Questionário de história contemporánea

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Da fita magnetofónica gravada por C. C. MORÁM FRAGA e J. MATO FONDO, apresentamos um texto inédito do notável sócio-lingüista catalám, que foi no seu dia relatório no I Congresso Internacional da Língua Galego-portuguesa na Galiza, que decorreu na cidade de Ourense em setembro de 1984. Esta comunicaçom nom está nas actas, pois nom se parte de umha conferência «lida». A adaptaçom publicou-se no número 17 da Revista Agália.

Quantos naqueles dias participámos activamente numhas reunions sem precedentes para a nossa história, nuns debates que julgávamos altamente esclarecedores e que, sem dúvida, o foram, tivemos a feliz oportunidade de perceber em Lluís V. Aracil umha das análises mais rigorosas a respeito da situaçom linguística e do problema nacional: rigorosa na sua brevidade, precisa na sua focagem e especialmente desmitificadora polo procedimento discursivo empregado.

Acrescento eu que nom se incorporou o intenso e saboroso debate posterior, no que estabeleceu que na Galiza estava  a acontecer um processo de substituiçom linguística estupefaciente. E repetiu isso ESTUPEFACIENTE.

Com recursos dedicados à língua e com pessoas felizes com esses recursos, com partidos nacionalistas -referia-se ao Bloco e PSG- satisfeitos desse projeto estupefaciente e colaboradores necessários, e com muito pessoal feliz de comer o caldo da “normalizaçom” linguística estupefaciente.

Afirmou: “vocês, na Galiza, tenhem um modelo de sucesso de substituiçom linguística, e o futuro da língua da Galiza e o mesmo que o do analfabetismo, desaparecer. Porém mudar isso está nas suas mãos”, ainda que ele nom enxergava por nenhures como isso poderia acontecer. Infelizmente achava que o reintegracionismo não tinha a força social necessária e carecia-se de políticas para nacionalizar a língua, urbaniza-la e projetá-la nas elites (e classes dominantes), pois o modelo estupefaciente era um canto ao castelhano, uma degradaçom da língua em que qualquer cousa castelhana passa por galego, e com o que vão descobrir que os falantes acabaram por terem mais retalhos dumha língua, que língua.

Nesse Congresso foi-lhe feita uma entrevista polo jornal La Voz de Galicia, que apareceu sob a intitulação O Futuro da língua da Galiza é desaparecer, como o analfabetismo.

Nessa entrevista torna a desenvolver que o projeto normalizador da Galiza é a implementação dum modelo de substituição línguística, e nom um modelo recuperador e nacionalizador da língua. Chegará um momento em que as pessoas galegofalantes deixem de ter língua, mesmo falando galego, ao ser uma coleçom de retalhos sob dependência da língua nacional que impõe o estado.

Quase 40 anos depois, e segundo os dados de vários inquéritos sobre a transmissom da língua, não chega a 6% as crianças que recebem das suas mães e pais a língua; é minoritária nos menores de 30 anos, de facto o 32 por cento da populaçom está tam instalada no castelhano, que o galego é para eles algo absolutamente alheio. E se falamos da qualidade da língua, pode-se constatar que os galegofalantes falam uma língua muito degradada e sob a chancela absoluta do castelhano. Cousa da que não são ausentes dirigentes nacionalistas galegos. O sistema de ensino, salvo a iniciativa ainda muito pequena das escolas Semente,  não é garantia de que isso seja assim. Afortunadamente, e como os milagres também acontecem, temos um movimento neofalante muito esperançador, mas que não substitui a normal transmissom intergeracional duma língua.

É contrastável isso com a situação das outras línguas do estado, das que afirmava Aracil, carecem da força duma língua internacional (Castelão, Extensa e Útil), mas na Galiza isso é decepado com uma eficácia demolidora, oh RAIA.

No informe vindo a tona da Plataforma per la Llengua 2022, tiram-se os seguintes dados positivos, além de todas as ameaças e o impacto das inúmeras pessoas chegadas aos Países Catalãs de todo o mundo: O 53% das mães e pais do Principado falam aos seus filhos em catalã. El 81,9% dos residentes do Principado, com um mínimo dum avo catalanoparlante, som falantes habituais do catalã. Se tiverem os quatro avós catalã-falantes, nesse caso eleva-se a dada de transmisão ao 92% (há que apontar uma cousa que na Galiza se desconhece, a burguesia catalã muito alta é castelhanista). A transmissão intergeracional do catalã é do 80% nas ilhas Baleares e dum 60% no País Valenciano. O catalã depois de 300 anos de ter desaparecido de zonas ao sul de Guardamar, como Oriola, voltou a estar presente lá, a haver famílias que o pedem, e até o concelho acabou de aceitar a língua com normalidade. Na Catalunha norte sob o jacobino estado francês o crescimento das escolas bressola em catalã tem mais força que nunca.

A recuperaçom do euskara é impressionante, e o sentido social do orgulho da língua é incrível; há muitos mais falantes de euskara nos menores de 30 anos que nos maiores de 70. Cada dia há mais espaços onde se poda fazer vida absolutamente normal em euskara, até em zonas como Bilbo. E na França o euscara é a língua minorizada que mais cresceu.

O texto é do mais assombroso, é uma lição magistral de sociolinguística e por favor leiam com atençom e nom percam uma vírgula.

QUESTIONÁRIO DE HISTÓRIA CONTEMPORÁNEA

lntroduçom

«Umha consideraçom interessante, talvez nom bem sabida, é que o sentido etimológico da palavra HISTÓRIA é investaigaçom. Isto pode surpreender, mas é assim. História, (o historía grega», é investigaçom. Pesquisa, inquérito, e só secundariamente «informe», «narraçom», sobre os resultados do inquérito. Digo-o porque realmente é importante diferenciar estes dous sentidos da palavra HISTÓRIA: a história questom, a história resposta. E é importante fazermos esta diferenciaçom porque na História achamos perguntas sem resposta -e algumhas que eu plantejarei som assim- e achamos também, sem dúvida, respostas sem pergunta. Som o que se costuma chamar «questons retóricas» ou de «catecismo», e o catecismo é um exemplo flagrante de respostas sem pergunta: Inventa-se umha pergunta a algo, para justificar como pretexto a resposta que nos perguntam.

« … de História CONTEMPORÁNEA: limitaçom, a meu ver, esclarecedora, «História contemporánea» é o que os livros de texto chamam História contemporânea. Por algo cumpre começar, e isso quer dizer que me limitaria a falar dos dous últimos séculos grosso modo, e entre meados do século XVIII (ou fins) e nós: portanto dous séculos.

História sócio-linguística da Galiza

Umha primeira cousa a fazer seria um inventário de que história socio-linguística da Galiza existe, o que é que há, o que se tem produzido.

  1. Descobriríamos, em primeiro termo, que quanto a «história-narraçom» (história-resposta) -e acho que sairám algumhas soluçons, talvez já saíram. – Fundamentalmente há dous tipos de «história-resposta», dous tipos de «história narraçom» (a que é mais ou menos institucionalizada): umha chama-se «História do Espanhol» (com «h» diante de «História», nom de «Espanhol») e outra diríamos que é «auto-história», «auto-crónica» «do Rexurdimento». Som duas histórias típicas que respondem a perguntas que realmente, creio, ninguém se planteja, e é um exemplo bastante claro o «catecismo» (o qual me recorda a época em que havia catecismos e um neno perguntava ao mestre: «conte-me a Criaçom», pergunta absolutamente espontánea e própria do neno).Em troca, brilha mais pola sua ausência é a «história-questionário». Eu limitarei-me a isso. E a este respeito tenho a impressom de nom se poder alegar falta de dados. Os dados existem, eu próprio espero assinalar alguns, e na realidade o que falta nom som os dados mas a curiosidade. O que faltou, até agora mesmo, fôrom as perguntas, até o ponto de parecer que os dados sobrem. É o que costuma acontecer nos países pobres: o limite da pobreza é que já lhes sobram os recursos, porque nom sabem como utilizá-los.

    Umha primeira questom global, mas que só nos serve para acedermos à matéria, seria perguntarmo-nos «QUE TEM FALADO, QUEM, NA GALIZA NA HISTÓRIA CONTEMPORÁNEA». Quer dizer, «COMO TEM FALADO» a gente na Galiza na História Contemporánea. Trata-se de umha pergunta muito geral que cumpriria esmiuçar, analisar. QUEM?, ONDE?, PARA QUE?, QUANDO? Cumpriria nom apenas esmiuçá-la, mas também acrescentar algumhas precisons como, por exemplo, o que é que se tem dito e se tem feito nos diferentes idiomas que se usárom. Bem, isso só nos facilita o acesso à matéria.

    As duas direcçons, os dous níveis de investigaçom que, por analogia com casos semelhantes, julgo especialmente produtivos, seriam, por um lado, indagar o que chamaríamos tendências demográficas -quantitativas- e por outro lado o que chamaríamos o “multidiscurso”. (Prefiro chamá-lo «multidiscurso» para reconhecer, desde o prefixo, que nom é simples).

 

Tendências demográficas

  1.  Falarei de «tendências demográficas quantitativas», tendências de um certo volume. Que tendências tem havido na História Contemporánea na Galiza? Globalmente haveria umha resposta, bastante brutal, que por sua vez nos leva à pergunta. A resposta brutal e simples seria que na História Contemporánea -e o que de la fica- poderia-se dizer: a História da Galiza é a história de como retrocede umha língua. Mas esmiucemos: quais fôrom as tendências mais volumosas e mais significativas?1. Nom há dúvida de terem sido duas, mas principalmente umha: a <umha> tendência foi a “bilinguizaçom” isto é, a generalizaçom da competência num idioma que nom por açar era umha língua nacional e que foi unida a cousas como a alfabetízaçom. Facto curioso: quando na Galiza se plantejou o problema de difundir o saber de letras, nom se questionou em que idioma, pois os que sabiam e exerciam de letras já tinham claro em que idioma o faziam. A bilingüizaçom dos falantes do galego, o facto de umha proporçom mais e mais grande da gente falante do galego ter adquirido -e nom apenas adquirido mas também coloquializado, e nom só coloquilizado más também à longa«nativizado»- o outro idioma, é sem dúvida, creio, a tendência mais grande da História Contemporánea da Galiza, sociolinguisticamente falando. Sem dúvida e a muita distáncia. O impressionante é que se umha pessoa pudesse voltar ao mundo após douscentos anos -e nom digo douscentos se nom talvez cinquenta, mas polo menos douscentos com segurança- ficaria abraiada ao ver que, por exemplo, o argumento típico para se dirigir em público em galego era antes o de ser o único idioma que entendia todo o mundo, argumento típico empregado agora para usar o castelhano. Isso é um cámbio, e a História, em parte ao menos, consiste em cámbios.

     

    a) Porém, essa tendência, que alguns acham tam natural e que parece imemorial, foi a minorizaçom mesma. Quer dizer, esta tendência chegou a um ponto no qual praticamente se extinguirom os falantes unilíngües do galego. (Nesta altura pode-se dizer que se extinguírom, e se nom for assim estám para se extinguir. Antes de desaparecerem já há muito tempo que nom contam! O menosprezo absoluto do falante unilíngüe do galego no seu próprio país é um dos aspetos mais sinistros e desagradáveis desta história: como foi maltratado, como foi pisado, como foi ignorado, em fim, é desagradável). E reparai bem: a desapariçom dos. falantes unilíngües do galego significa ter chegado a umha situaçom em que, na prática, todo o falante do galego é falante do castelhano, até tal ponto que saber galego implica saber castelhano, até tal ponto que a comunidade ou subcomunidade lingüística galega é um subconjunto da castelhana: relaçom de inclusom (e portanto é minoria, pois umha parte é sempre menor do que a totalidade). Isto é: a minorizaçom.

     

    b) Outro aspecto que me limito a assinalar é o seguinte: neste processo, por razons que vocês já imaginárom, tem sido mais forte a adesom da comunidade ou subcomunidade linguística galega à castelhana, do que a coesom da própria comunidade linguística galega ou galego-portuguesa. Precisamente um fenómeno típico das situaçons minoritárias nos processos de minorizaçom é que, amiúde, a adesom a outra comunidade é mais forte do que a coesom da própria comunidade.

    2. É, pois, umha tendência, e agora assinalo outra que foi consecutiva e portanto tem um desfasamento, um «décalage», um atraso, embora seja também digna de ser estudada. É consecutiva: é a unilingüizaçom. Se a bilinguizaçom fora a adquisiçom de um idioma (o castelhano neste caso), a unilinguizaçom foi o abandono do galego. Evidentemente ulterior, evidentemente posterior por razons que nom expliço. Como se produziu a unilinguizaçom? Como se abandonou o galego? Som questons a plantejarmos e eu, dispondo de mui pouco tempo, limitar-me-ei a recordar em público e aqui umha anedota, umha anedota que acho insuperável: um amigo galego que fala em galego aos seus filhos contava-me que os vizinhos galegos, lhe perguntavam: «E entendem-vos?» . Fim do chiste. O chiste nom tem apéndice, o chiste. Nada mais! Poderia ser que este tipo de gracejo fosse difícil de compreender em Portugal, pois -nom se sabe por que as crianças em Portugal nom brincam em castelhano, e cumpriria realizar um inquérito internacional para esclarecer este fenómeno e até que ponto a água do Minho a partir de umha certa altura ou baixura produz estes efeitos. Nom nos equivoquemos. A unilinguizaçom, o abandono do galego, é perfeitamente compreensível num contexto cujo esquema seria este: Há douscentos anos neste país havia dous idiomas, ambos os dous necessários para viver umha vida normal, e os dous; conseqüentemente, eram insuficientes. Era necessário o galego para a gente em geral se entender e para qualquer viver normalmente, e o castelhano era necessário talvez nom para isso, mas sim para muitas cousas. Entom, os dous eram necessários e portanto os dous eram insuficientes. Pois bem, hoje chegámos a umha situaçom na qual um idioma continuou a ser insuficiente e ademais chegou a ser desnecessário (o galego), mentres o outro continuou a ser necessário e ademais fixo-se suficiente. (O castelhano, nom é?). Mesmo um filósofo poderia detectar umha lógica neste sentido! Mesmo um filósofo … ajudado por um analfabeto insistente. Tais tendências podem ser detectadas, podem ser quantificadas, e a falta de dados censais é umha vergonha. A falta de dados censais deve-se a que as autoridades estatísticas desta parte do mundo pensárom com razom que «ojos que no ven corazón que no siente». E nisso tenhem toda a razom: como nom há estatísticas, aqui nom se tem passado nada! Porém, embora fosse assim, quero dizer -e darei umha pista elementar que é possível entendermos isto bastante bem. Eis o truque mais elementar: num momento dado os diferentes níveis de idade correspondem, «coeteris paribus», a épocas sucessivas. Há umha correlaçom brutal. Por conseqüência, se quigermos ter umha perspectiva diacrónica a partir de um panorama sincrónico, cumpre repararmos nos contrastes de idade. Elementar, querido Watson!. .. Justamente por isso mencionei as crianças. É o primeiro nível de idade que mencionei nesta história. Isto é, se comparávamos níveis de idade, compararíamos que se ainda há gente que nom sabe castelhano serám mais bem os velhos; que nom saber galego é mais bem próprio das crianças…, etc. Evidentemente.

As interferências

Falei até aqui de umhas tendências que podem ser estudadas demograficamente -devem sê-lo-, que podem e devem ser estudadas geograficamente (A geografia, de facto, é sumamente interessante. Nom há dúvida de existirem desfases, atrasos, fortes desníveis dentro da Galiza entre umhas zonas e outras. Nem há dúvida que estes fenómenos som significativos). Assinalarei, aliás, outro tipo de tendências para serem estudadas: as interferências. Todos sabemos que as interferências entre os dous idiomas em contacto forom enormemente unilaterais. Sabemos também que as inteferências do castelhano sobre o galego a esta altura nom som já umha infiltraçom, mas umha invasom. Todos sabemos isso. Sem dúvida produziu-se num contexto. Poderíamos chamá-lo a «castrapizaçom» ou como se quiger, mas para umha pessoa que nisto -sou eu- tem a vantagem de nom ser galego, isso representa-se de umha maneira terrivelmente patética. Poderíamos dizer: qualquer cousa que for castelhano pode passar por galego. A única condiçom é ser castelhano. Se nom, pode ser, por exemplo. «estrangeiro» ou português!

Pois bem. Aqui introduziria outro ponto de investigaçom com o qual assinalo um abismo, um abismo de ignoráncia, um abismo de «incuriosidade»: qual é o fenómeno sociológico mais interessante que há na Galiza? Poderemo-lo adivinhar entre todos? Nom digo o mais interessante do mundo, mas sim o mais interessante da Galiza, a meu ver:

A RAIA, A RAIA, A RAIA! (Primeiro prémio, segundo e terceiro do concurso, pois merece-os todos). A RAIA. Bem, e que cousa é «A RAIA»?

Nom o vou descrever. No entanto recordarei, por exemplo, que as fronteiras tenhem a ver com o senso da realidade. Cousas fantásticas! As fronteiras som, na verdade, umha sorte de laboratório super-realista. Tenhem a ver com o senso da realidade, tenhem a ver com o que é, com o que nom é, com o que deve ser, com o que pode ser, como o que nom pode ser, com o que se vê, com o que nom se vê … Mas centremo-nos. Indubitavelmente a RAIA é anterior à idade contemporánea. Porém, na idade contemporánea -e precisamente nela- adquiriu uns caracteres inéditos e terrivelmente novos. Eu proporia um tipo de inquérito que ainda nom foi, ao que parece, nem concebido e que poderia ser maravilhosamente revelador: fazer simplesmente um inquérito dialectal, a banda e banda, a lado e lado da RAIA, a diferentes níveis de idade. Arrisco umha orelha -felizmente tenho duas- a que se observaria que a gente mais velha fala mais semelhante; os jovens mais afastado. Já nom digo porque uns «falam» português e outros «hablan» espanhol! Isso, creio, deveria- -se incluir no inquérito. Seria «o limite» …

Quer dizer, que efeito fijo a RAIA? A RAIA, na realidade, é um fenómeno que assinalo como catalám, fenómeno ao qual sou singularmente sensível. A RAIA é, por um lado, um fenómeno local, que podemos estudar «in situ», aqui mesmo. Podemo-nos instalar e depois olharmos o que se passa, quanto passa, quando passa, quem passa, quem os deixa passar ou nom os deixa passar, por que dianho os deixa passar, com que cara os deixa passar ou nom os deixa passar. .. Todos estes fenómenos podemos estudá-los «in situ» e som muito interessantes. Como argumento sociológico número 1, A RAIA. Isso é certo.

Ora bem, nem todos os fenómenos som locais. Eis outro ponto mais interessante: afinal seria ridículo pensar que a RAIA separa Tui de Valença do Minho. Pois que separa a RAIA? Nom nos equivoquemos. A RAIA separa a Espanha de Portugal. E também nom separa a Galiza de PortugaL Nom. Nom fagamos chistes. A RAIA separa a Espanha de Portugal como o seu nome indica ou como as suas bandeiras indicam de urnha maneira avondo clara. Entom, que quer isto dizer? Que quer dizer a RAIA? Que importáncia tivo na História Contemporánea a RAIA? Daria umha pista também: o facto de as fronteiras serem essencialmente filtros por definiçom, e portanto serem substancialmente discriminatórias (ou nom serem nada. Também pode ser que nom sejam nada, mas entom significa que nom som fronteiras, obviamente).

Destarte, surgem as questons: o que é que discriminou! O que é que filtrou a RAIA? O que é que deixou passar? O que é que nom deixou passar? A RAIA é um fabuloso quantificador, um fabuloso discriminador. É permeável ou impermeável segundo de que e de quem e de como e quando se tratar. A RAIA é um analisador fabuloso de fenómenos sociais. Umhas cousas coamse sem ninguém o perceber, as outras detenhem-se absolutamente e nom passam em mil anos…

Aliás, a nível dialectal de coloquiais locais eu nom sei qual seria o resultado do inquérito, pois parece nem ter sido concebido. O típico é que os mapas dialectais do português providencialmente chegam até a RAIA, os mapas galegos-espanhóis providencialmente chegam até a RAIA, e providencialmente os uns com os outros encaixam simplesmente porque a RAIA anterior é a mesma. É óbvio, ao ser a mesma encaixam, mas nom há imbricaçom. Porém um facto é bem sabido: a língua nacional a um lado e a outro sim coincide perfeitamente com a RAIA. Eis outra prova da providência. Com efeito, há muitas provas da providência. Suponho que o sabedes: umha das provas da providência é que a abertura das pálpebras coincide justamente diante dos olhos e nom no cogote. Pois o facto de a língua nacional espanhola e a língua nacional portuguesa terem a sua fronteira justamente na RAIA é umha das provas da providência. Isso coincide com exactitude. Nom há um pelo de diferença. Coincide com os uniformes, coincide com a moeda (no ano 84 nom existia Shengen nem euro). Alá onde houver um tipo de uniforme, um tipo de moeda, um tipo de comboios, por exempIo … , isso sim coincide. Curioso!

Nom sei se os companheiros portugueses terám reparado num fenómeno bem esclarecedor. Realmente a RAIA nom foi ainda -embora poda chegar a sê-lo- umha raia entre duas gentes. É a RAIA entre dous estados, a RAIA entre duas naçons, o qual é muito mais complexo. Nom se trata apenas de gente. Um estado, umha naçom, implica umha organizaçom, implica outras cousas, nom é? E um aspecto dessa organizaçom é a facto elementar de essa língua de comunicaçom modema, de comunicaçom intelectual, de comunicaçom pública … ter sido neste lado o castelhano. E foi o castelhano porque a gente deste país que sabia, a gente deste pais que importava, que contava, .estava de acordo em que fosse o castelhano, e avonda. Em troca isso nom foi assim em Portugal: eis a diferença que explica, diria eu, o noventa por cento das demais diferenças. Tam simples como isso. O povo falava mais ou menos o mesmo, dos dous lados da raia, mas o povo nom contava. O povo era feliz, o povo nom contava. E os outros, os que nom eram povo, ah, os que nom eram povo! Os que nom eram povo, alguns eram espanhóis e os outros eram portugueses, e estes contavam e contam. Contarám, mas …

O multidiscurso

Espero que se fale também do «multidiscurso». Do multidiscurso daria eu assim mesmo pistas muito elementares para começar a indagar. Assinalaria a existência de, polo menos, dous discursos principais:

  1. Um discurso da necessidade, por chamá-lo assim, que vai unido ao espalhamento da língua nacional. Curiosamente esse discurso aqui, a este lado da RAIA, vai anterior ao espalhamento do castelhano. A gente há de saber de letras em que língua? A dúvida ofende! Ham-se civilizar! Cumpre pôr a RAIA! Em que língua falará a RAIA? ( … !) Bem, curiosamente, e felizmente, ao outro lado da RAIA também nom o questionavam. Uns e outros o tinham igualmente claro, salvo que nom coincidiam. Por que? Um discurso da necessidade de promoçom de umha língua nacional, e de resto a língua nacional significava o saber de letras, significava a vida moderna, significava as luzes, significava a comunicaçom, a discussom, etc., etc.TEM HAVIDO A ESTE LADO DA RAIA A PROPOSTA DE O GALEGO SER LÍNGUA NACIONAL? Questiono. Deixo a questom como questom. A minha impressom é que nom. Um dos fenómenos estranhos da Galiza contemporánea é ter chegado a pulular um certo nacionalismo galego centrado num idioma, o qual (idioma) nom foi concebido como língua nacional. Cousa, aliás, bastante absurda. Quer dizer, o nacionalismo galego baseava-se na língua galega, a qual (língua galega) nom era concebida como língua nacional! … Ao que parece, o chiste continua! Um fenómeno muito estranho! Parece que continua! Umha língua que nem sequer sabem como escrever! Umha língua na qual é «natural» ser analfabeto, como suponho o é o Senhor Reitor da Universidade de Santiago! E nom é umha indirecta. Eu sou sociólogo: isso supom que sei certas cousas. Se nom seria um néscio, um impostor. Portanto é essa a minha obriga: supor que o Reitor da Universidade de Santiago é analfabeto em galego, porque se nom eu seria incompetente.
  2. Há, pois, um discurso da necessidade, que invoca a necessidade como promoçom da língua nacional (aqui o castelhano unicamente, no outro lado o português), e há também outro que poderíamos -e deveríamos- chamar o discurso da boa vontade. O discurso da boa vontade é muito difícil de descrever, pois estamos tam afeitos a ele que nem caímos na conta, e como nom caímos na conta já nom sabemos a quem identificamos. Eu ponho por exemplo umhas palavras pronunciadas por Frédéric Mistral o 25 de Maio de 1884 no parque de Sceaux, perto de Paris, há justamente cem anos (10), e portanto merece esta lembrança. Trata-se de umha frase que condensa, a meu ver, o discurso da boa vontade. Umha frase que vocês acharám familiar, e eu lerei-na em francês precisamente. E nom a traduzirei, pois justamente nom a traduzindo será como vós próprios a acharedes familiar. Ei-la:
  3. «Oh Franee, mere Franee,
    laisse-lui dane à ta Provence,
    à ton joli midi, la langue si douce
    dans laquelle elle étudie, ma mere.
    Et puis à notre langue
    qu’ont parlé nos aieux,
    que parlaient là-bas tes paysants et [tes marins, tes soldats et tes (. .. ),
    à notre langue de famille
    fais-lui dans tes écoles
    une petite place à côté du français».

O discurso da boa vontade é, pois, um discurso ao qual estamos afeitos. Eu dei-vos umha mostra que suponho vos terá evocado -a quantos conhecedes este país- toneladas de papel impresso onde se diz o mesmo. E é o programa geral de todas as partes e o programa geral de todos os pontos da Galiza, etc., como vós bem sabedes. Nom é?

Bem, e com isso acabei de assinalar pontos e questons de História Contemporánea. Espero ter sido polo menos bastante provocativo -é o meu dever-, e para rematar quereria fazê-lo com umha cita, um dos poucos textos polos quais se poderia dizer que alguém concebeu o galego como lingua nacional. E pois o texto mesmo é a mesma atitude, eu leio-vo-lo, respeitosamente, a apresento-o à vossa atençom. Trata-se de A gaita gallega tocada polo gaiteiro, ou sea Carta de Cristus para ir de prendendo a ler, escribire falar ben a lengua gallega (lI). Inimaginável! Para que é apreender a ler e escrever a língua galega? Este homem estava louco! Em todo o caso esse homem era de Ponte Vedra, tanto se estava louco como sen nom, e chamava-se Joám M. Pintos. As passagens que eu acho pertinentes som as que seguem, passagens de verdadeiro interesse. Lerei no meu galego:

«Si non se imprime en Galicia
Un triste libro en gallego
E catro farafulliñas
Se gaban de non sabelo,
Poida que non tarde muito
En andar o idioma impreso
E que se lle suba às barbas
A outros que andan mui tesos.
E aposto cento por un
E mais pofia o que non teño
Que si catro galleguinos
Das catro esquinas do reino
Se sacoden, co él abrochan
Con patriótico empeno
Po las aldeas é vilas,
E cuiden de recollelo,
De compolo e arrombalo,
E facer un todo inteiro,
Juro a Dios volvo a decire,
Que ha de ser un gusto velo
Chegar a donde chegaron
Os outros, e en anos menos,
E mais inda rebasalos,
E deixalos ben arredro.
E saiban os perguiza
Que sin traballo e sin tempo
Ninguén fixo nunca nada
Nin se fará sin comezo.
E verdá que hoje non usan
O noso idioma gallego
Para leis, nin escrituras,
Nas oficinas, nin tempros,
Nin pofien declarados
Nin estenden testamentos,
De maneira que a mil probes
Lles meten gato por coello.
Mais isto ten outro rabo
Que enrrosca asobllamento,
E ten conta desfolalo
E desroscalo con tempo».

Estou perfeitamente de acordo com o autor. Muito obrigado pola vossa atençom.