A verdade sobre o conflito linguístico

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Por Arturo de Nieves

O esmagador conflito linguístico que brutalmente, dia após dia, marca o cerne da realidade social galega de hoje é amiúde, porém, negado. Conflito linguístico é tão só uma pobre etiqueta académica empregada para nos entendermos a cada vez que falamos da situação da língua na Galiza poupando, assim, muitas palavras, muitas dores de cabeça e algo de bile regurgitada, também. Se não optássemos por resumir aquilo que na Galiza acontece através da língua com as asséticas palavras conflito linguístico, ver-nos-íamos na pesada obriga de descrever esta realidade uma e outra vez sempre que quiséssemos fazer referência à dita situação. Haveria que falar da realidade, vaia… Assim, sem eufemismos, e isso dói. Deve doer. Porque falar do conflito linguístico galego é falar de tudo agás de língua. E é falar, basicamente, duma situação que incomoda muito e por isso deve ser que nunca ou quase nunca se fala dela na Galiza e que, quando se faz, sempre é sob o mágico eufemismo conflito linguístico. Mas não estão os tempos para andarmos com eufemismos edulcorantes ou nem sequer com diatribes teóricas soporíferas. Hoje cumpre só dizer a verdade. Cumpre descrever, ainda que doa fazê-lo, esses inconfortáveis factos que tanto nos afizemos a silenciar. E a realidade é a que é, a que todos e todas sabemos que é, ainda preferindo não reconhecê-la. Dela não se pode nem se deve fugir.

Todo o mundo sabe que há anos, muitos anos, na Galiza houve uma catástrofe nuclear de dimensões ainda maiores que a de Chernobil ou a de Fukushima. Explodiram daquela várias centrais nucleares ao longo de todo o país deixando muita morte e muita desgraça mas, anos depois, e estas são as pesquisas que nunca se fazem públicas, descobrira-se que aquele acontecimento modificara a genética de boa parte da população. O fenómeno afetara primordialmente a população dos principais núcleos urbanos, mais próximos das centrais, ainda que os efeitos não só se restringiram a eles. O resultado, como todos e todas sabemos, provocou mutações terríveis nas pessoas afetadas que, ademais, resultavam sistematicamente transferidas à sua descendência. Assim foi como aquelas pessoas começaram a perder penosamente as unhas e mais os dentes, que caiam apodrecidos a um chão no que era doado observar poças de pus e sangue.

A cena era dantesca e o pânico espalhava os seus efeitos tão aginha como avançam as faíscas num regueiro de pólvora. Os nenos, que a todo lhe acabam por perder o medo, recolhiam peças dentais que topavam nas ruas para guardá-las em gavetas nas suas moradas e logo jogarem a intercambiá-las nos recreios escolares. As mães, horrorizadas, amostravam o seu desconforto com o descontrolo que a Xunta tinha da situação. O protesto cidadão era a cada vez maior, já que a cousa tornara em verdadeiro problema de saúde pública, e o governo acabou por decretar o silêncio informativo sobre tudo aquilo que estava a acontecer. “Não se diz, não se sabe e se não se sabe, não há protesto”, costumava a dizer na intimidade o, na altura, presidente da Xunta. Mas a cousa ia para pior, muito para pior. Já não era simplesmente que aqueles segmentos de população fossem perdendo unhas e dentes; aquilo mesmo começava a perder importância, pois eram o que vulgarmente se diz gente de pasta e passados uns meses de penúrias e sofrimentos não tiveram problema em pagar por umas lustrosas e cómodas próteses que passeavam com orgulho polas principais ruas galegas. O problema foi que aquelas próteses acabaram por perder todo o valor, pois no lugar das unhas iam emergindo umas escuras gadoupas que pareciam nascerem já sujas e, no dos dentes, grandes colmilhos banhados em cuspe. O governo continuou com a sua política de silenciamento ao tempo que subvencionava a aquisição dumas novas próteses melhoradas, capazes de ocultar a abominável visão.

A população afetada adquiriu uma atitude enormemente agressiva com o resto da cidadania, até o ponto de resultar o mais habitual, para a imensa maioria de famílias galegas, terem vários membros que, sem discriminação de sexo ou idade, amostram enormes cicatrizes a testemunharem antigas ou recentes feridas provocadas por gadoupas ou colmilhos. São marcas de ódio, detestáveis, que os seus portadores acocham com vergonha e das que ninguém fala neste maldito país.

Máis de Arturo de Nieves