Por Arturo de Nieves
Há duas maneiras de indignar-se pola perda progressiva do galego sobre as que hoje sinto a necessidade de falar. Reconheço que há ainda outras formas de indignação, legítimas, para além destas duas, mas são mesmo estas as que andam hoje a dançar no meu magim, sendo apenas três as ideias que compõem o razoamento:
Primeira. O galego perde-se, é evidente. Não acho necessário entediar o pessoal com dados estatísticos mil vezes comentados para justificar esta afirmação; tampouco penso que façam falha, pois acho que qualquer pessoa que more na Galiza percebe esta realidade: o galego reduz os âmbitos sociais onde conta com uma presença sólida e, ademais, o seu uso habitual tende a concentrar-se nas capas mais idosas da população. Perde-se, está em extinção. Poderíamos discutir sobre o grau em que se estão a dar os dous processos assinalados, mas parece difícil que alguém os poda negar em termos gerais.
Segunda. Perante este facto surge uma atitude de mal-estar provocado por uma sensibilidade com a perda de riqueza cultural. Assim, a desaparição duma língua –ou, no nosso caso, do conjunto de falas matriciais que há séculos pariram uma língua hoje genericamente conhecida como português– não deixa de ser uma míngua do tesouro que constitui o património cultural da humanidade. Com certeza, perder um idioma é algo traumático para o conjunto do género humano, pois com a língua que morre se apaga também uma parte importante da diversidade cultural que a espécie foi capaz de criar. Até podemos dizer que a perda pudera ser ainda maior, se a linguística relativista levasse algo de razão e a cada língua correspondesse uma particular conceção do mundo, como afirmavam também os velhos galeguistas; já não seria um simples código o que morresse, mas também uma forma diferencial de ver o mundo. E, se é certo que a nossa língua sobrevive na sua forma lisboeta, ou brasileira, ou africana, também o é que morre na sua forma galega, pois, se há discussão no relativo à gramática, polo menos concordaremos em que morre a nossa fonética.
Terceira. Mas, para além da indignação por estragarmos a herança do nosso passado, há também uma indignação que tem a ver com a perda do nosso futuro. E é que, seja qual for o futuro da Galiza, qualquer melhora do mesmo a respeito do amargo presente, passa por uma volta a nós mesmos. Um futuro dentro da economia de mercado, mas próspero, passaria por uma estratégia de progressivo fortalecimento da capacidade produtiva própria, assim como da sua direção; isto inclui a capitalização dos próprios recursos, também da língua, cujo papel estratégico a nível internacional é hoje inquestionável. Não parece que a atual estratégia de importação maciça da mercadoria “lengua española” esteja a produzir bons resultados e semelharia mais conveniente pouparmos os muitos recursos que destinamos a importar esse produto do que tão pouco nos temos beneficiado historicamente e começar a substitui-lo por um outro elaborado a partir das nossas matérias primas -as nossas falas-, que são grátis e continuam sem serem exploradas -e de seguirmos assim não espantaria que um dia destes aparecesse qualquer Massó a fazer negócio com elas-. Um futuro no quadro duma economia planificada, de acordo a um esquema socialista, precisaria, também, duma prática de substituição das importações e de nacionalização dos setores produtivos autóctones, invertendo a direção da colossal fugida de capitais atual, para começar a acumular uma riqueza que permitisse reduzir progressivamente a nossa dependência dos mercados e possibilitasse a nossa organização económica autogerida, fora das suas regras, como requisito sine qua non para socializar qualquer tipo de produção. Finalmente, num futuro baseado na autogestão libertária pareceria absurdo suster qualquer lógica de capitalização de bens alheios que, na forma de capitalização do espanhol, continuasse a propiciar o processo atual de substituição linguística, enquanto resultaria congruente promover alguma estratégia de valorização dos recursos próprios, que invertesse a subordinação simbólica atual de uns sobre outros.