A língua portuguesa nas eleições espanholas

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Ilustração de Zé Gouriz Cunha.
Ilustração de Zé Gouriz Cunha.

Surpresa. Em 10 de novembro haverá de novo eleições no Reino da Espanha. Quem mo ía dizer em abril, quando eu publicava esta impressão sobre um facto único até ao momento na Galiza. O partido En Común-Podemos introduzia no seu programa eleitoral para umas eleições estatais dois pontos historicamente resenháveis porque num deles assumia a identidade linguística galego-portuguesa e no outro nomeava diretamente a Academia Galega da Língua Portuguesa. Tal cousa nunca tinha acontecido antes com um partido estatal maioritário. Como depois disso havia eleições municipais, animei-me a fazer uma outra comparação entre os programas compostelanos, que a cousa tinha muita miga, mas sobretudo muita côdea. Deixo para a releitura os nostálgicos comentários do que aconteceu naqueles tempos, que parecem tão antigos, e hoje caio de novo na tentação de ler sob a perspetiva reintegracionista os programas eleitorais para as próximas eleições.

Escolhi unicamente os dois partidos políticos que se apresentam com alguma preocupação pela língua da Galiza. Ficam, assim, descartados os programas do PPdG, do PSdG, dos Cs, dos Vox, dos Pacma e tantos outros irrelevantes linguísticos. Li com interesse os programas de En Común-Podemos (EC-P) e do Bloque Nacionalista Galego (BNG). Dois partidos que nasceram em épocas diferentes, por razões diferentes, cuja história de dimensões diferentes não poderia mais do que refletir umas realidades bem diferentes e, contudo, na perspetiva linguística parecem não diferir assim tanto.

Em primeiro lugar, constato que EC-P mantém em novembro o seu programa de abril. Se em abril havia 36 ocorrências para a palavra “lingua”, no novo programa há 37 e os dous artigos históricos, hoje nos números 358 e 363, continuam exatos na sua redação:

358 Recoñecemento da lingua galega como lingua internacional. Declaración e definición da lingua galega como lingua internacional pola súa conexión co mundo da lusofonía e por compartir a mesma lingua cunha comunidade de falantes de máis de 200 millóns de persoas, permitindo a comunicación e interconexión sen necesidade de que exista mediación.

363 Creación dunha Casa da Lusofonía. Crear a casa da Lusofonía con sede en Galicia como forma de estimular as relacións de Galicia e o Estado español co conxunto de países que integran a lusofo­nía. Establecer contacto coas institucións precisas para a súa posta en marcha, ademais do Ministerio de Asuntos Exteriores e a AECID, a Xunta de Galicia e o ámbito municipal galego onde se determine a sede para constituír o consorcio para a súa posta en funcionamento. Implicar ás institucións relevantes para garantir o desenvolvemento deste proxecto: Consello da Cultura Galega, Real Academia Galega, Academia Galega da Língua Portuguesa, e Instituto Galego de Análise e Desenvolvemento Internacional (AGADI).

Em segundo lugar, quanto ao programa do BNG, devo dizer que levei uma grata impressão e, ao mesmo tempo, uma profunda estranheza. Observei um incremento no número ocorrências da palavra ‘lingua’, das 6 de abril passaram a 11 em novembro. E, dessas, duas delas eram sobre a “língua” escrita com o seu pertinente acento lusófono. Então reparei em que na penúltima e última páginas do programa para novembro há 6 pontos escritos em português. Quero deixá-los aqui bem explícitos porque representam outro momento histórico. Sem ser a primeira vez que um partido político galego apresenta um programa com conteúdos escritos em português, pois o Partido da Terra tem essa honra bem ganhada, sim é histórica a mudança do BNG, neste caso assumindo as propostas da AGAL:

  1. Desenvolvimento integral da Lei Paz Andrade:

a) No ensino. Marcar prazo de uma década para o português ser segunda língua em 20 por cento dos centros de ensino pri­mário e segunda língua estrangeira na totalidade dos centros de ensino secundário.

b) Nos meios de comunicação. Criar identidade comum aos dous lados da raia. Gerar afetos culturais e históricos gale­go-portugueses. Promover o contacto real com o português de Portugal e do Brasil, popularizando o seu conhecimento: pro­gramas televisivos, conteúdos culturais para toda a população e não apenas a culta.

  1. Propostas para:

a) Reconhecimento do galego como língua internacional.

b) Criação de uma Comissão Técnica para assessorar as trocas culturais e mediáticas (fundamentalmente televisivas) em se­guimento da LPA com participação de meios de comunicação galegos e portugueses, empresários com interesses em Portu­gal.

c) No âmbito internacional. Aprofundar na identificação da Galiza como mais um país do que se conhece no mundo como Lusofonia, dirigindo-se às instituições e partidos desses países para a Galiza ser considerada fazendo parte da Lusofonia.

d) Reimpulsar o observatório da Lei Paz Andrade ou da Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias em que seria conveniente que estivessem os setores da sociedade galega mais implicados na aproximação da Galiza e Portugal.

É uma grande notícia que, após tantos anos na longa vida do BNG, ao fim este partido tenha tido a ideia de refletir de modo literal as propostas de uma associação reintegracionista com bastantes associados que levam outros tantos anos militando nas suas filas. Alegramo-nos por isso, ainda que nas propostas do BNG não achamos uma identificação tão clara e valente de galego e português como no programa de EC-P.

A profunda estranheza percorreu-me depois. Antes de fechar este artigo fui verificar na página do BNG o seu antigo programa para abril. E aí comprovei que o arquivo PDF atualmente disponível na página do partido é diferente do que eu tinha comentado em 17 de abril. As leitoras podem realizar a sua própria comprovação comparando o arquivo publicado no meu artigo do PGL, e o que atualmente está na página do BNG para o mesmo mês. O programa que eu vi tinha 51 páginas e acabava com as propostas do Colexio de Xornalistas da Galiza. Porém, o atual “programa de abril” tem metadata de 26 de abril (as eleições eram em 28), consta de 52 páginas, uma capa diferente e contém as propostas de diversas entidades galegas, incluídas as da AGAL… Não é estranho que um partido mude o seu programa no último dia da campanha?

Mas, além disso e indo ao que interessa, se um dos partidos aposta pela identidade linguística galego-portuguesa e o outro por expressar-se de modo democrático nas diferentes normas ortográficas, o que inclui as normas da língua portuguesa, por que é que estes dous partidos não se achegam um pouco e fazem uma frente comum linguística perante o fracasso da normalização do PP? Vemos os PPxxECsVox absolutamente unidos pela bandeira da Espanha e a imposição do castelhano. Por que, após séculos de abandono e quatro décadas de ignomínia, teremos agora que renunciar a uma unidade de ação da esquerda em política linguística galega?

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