26M em Compostela

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Compostela devia ser uma cidade onde a língua portuguesa florescesse como as margaridas do campo na primavera. Vejamos, o elenco enterrado no panteão real da Catedral de Santiago começa por um primo dos Condes de Portucale, continua com um tio político da rainha Teresa, um genro e um outro primo segundo do rei Afonso Henriques, mais uma irmã da Inês de Castro, coroada depois de morta. Esta relação de nobres galego-portugueses encerra-se com um toque internacionalista, uma rainha provençal. Perto da catedral, ainda hoje passeiam os viandantes pela Rua da Rainha, que era Isabel de Portugal. A Universidade compostelana foi a primeira em instituir a Cátedra de estudos galego-portugueses, dirigida pelo professor Carvalho. Desde 2007 a cidade virou sede da Academia Galega da Língua Portuguesa.

Ultimamente e graças à ação do último governo, Compostela tem sido nomeada capital da língua portuguesa junto a Brasília, Lisboa, Luanda, Maputo e hoje é membro observador da União de Capitais da Língua Portuguesa, junto à Covilhã, Mértola, Nampula e Ponta Delgada. Pareceria justo que as propostas dos partidos políticos que se apresentam a governar na Câmara Municipal estivessem atravessadas por este conteúdo transversal lusófono que tantas pegadas deixa na cidade, verdade? Vejamos as respostas municipalistas em 2019 a esta demanda popular que desde 2014 foi convertida em lei.

O primeiro é constatar, com mágoa, o retrocesso do grupo Compostela Aberta, que em 2015 incluía até quinze páginas destinadas ao desenvolvimento da Lei Paz-Andrade (1/2014) e para estas eleições não sai nomeada nem uma única vez. Lembremos que Compostela Aberta foi o grupo que governou nestes quatro anos e que o seu programa de 2015 significava, junto ao de Ourense en Común, um passo histórico na inclusão do reintegracionismo na ação de governo. Devido é acrescentar, ainda que não se apresenta em Compostela, que Ourense en Común ampliou as suas propostas lusófonas para a língua, como pode comprovar-se na sua página web. Compostela Aberta inclui, sim, no seu programa atual uma medida que já tínhamos visto no programa de Unidas Podemos para as eleições estatais do passado mês de abril: A criação de uma Casa da Lusofonia que, aliás, já existe e está formalmente registada no Estado espanhol. Como contraste, víamos no programa estatal de Unidas Podemos uma definição muito mais contundente de língua galega, onde não duvidaram em assumir a identidade linguística galego-portuguesa. Não é o mesmo trabalhar a língua desde a identidade do que desde um abstrato “instrumento útil e axeitado para vincularmos Galicia e España co mundo lusófono”.

O segundo partido é o BNG, que elaborou um programa geral para todas as localidades em que apresenta candidatura. Comprovamos que o BNG não inclui nem uma única vez a palavra “lusofonia”, nem “binormativismo”, nem qualquer outra consideração a respeito da forma da língua que defendem. Como vem sendo habitual, este partido apoia-se no carácter oficialista que a proposta isolacionista recebe da atual administração da Xunta que, como sabemos, leva lustros nas mãos do PP. Em resumo, que o BNG quer mais do mesmo para Compostela e propõe iniciativas inovadoras para que o mesmo continue igual.

Depois está o partido chamado Compromiso por Galicia que também se apresenta às eleições municipais em Compostela. Na altura da redação deste artigo este grupo político não tinha qualquer programa municipal, nem geral, nem concreto, nem disponível na sua página web. Então, por casualidade, consultei o seu programa para as passadas estatais de abril e levei uma surpresa. Tenho que reconhecer que no seu dia não tinha sabido deste programa e por isso não o incluí no anterior artigo sobre as eleições estatais. Quero agora emendar a falta e reconhecer que este partido, na sua proposta para toda a Espanha, nomeava quatro vezes a Lusofonia, quatro vezes Portugal e duas vezes a CPLP, pedindo a inclusão da Comunidade Autónoma galega como membro de facto. O programa de CxG dedicava vários parágrafos e pontos ao desenvolvimento da língua galega focada na Lusofonia. Isso sim, como corresponde a uma formação de direita, as suas propostas eram orientadas a objetivos empresariais e de interesses capitalistas mais do que à procura de uma formação integral da cidadania galega como pessoas livres e lusófonas de nação.

Há mais partidos que se apresentam às municipais compostelanas. Deles, o que dizer? Pois que, ou carecem de programa, como os autodenominados socialistas, ou carecem de interesse para a língua galega, como o trifachito. O que também não resolvem os partidos que sim se preocupam com a língua é o modo prático de enfrentar o conceito isolacionista imposto pela direita centralizadora, cujo objetivo para as línguas diferentes do castelhano está bem estabelecido no artigo 3 da Constituição de 1978. Perante isso é bom lembrar o trabalho do professorado que arrisca, dia após dia, a sua tranquilidade, prestígio e continuidade laboral no aprofundamento e ensino dos conteúdos lusófonos que permitem uma boa alfabetização em galego internacional.

Sempre lembrarei a transformação do ambiente no conservatório entre os anos 2012 e 2016 em que servi como coordenadora da Equipa de Dinamização da Língua Galega do centro. Nesse tempo quase um centenar de pessoas desde os 12 anos até adultas colaboraram voluntariamente com textos, poemas e composições musicais próprias escritas em Galego internacional, melhoraram o seu conhecimento dos países lusófonos, da música e literatura galegas e tocaram em espaços privilegiados como a igreja de Bonaval, a catedral ou o Museu de Arte Contemporânea. Dúzias de atividades artísticas anunciadas em português no conservatório induziram a uma abertura mental e cultural que, mais do que responder às minhas intenções, as desbordavam, deixavam pequenos os objetivos, viravam rudimentares os meios e cresciam em caminhos e iniciativas empoderadoras que escapavam a qualquer previsão.

Não foi este um mérito da professora, mas do alunado, da direção do centro e da enorme força política da Escola, que detenta um grande poder de transformação da realidade desde os seus membros mais jovens, e a sua influência fulcral na criação de espaços de liberdade e cultura. O professorado valente, como a Valentina Formoso e muitos mais trabalhadores pela língua, entesouram um poder que a cada dia lhes é roubado, como nos roubaram o dinheiro das preferentes ou o Paço de Meirás. A política hipócrita que a Xunta assume como própria favorece as denúncias dos odiadores do galego, que são os impostores do castelhano. A mim tocou-me viver que a Xunta dê-se a razão ao coletivo extremista Galicia Bilingüe e lha tirasse à professora funcionária e competente em língua portuguesa, como determina a Lei Paz-Andrade. Mas, e o trabalho de todo o professorado que ao longo do último terço do s. XX e nas primeiras duas décadas de XXI rompeu o lombo por defender a nossa dignidade contra as leis injustas?

Dizem que a política municipal é a mais chegada aos problemas da rua e da gente. Até quando os partidos políticos olharão para outro lado estes problemas concretos, populares, reais e próprios do nosso fazer diário? Por que é que desde as propostas municipais não se avança e mesmo se recua em projetos tão fundamentais como o da comunicação linguística? Por que não há um desenvolvimento municipal de iniciativas práticas de alfabetização e ensino em galego internacional? Por que não se potenciam e cumprem as leis justas? A este passo, não só os estremenhos, mas os chineses vão saber mais sobre Portugal e cultura portuguesa do que nós. Para responder estas perguntas deviam estar os programas políticos e o nosso voto devia servir para premiar as propostas mais inteligentes e construtivas. Pois aqui deixo, como no anterior artigo, os programas referidos e que cada quem tire as suas próprias conclusões.

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