Uma pomba de rama em rama. O viver errante de Rosalía de Castro

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Por montes e campías,
camiños e espranadas
vem unha pomba soia,
soia de rama em rama.
Síguena as probes crias,
sedentas e cansadas
sin que alimentos atope
pra darlles a sua bicada.

Num dos últimos números de Sermos Galiza (18/2/2023), dedicado integramente a Rosalía, lia dois artigos muito interessantes: “Espazos de Rosalía en Compostela” e “A Coruña de Rosalía”. No primeiro, a sua autora (Mercedes Espiño) escrevia ao começo: “Rosalía nunca tivo casa de seu”, e apontava com acerto o seu poema “Sem niño” como metáfora do viver errante que teve.

Sabia do viver errante da maior glória das nossas letras, mas quedei abraiado ao ver o percurso, completado com o artigo de Carmela Galego “A Coruña de Rosalía”. De casa em casa ao longo de toda a sua vida, desde o seu nascimento até a sua morte. Toda uma vida em casa emprestada ou de aluguer, sempre sem cas de seu como quer todo galego. Menos mal que ao remate ficou-nos a casa da Matanza em Padrón, na que finou, e o lugar de descanso final dos seus restos no Panteón de Galegos Ilustres em Bonaval, para honrar a sua memória em algures. Filha duma fidalga e mulher dum homem ilustre da cultura galega já em vida, a sua escasseza de meios económicos levou-a a não ter nem uma só casa de seu onde viver –não digo as casas várias de Emilia Pardo Bazán…–e mesmo passar apuros para manter a sua numerosa prole. Ela e o seu homem padeceram o sino de grandes escritores, intelectuais e artistas ao longo da história.

De casa em casa ao longo de toda a sua vida, desde o seu nascimento até a sua morte. Toda uma vida em casa emprestada ou de aluguer, sempre sem cas de seu como quer todo galego.

Nem sequer temos a casa onde nasceu um ventureiro 23 de fevereiro de 1853, no Caminho Novo, no concelho de Conjo, hoje de Compostela, pois desapareceu em 1973. Tampouco temos a casa onde viveu os seus primeiros anos; possivelmente em Ortonho (Ames) com uma tia irmã do seu pai José Martinez Viojo, que foi a sua madrinha; ainda que não estivesse ausente a proteção da sua mai, Teresa de Castro, que seguramente nunca a abandonou, contrariamente ao que se disse muitos anos. Em todo caso, hoje sabemos que entre 1842 e 1850 vive em Padrón com sua mai, numa casa da Rua do Sol. E entre 1850 e 1856 com ela e com a sua madrinha em duas casas de Compostela: na Rua Bautizados e na Rua Entrecercas. Nesses anos acode ao Liceu da Mocidade, estuda e participa na vida literária; e, possivelmente, é tocada pela fome que padeceram grande parte dos galegos no ano 1853, no qual a miséria e o frio assanha-se com Galiza. Rosalía vai viver a Madrid em 1856, com a intenção de se abrir caminho no teatro e a literatura; ali vive com a sua curmã Carmen Lugin na Rua Ballesta. E ali conhece Manuel Murguía, com quem casará em 1858; volve de contado a Compostela para ter a sua primeira filha Alejandra.

Em Compostela vive Rosalía primeiro na Rua do Vilar com a sua filha Alejandra e com sua mai Teresa até a morte desta em 1862. Entre 1863 e 1866 fá-lo na Praça da Universidade, face ao Mercado. Desta casa passa a viver na Rua Caldeiraria. Na cidade compostelã dá a luz daquela a sua segunda filha, Aura. E no 1868 vai viver com o seu homem e as suas filhas a terras castelãs, em Simancas, onde Murguía fora nomeado diretor do Arquivo Geral do Reino. Até 1871, quando nascem os seus filhos gémeos Gala e Ovidio, possivelmente em Lestrove na estadia estival.

Parecia que se ia conseguir então uma situação acomodada, mas não foi assim; Murguía é trasladado ao Arquivo do Reino de Galiza e venhem viver à Corunha. Entre 1871 e 1873 será num piso acomodado e privilegiado da parte alta, na Rua do Príncipe, perto do trabalho do homem, onde possivelmente nasce a sua filha Amara. Mas logo devem passar a outro mais modesto do Campo de Santo Agostinho, ao ser desafiuzado por impago no anterior; ali estarão até o remate da estadia da família na Corunha em 1875. As constantes ausências de Murguía por viagens a Madrid e outros assuntos, e a escasseza de meios, faz de Rosalía, que tira como pode da sua enfermidade e da sua prole, “unha pomba soia de rama em rama” com as suas “probes crias,sedentas e cansadas”.

Passam logo a viver de novo em Compostela até o ano 1882. Esse ano instalam-se definitivamente em Padrón, na casa da Matanza, até a morte da poeta em 1885. Os seus restos repousam no cemitério de A Dina até o traslado a Bonaval em 1891, onde pode acougar da longa peregrinação.

[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]

Máis de Victorino Pérez Prieto