O galego já está no Parlamento Europeu e no Congresso espanhol

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Na sequência das negociações entre partidos espanholistas e independentistas no Reino da Espanha temos passado uns dias atentas à decisão do dia 19 de setembro no Conselho de Assuntos Gerais da União Europeia. Finalmente, a oficialização das outras línguas do Estado espanhol não foi consumada. As notícias dizem que foi aprazada por faltarem estudos de financiamento, de impacto e de leis nas instituições europeias.

É claro que no Conselho da UE andarão preocupados com a questão financeira. A entrada de mais línguas das 24 já oficiais na UE aumentaria as despesas. A medida implicaria um impacto na contratação de profissionais da tradução. Já a questão das leis é um assunto mais simples que tem fácil explicação. A União Europeia tem umas instruções de uso das línguas que se apoiam na sua Carta dos Direitos Fundamentais. As línguas aparecem no artigo 21º do Título II (Liberdades) e no 41º do V (Cidadania) e dizem assim:

Artigo 21º: Não discriminação

1. É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.

Artigo 41º: Direito a uma boa administração

4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua.

A oficialização do català-valencià e do euskera na UE implicaria que as eurodeputadas, e todas as pessoas utentes, poderiam dirigir-se às instituições europeias e esperar respostas nessas línguas, quer por tradução automática no Parlamento, quer por tradução dos documentos enviados e recebidos. Também implicaria a tradução de páginas web e todos os documentos para as atuais 24 línguas, as quais passariam a ser 26. Ao parecer, os documentos gerados não se traduzem ao 100%, de maneira que o inglês é a língua mais favorecida, mesmo que o Reino Unido não faça mais parte da União.

A não discriminação e a boa administração

A União Europeia estabelece que as leis fundamentais dos Estados constituintes não podem ser contraditórias com a defesa da Carta dos Direitos Fundamentais. Porém, o Estado espanhol não considera plenamente oficiais as línguas propostas.

Se o Reino quisesse a oficialização na Europa dessas línguas, teria primeiro que oficializá-las completamente em todo o seu território e dar-lhes direitos e deveres que hoje ainda não possuem. Teria também que reconhecer a identidade linguística do galego-português, e do català-valencià. E teria que iniciar o mesmo processo para as outras línguas do Estado que ainda nem sequer são “algo” oficiais, como o astur-llionés-mirandês (este último em Portugal) e o aragonês.

Se o Reino quisesse a oficialização na Europa dessas línguas, teria primeiro que oficializá-las completamente em todo o seu território e dar-lhes direitos e deveres que hoje ainda não possuem. Teria também que reconhecer a identidade linguística do galego-português, e do català-valencià. E teria que iniciar o mesmo processo para as outras línguas do Estado que ainda nem sequer são “algo” oficiais, como o astur-llionés-mirandês (este último em Portugal) e o aragonês.

Seria obrigado o diálogo entre os Estados português e espanhol para concertar soluções para as línguas que atravessam as fronteiras. E também o diálogo com o Estado francês no caso do Iparralde (éuscaro) e da Catalunya Nord (catalão). Estas negociações visariam respeitar os direitos da Carta da UE referentes à não discriminação e ao direito a uma boa administração. As causas estão mais do que justificadas. As medidas diplomáticas e o financiamento que precisam é merecido e justo para as pessoas que habitam nesses países da União Europeia.

As esperanças vazias que foram lançadas

Porém, a proposta do Ministro de Exteriores espanhol, José Manuel Albares Bueno, não foi muito boa. Foi entregada sem acompanhamento dos estudos pertinentes e incluiu o galego no mesmo nível que catalão e éuscaro, sem atender à evidência de que o galego já está oficializado na União Europeia sob a sua denominação internacional de português.

As notícias sobre este assunto, algumas delas analisadas no PGL em artigos anteriores, puseram o foco na justiça da proposta, sem ter em conta a falta de justiça que se dá oficialmente no Estado espanhol: que as línguas propostas não são iguais ao castelhano, única plenamente oficial do Reino. Algumas associações bem-intencionadas apoiaram publicamente a proposta, muitas leitoras inocentes sentiram-se comprazidas e satisfeitas, até ao famoso treinador catalão Pep Guardiola pediu à Suécia que não se opusesse a esta medida.

Mas, não podia ser. A única razão pela que o galego já está no Parlamento Europeu é que é língua oficial doutro Estado diferente do espanhol. O Estado espanhol não tem igualdade, nem boa administração das línguas sob a sua responsabilidade política e administrativa. E isto vai contra a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. Pronto. Até ao Estado espanhol não mudar essa atitude e a situação político-administrativa das outras línguas, a União Europeia não oficializará o que ainda não é plenamente oficial nesse Estado membro.

A única razão pela que o galego já está no Parlamento Europeu é que é língua oficial doutro Estado diferente do espanhol.

A realidade das línguas não é a da RAG

Mais uma vez constatamos o que sempre dizemos. Menos mal que temos Portugal. É graças à República (portuguesa) que temos a língua galega em boas condições na Europa e naqueles países do mundo onde ela é plenamente oficial. Não têm a mesma sorte em Euskal Herria e nos Països Catalans.

Depois do aprazamento para bascos e catalães, nós continuamos com a nossa língua nas instituições europeias, igual que estava antes e desde 1986 em que foi oficializada. A norma ILG-RAG não é oficial na Galiza, nem na Espanha, nem na Europa. A política linguística exercida desde a Xunta e desde o Governo estatal só serviram para a normalização do castelhano. Essa é também uma evidência sociopolítica e administrativa da nossa época que já leva décadas sendo estudada por linguistas competentes como António Gil Hernandez ou Mário Herrero Valeiro. Maria Peres ‘Balteira’ revolve-se na sua tumba.

O galego no Congresso espanhol

Como contraponto à falácia da proposta espanhola na Europa, nesse mesmo dia, 19 de setembro de 2023, sim aconteceu na Espanha uma boa e realista notícia. As línguas propostas para a Europa entraram no Congresso espanhol pela primeira vez na breve história desse Estado. Fizeram falta dous séculos após o início em 1812 para esse justo e necessário reconhecimento. Esse é um passo no caminho que a União Europeia reconhecerá mais para a frente, quando também se mude o Artigo 3 da Constituição e as línguas propostas se façam oficiais de pleno direito.

Hoje, o galego-português é um pouco mais oficial do que ontem no Reino da Espanha. Também o éuscaro e o catalão-valenciano. É uma ótima notícia para todos os países de língua própria que na atualidade conformam o Estado espanhol. Atrás ficam as mentiras sobre os motivos por que isto não aconteceu antes: o regulamento do Congresso não o permitia, era uma loucura, a Espanha iria romper, etc. Nada disso era certo, porém como era reiteradamente vomitado pelos meios espanhóis, muita gente acreditava nalguma ou em todas essas mentiras.

O certo é que o caminho do reconhecimento oficial pleno das línguas diferentes do castelhano, se bem é difícil, é o único para melhorar a vitalidade dessas línguas e o seu reconhecimento na Europa. Esse caminho passa pela obriga de serem oficiais em todo o território do Estado. A necessidade de termos não somente direitos, mas também deveres com as línguas próprias. E a liberdade de poder usá-las em qualquer lugar do Estado espanhol.

O certo é que o caminho do reconhecimento oficial pleno das línguas diferentes do castelhano, se bem é difícil, é o único para melhorar a vitalidade dessas línguas e o seu reconhecimento na Europa.

E, com tudo isso, o problema galego não se resolveria com estas medidas. Porque aqui ainda está sem resolver a “questione della lingua”. A mãe do anho. O miolo do assunto. O cerne da árvore. O tutano. O núcleo. O âmago. Como quiserem chamar.

Ainda está por estabelecer de maneira oficial aquilo que dita a Filologia Românica, a Linguística, a Sociolinguística e o senso comum: Que o galego-português é galego e é português, a mesma língua com vários nomes para cada variante europeia. Porque se, afinal, o que se oficializa plenamente no Reino da Espanha é a ideia da divisão da língua, então na Galiza não teremos ganhado nada e sim perdido tudo.

Não é piada, gente. Nem conversa fiada. É o nosso futuro. E o futuro não perdoa.

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