De mitos, comboios e aborrecimentos

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Por Arturo de Nieves

No trajeto tedioso do velho comboio que penosamente une a capital da Espanha com a Galiza, ando a fazer jogos mentais enquanto olho a seca do outro lado da janela. Pego a caneta e mais um papelinho com uma cara em branco e a outra com informação inútil; para fazer rascunhos, dissera-me há meses, num auto-engano ecologista tão absurdo como todos os demais auto-enganos que a escassa população não psicopática se vê na obriga de tomar um dia sim e outro também, na procura duma consciência tranquila –pois disso se trata, como nos explicaram os curas a quem sofremos a sua doutrinação aquando crianças–. E, enfim, andava eu a cavilar no mito da “Lengua Común”, tão efetivo como intelectualmente paupérrimo.

O mito da “Lengua Común” é, para além de toda consideração ideológica, uma simples falácia lógica. Ou isso vou intuindo… e, por ver se o dou argumentado, pois peguei a caneta e o papel, ainda sabendo que a vida vegetal que sacrifico ao produzir este resíduo não partilhará a pertinência de tão lírica imolação.

O discurso ‘Lengua Común’ é fácil de resumir nas seguintes proposições lógicas:

Ponto de partida (descrição):

i. Todos los españoles saben español.

ii. Algunos españoles, además de español, saben otras lenguas.

Derivação normativa:

iii. La igualdad entre españoles es un bien en sí mismo.

iv. El uso de la lengua española, común a todos los españoles, es lo único que puede garantizar esa igualdad entre ciudadanos iguales.

Retórica republicana a acochar um ideário impositivo de dominação simbólica ou cultural, que é o mesmo. Vejamos por que:

i. A igualdade cultural baseia-se na ideia de equivalência no valor dos atributos culturais de dous ou mais indivíduos.

ii. Se no Reino de España há mais de duas línguas e só uma delas dispõe da condição de ‘comum’ –como a Constitución Española define a língua espanhola ou castelhana–, então os indivíduos que assumam como língua própria qualquer outra língua, não poderão nunca achar-se em igualdade com os cidadãos a assumirem como própria a única que, previamente a qualquer razoamento lógico, se estabelece como comum no texto supremo do ordenamento jurídico espanhol –o qual declara delinquentes, por incumprimento flagrante dum preceito constitucional nítido, as muitas pessoas exclusivamente galegófonas da Galiza–.

Assim que a ‘Lengua Común’ é uma falácia lógica, pois @s galeg@s, ainda sendo legalmente espanhóis, não têm por que conhecer necessariamente a língua castelhana. Claro que para isso se estabeleceu um ponto de partida constitucional desenhado ad hoc e manu militari –lembremos o ‘ruido de sables’, que arguía o Adolfo Suárez para evitar a chegada da democracia ao Reino–, com o objetivo de fazer não só possível, mas inescapável, o discurso ‘Lengua Común’, doutro jeito simplesmente absurdo. É, pois, um razoamento circular, não dedutivo. Um truque de feira, vaia, onde o feirante trampulheiro, em troques de possuir uma espingarda que acalme lucidezes inesperadas, possui uma Constitución bourbónica.

Cumpre celebrar que a Galiza esteja dominada pola España-que-inventen-ellos e não por um outro pais que valore a cultura. Resultam mais doados de desarmar os seus mecanismos de dominação ‘cañí’ do que resultaria desarmar os da Ilustração que teorizou o estado jacobino francês; mas, também, por isso, a sensação de impotência não pode deixar de ser mais desesperante para quem tem o tempo e os recursos que permitem pensar nestas questões.

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