Desde a Galiza, uma achega a Pompeu Fabra i Foch

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O dia 20 de fevereiro é o aniversário do natalício de Pompeu Fabra. Aproveitemos a data para tirarmos algumas lições de bastante interesse.

E que interesse pode ter isso para a Galiza e os Galegos, dirá o comum dos leitores, a quem, além da Universidade Pompeu Fabra em Barcelona, o nome não dirá muito mais. Bastará, porém, dizer que, sem Pompeu Fabra, a situação da língua catalã pode que não estivesse tão afastada da situação que vivemos na nossa Língua nacional na Galiza.

A subordinação a Castela/Espanha

A união e o posterior submetimento dos reinos da coroa de Aragão à ideologia uniformista de Castela/Espanha seguiu caminhos muito divergentes dos que se produziram na união – mais precoce – dos reinos de Leão e Galiza com Castela.

A união da Galiza (Leão) fora um grande triunfo da ideologia compostelanista. Ocorreu em 1230 e foi mais um dos grandes triunfos com que essa visão do nosso sucesso, foi construindo o percurso do nosso insucesso nacional. Para o compostelanismo e neo-compostelanismo, a Galiza que construiu o estado chamado Portugal (o porto dos galegos) não existiu mais.

O processo de banimento das liberdades na Galiza foi a sangue e a fogo, e muito antes de que na Catalunha fosse banido qualquer direito (também a sangue e fogo).

A história constroem-na os vencedores, eles são sempre os únicos que cavalgam sobre o seu acervo histórico acumulado. Isso é o que afirma nídio o Tribunal Constitucional (essa espécie de terceira câmara de parte) na sua sentença sobre o Estatuto catalão, onde se nega que possa figurar qualquer referência a factos históricos, quer dizer, ao seu acervo histórico particular, pois esse já não existe, só existe o seu, o de “castela/Espanha”, que é apresentado como se fosse o de “todos”.

Quando no século XIX começa a recuperação popular da nossa língua, como diz o Fernando Corredoira no seu Prefácio do Sempre em Galiza: “Como previsível, o recurso ao modelo ortográfico castelhano foi inevitável. O ágrafo galego passou a escrever-se conforme a feição gráfica da língua oficial e única língua verdadeira – tal como ortografada desde finais do século XVIII. Este modelo tinha no mínimo duas vantagens invencíveis: era tecnicamente prestadio e era o único conhecido, o único aliás que podia conhecer-se.”

Na Catalunha toda, de Salses a Guardamar, de Fraga a Maó, dava-se uma situação que não era muito afastada da que se vivia na Galiza, com um submetimento da língua e da escrita ao castelhano.

Na Galiza há um vácuo no conhecimento destes temas apavorante, e forma parte desse vácuo o pensar, que no catalão, exprimido de jeito muito simplificado, -nunca houve ñ-.

Pois não amigos leitores, no catalão também houve um grave problema de degradação. Se algum se de ao trabalho de ler textos catalães desses catalães que faziam resistência à implantação do Bourbon a começos do século XVIII, na batalha de Almansa, na de Tortosa, Barcelona ou Palma, descobrirá um catalão muito afastado do que se gasta hoje em dia. Pois bem, esse modelo – o de base ortográfica do castelhano -, funcionava também na Catalunha. (Isso é algo que se desconhece na Galiza). E o modelo de língua que se gastava, não questionava o superior patamar ocupado pelo castelhano.

É curioso como os intentos e modelos de dividir o catalão, ao serviço de Castela/Espanha, andam a criar línguas de seu, e como reclamam o castrapo catalão e até o ñ como absolutamente próprios de essa língua. Eis um bom exemplo no esforço do PP nas Ilhas Baleares por criar o idioma Balear. Como estes há muitos mais exemplos, pois para Castela/Espanha, o castelhano é UNO em todo lado, e as demais línguas, das que se empodera do espaço, são sempre diversas e cheias de múltipla variedade.

Que aconteceu, que modificou no catalão de jeito determinante isso? Pois a personalidade e o assombroso trabalho de Pompeu Fabra. O nosso homem não era linguista, mas químico, mas desde muito novo apaixonado pela sua língua, e na ideia de que havia que limpar e polir o catalão, sistematizá-lo, trazê-lo á sua história etimológica, e integrar nele a paleta de todas as suas variantes, sob uma mesma gama de cores.

Ele começou dous trabalhos, a gramática e o dicionário da Língua, ele só, sem ajuda, fez os trabalhos de um Freixeiro Mato e a sua fantástica gramática da nossa língua, e de um Isaac Alonso Estraviz e o seu dicionário, mas isso sim, perto de cem anos antes que os nossos autores andassem nessas leiras. Ele fez os trabalhos de Carvalho Calero, se a Carvalho se lhe somar, trabalhos precisos e preciosos como os de Fernando Corredoira. Fabra, não foi tentando, como Carvalho, se não que desde bem cedo apanhou o caminho bem direitinho.

Tinha claro que havia que reconstruir a ortografia etimológica e histórica da Língua (e não tinha Portugal, como me diz a mim um professor catalão, se chegamos a ter Portugal…onde estaríamos). Depurar a língua de castelhanismos. E que o seu dicionário respondesse a um modelo que concebesse o catalão como uma língua que tem que ser NORMAL e GENUÍNA para ocupar todo o espaço social, que não pode ser reduzida e subalternizada a nenhuma outra. Como ele diz, uma língua subalterna representa povos subalternos

O sucesso da Catalunha, a que não faltaram entraves, foi o da boa acolhida que as suas propostas tiveram entre as elites de todos os países e espaços catalães.

A sua proposta normativa acabou sendo aceite por todo o lado, de Salses a Guardamar e de Fraga a Maó.

Poderia ter havido outro modelo no catalão, poderia ter existido outros modelos que ecoam em todas as propostas isolacionistas que se dão nesse espaço com o apoio do poder de Castela/Espanha.

O Franquismo até o ano 64 proibia o uso nas publicações do catalão sob o modelo de Pompeu Fabra.

Todos os ataques a unidade da língua vão sempre contra o cerne das propostas de Pompeu Fabra. E como diz há pouco o jornalista da Catalunha norte, e já que logo cidadão francês, Joan-Lluis Lluis, se Pompeu Fabra não tivesse existido, hoje não se viveria o processo de autodeterminação que se vive na Comunidade Autónoma espanhola do Principado. Não é por acaso que os ataques ao catalão dirigidos por Castela/Espanha, visam o cerne das propostas de Pompeu.

Pompeu na II República conseguiu ocupar a primeira cátedra da Língua Catalã na universidade e em 1939 teve que fugir como mais um exilado, ante o terror fascista.

Eis a formosa despedida que faz dele, a sua morte o escritor Josep Pla.

Na Galiza não tivemos nenhum vulto(s) que assumissem essa tarefa, nem sequer o saudoso Ricardo Carvalho Calero, quem foi muito mais recente no tempo com os seus trabalhos de criar um modelo de língua, mas ele nunca teve as cousas tão claras como Pompeu Fabra ao longo de toda a sua vida, pois era filho da nossa particular história clínica e deu muitas reviravoltas antes de se achegar a sua Ítaca particular, além de querer ganhar o consenso e somar às vezes gregos e troianos.

Quando a democracia subalternizada chega à Galiza, já foram lançados os alicerces da nossa subordinação. Os resultados são patentes por todo o lado.