
nenhuma sombra escurecer sua viagem,
pois o amor tornou-se (em ele) omnipresente.
(J.Van Rijckenborgh)

Todas as tradições místicas estão unidas na sua experimentação transcendental. Por cima da religião ou civilização, nas que (estas) estão encaixadas, num determinado momento, numa determinada altura histórica, elas trabalham na conexão direta com a essência divina. Daí que os poderes políticos, culturais e religiosos, olhassem sempre para elas com desconfiança. Por que, enquanto, estes poderes trabalham para os interesses materiais de seus Estados, Grupos de poder acima dos Estados, ou suas instituições; os místicos trabalham para a espiritualidade acima da materialidade. Em uma palavra a mística atua para trazer à terra as vibrações elevadas, energias do divino – espiritual; e dizer para espiritualizar a matéria, a partir da espiritualização do próprio ser: abrindo o divino em nós, a conexão com o divino infinito, além da matéria cósmica.

Assim o mestre sufi iraniano Ayatullah Murtaza Mutahhar, conhecido como Murtadha Mutahhari, nos informa no seu texto “As estações (maqamat) do místico”: “O ‘irfan (conhecimento místico) tem uma faceta que compartilha com a teosofia (hikmat ilahi), enquanto muitas das facetas dessas duas disciplinas diferem. A faceta comum de ambos é que o objetivo de ambos é o conhecimento de Deus (ma’rifat Allah). Eles diferem em que a teosofia não visa exclusivamente o conhecimento de Deus, mas também aspira ao conhecimento da ordem do ser. O conhecimento que procura o teósofo (hakim) é o do sistema de existência, do qual, naturalmente, o conhecimento de Deus é um importante pilar. O objetivo de ‘irfan (conhecimento místico), entretanto, é exclusivamente o conhecimento de Deus. Para o ‘irfan, o conhecimento de Deus é o conhecimento total. Tudo deve ser conhecido à luz do conhecimento de Deus e do ponto de vista do tawhid (experiência mística); daí que esse conhecimento seja um derivado do conhecimento de Deus. Em segundo lugar, o conhecimento que o hakim (erudito) busca é intelectual e pode ser comparado ao conhecimento adquirido pelo matemático após pensar e refletir sobre um determinado problema matemático. No entanto, o conhecimento ao qual o ‘arif aspira é vivenciado e observado; pode ser comparado ao conhecimento adquirido por um cientista experimental em seu laboratório. O hakim (erudito teosofo) busca o conhecimento da certeza (‘ilm al-yaqin), enquanto o ‘arif busca a certeza da visão direta (‘ayn al-yaqin). Em terceiro lugar, os meios usados pelo hakim são sua razão, deduções e provas, enquanto os usados pelo ‘arif são o coração e a purificação, disciplina e perfeição da alma” Refletindo claramente o que é de comum em todo processo de transformação mística: a conexão com a essência, não distanciando-se, pois afinal todo está no Todo unido, do conhecimento intelectual (que a teosofia aspira a fazer fusão com o conhecimento teúrgico – ou da sabedoria de Deus e relação com os espíritos celestes); mas sim empreendendo outros caminhos para chegar a unidade: aquele de conexão com a essência.

Por isso o místico não se preocupa com a teúrgia ou magia branca, senão que sua preocupação está focada em essa conexão do ser Divino em nós, com o se Ser Espiritual Supremo, e a essência sagrada que permeia toda a matéria.

É um processo de iluminação da alma, do psicoemocional, por meio da conexão do espírito humano no espírito além do cosmos: a essência de onde tudo nasce. Aquele Deus, de cuja substância o mundo esta feita, apesar de que Ele – Deus: O Incognoscível, nunca está encadeado ao mundo material, senão por cima dele.

O trabalho, pois, de todos os místicos, de todos os tempos, em todas as tradições é precisamente essa união com o sagrado, aquilo que Rumi chamava o “Amado”, que uma vez concretizada nos liberta das cadeias dos apegos e sofrimentos na matéria: deixando o intranscendente material, pela vivência real do transcendente imaterial.

O trabalho, pois, de todos os místicos, de todos os tempos, em todas as tradições é precisamente essa união com o sagrado, aquilo que Rumi chamava o “Amado”, que uma vez concretizada nos liberta das cadeias dos apegos e sofrimentos na matéria: deixando o intranscendente material, pela vivência real do transcendente imaterial.

Noutro texto magistral intitulado “O ´irfan teórico” Mutahhari, nos aproxima das formas de expressão racional do místico diferir em sua raiz da forma do raciocínio dum filósofo: “As deduções racionalistas da filosofia podem ser comparadas ao estudo de uma passagem originalmente escrita na mesma língua. Os argumentos irfan, por outro lado, são como estudar algo que foi traduzido de outro idioma em que foi originalmente escrito. Para ser mais preciso, o ‘arif (místico) quer explicar aquelas coisas que ele afirma ter testemunhado com seu coração e todo o seu ser usando a linguagem da razão” Eis aqui que em esta tentativa de explicar o que foi vivenciado dentro do despertar da consciência, pela experiência da unificação com o Todo, que o místico precisa utilizar a ferramenta da linguagem e a ração, mas tentando traduzir aquela original linguagem não verbal da experimentação vivencial silenciosa à linguagem verbal (que gera imagens mentais), por meio da ração.

No mesmo texto Murtadha Murtahhari continua afirmado: “O objetivo do filósofo também difere do ‘arif. O filósofo quer compreender o mundo; ele quer formar em sua mente uma imagem correta e relativamente completa do reino da existência. O filósofo considera que o maior sinal da perfeição humana está na perceção, pela razão, da natureza exata da existência, de modo que o macrocosmo encontra um reflexo em sua mente enquanto ele, por sua vez, se torna um microcosmo racional (…) Para o ‘arif, perfeição humana não significa ter em mente uma imagem do reino da existência; antes, é retornar, percorrendo o caminho espiritual de progressão, à origem de onde se veio, superar a separação da distância entre si e a Essência Divina e, no reino da proximidade, aniquilar o eu finito para habitar na Essência Divina. Infinito Divino. As ferramentas do filósofo são a razão, a lógica e a dedução, enquanto as do ‘arif são o coração, a luta espiritual, a purificação e disciplina da alma e o dinamismo interior“. Vemos aqui como a tentativa de realizar o despertar do Poder Divino em nós, por meio da conexão espiritual, lembrando aquele “O reino de Deus está dentro de vós”, é sem dúvida o caminho para o místico. Assim, as deduções racionais, dentro da Matriz da Egrégora do pensamento cultural, de uma determinada civilização, tem para o místico uma importância muito relativa, enquanto esse despertar espiritual, através da conexão com a essência, por meio do aproximar vivencial da introspeção meditativa, tem (para ele, o místico) um valor único. E, este liame, corda de ligação, unifica toda atividade de qualquer místico, de qualquer cultura, civilização ou local geográfico, onde uma determinada religião e poder terreno estiver assentado. Dai a desconfiança destes poderes com os caminhos que avaliam a gnose dos místicos.

Eis, pois, que dessa união de todas as conexões dos místicos de todo o mundo, chegado seu dia (quando a humanidade estiver acordada, para outra realidade, mais fraterna e menos guerreira) que se chegará finalmente a concretizar a unidade de todas as religiões, de todas as culturas e civilizações, numa cultura e civilização global, suma de todas as culturas e todas as civilizações, de todas as experiências espirituais, onde a unidade, não seja feita por um grupo de poder financeiro ou político dominador, nascido na base duma elite materialista; senão por uma federação de povos, unidos (de início) pelas suas Elites Espirituais Místicas (que já estão, muito devagar, como é preciso, a realizar esse trabalho) .

Ficando aqui muito claro, que aquele que os taoistas chamavam de “conhecimento pequeno” ou erudito, sendo de grande serviço a humanidade atual e futura, pode pelo seu genoma mental ser manipulado pelas elites supremacistas dominadoras e controladoras, dentro de cada centro civilizacional. Procurando sempre estas elites, com suas técnicas de manipulação (também aplicáveis ao conhecimento intelectual) dividir e diferenciar a uns seres humanos de outros, para confrontá-los. Ou criar polaridades em atrito, para por meio da técnica de massificação de problemas, utilizando ambos polos da balança, finalmente trazer, essa elite controladora, as soluções, após a guerra – confronto, que lhes permitam seguir, em épocas de mudança com atrito (como a atual), comandar à humanidade. Submetendo-a, finalmente, a seus históricos desígnios.

Daí, estas elites materialistas dominadoras saber que a mente e alma (o componente psicoemocional) pode ser manipulada por meio do medo, ansiedade, dúvida (alteração emocional) ou bem, por meio, de entretenimento ou vícios (entorpecimento mental); enquanto o espírito não pode ser alterado. Eis então, esse espírito indomável e invencível ser o grande inimigo dos separadores, nocivos e destrutivos seres involutivos, que tentam impedir a chegada da alvorada, da aguardada e universal fraternidade humana.

Daí, estas elites materialistas dominadoras saber que a mente e alma (o componente psicoemocional) pode ser manipulada por meio do medo, ansiedade, dúvida (alteração emocional) ou bem, por meio, de entretenimento ou vícios (entorpecimento mental); enquanto o espírito não pode ser alterado.

Sendo que o acordar desse espírito tem muito a ver aquela senda realizadora, que Buda chamou de caminho do meio; Cristo do “amai-vos os uns aos outros”, Krisnha do realizar-se em Bramha, Lugh do ser perfeito em Todas as Artes e, Quetzalcoalt da senda da Toltecaya… E que não é outra rota que a da profunda conexão mística: procura introspetiva e meditativa, que pode conduzir ao êxtase pacificador da alma. Contemplação da nossa natureza real, longe do medo, fora do desejo e ânsia por conquistar efémeros momentos de poder, vangloria, falso louvor ou amarga pose de inúteis riquezas na matéria: coroas momentâneas de ouro, que finalmente tornar-se-hão, como nossos corpos, cinza.

O AMOR

Então, que foi o que o místico alcançou, se chegar definitivamente a conexão com a Unidade Divina? Ele, obteve o conhecimento real vivencial de saber que o Amor é a verdadeira substância da Vida, e que Deus, o Incognoscível, o Inexistente dos ateus ou Universo alem do Verso do céticos (segundo cada quem goste em chamar) é unicamente AMOR. TODO AMOR.

E essa essência quando, finalmente alcançada, tocada com o coração; absorvida e assimilada , não somente nos livra, como falam os hinduístas ou budistas da “Roda do Samsara”, roda das existências, roda das encarnações… Se não também nos liberta das cadeias do medo à morte, da luta pela sobrevivência, do confronto com nossos semelhantes, da divisão das nações, dos povos, das culturas. Da luta contra o agressor, ou do sentimento de agredido. Da roda de vivências intuíeis dentro da “Vida dos Sonhos”, que magistralmente retratou Calderón de la Barca em seu teatro “La vida es sueño”.

Essa vivencias, diversas onde hoje somos agredidos e manha agressores; onde hoje lutamos para libertarmos da dominação e, amanha, com o poder na nossa mão, lutamos para que outros não se libertem do nosso jugo. Onde hoje lutamos para nossa nação deixar de ser dominada, pelo império velho; a amanhã criado nosso novo império, nos lutamos para outras nações não se libertem da nossa nova tirania…

Uma roda sem fim de dor, sofrimento, padecimento, tristura e amargura, que somente pode ser ultrapassada, através de deixar atrás os sonhos – engano primordial (no começo dum histórico ciclo), que sempre se tornam, pesadelo real (no fim do mesmo ciclo) e,, finalmente inaugurar a paz espiritual (única real e duradoura), desde o nosso coração maior – transcendental: o coração místico já conectado com o Uno-Todo, e dentro de nós todo unificado e resolvido, pelo poder invencível da concentração não mental mística.

E, finalmente podermos todos já entender, que dualidade é um erro de perceção, condicionado pelo nosso medo, precipitado pela observação superficial do engano das aparências. E assim juntos refletir, aquele caminho “via crucis” de tormentos que nos levou a encontrar a luz, e finalmente poder ponderar interior e conhecer afirmativamente a senda: “Olhei a sombra e vi a luz, olhei a luz e a vi rodeada de sombras. Dum lado a sanação, dentro do espaço no tempo se projeta. Doutro lado o conhecimento que é também amor, dentro do tempo no espaço se levanta. Abaixo o escuro que governa o coração (dos vivos já mortos), no ódio, no medo e no rancor obtém seu alimento diário. Ambiciona o Louco Rei possuir, em seu sangre, derramado o mundo. Os os filhos e as filhas da grande ignorância, em seu nome matam. Supera o desejo associado à material ambição; supera a paixão néscia da carne; ultrapassa a irá e terás transformado teus tristes pesadelos, num caminho que conduz à esperança: àquela onde o amor dentro de ti, omnipotente, omnipresente e omnisciente somente por teu acordar aguarda”.

Eis porque o elevado ser místico, não pode ser vencido pelo poder das eleitas materiais dominantes: porque ele perdeu, no processo da crucifixão pessoal (dissolução do eu psicológico, e toda sua egolátria) o medo a qualquer tipo de morte. O místico que atingiu a luz não pode ser vencido por que conhece o verdadeiro Amor, e sabe, que o resto é simplesmente um jogo dentro da Matriz, criado pelo mau uso de nosso livre arbítrio. Ele sabe, e tu também, algum dia, hás saber que O AMOR SEMPRE VENCE.