Três muros

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Ao contrário que as prisons esquematizadas nas nossas mentes, e por vezes reproduzidas em novelas ou filmes, as cadeias da actualidade nom tenhem um muro, senom vários, cuja funçom dissuasória ainda se reforça por fossos, valhas, arámios farpados, cámaras, patrulhas e sistemas de alarma.

E ao contrário que os processos sociais e políticos esquematizados nas nossas mentes ou nos nossos panfletos simplórios, os processos sociais e políticos reais nom tenhem que superar um atranco –‘superar o capitalismo’ ou ‘independizar-nos de Espanha’– senom dúzias deles. Valendo-nos da analogia, nós também temos que saltar vários muros. Antes de ser quem de saltá-los, precisamos conhecer que estes existem. Possivelmente, a cada geraçom militante (no melhor dos casos) apenas lhe é concedido polas circunstáncias salvar um dos muros, deixando para a seguinte o próximo desafio.

Um poderia ser, no sentido literal, o da ignoráncia. Absortos como andamos nas nossas tarefas esgotadoras, perdemos muitas vezes de vista que umha imensa maioria da populaçom ignora, simplesmente, que existimos. Se um estudo independente inquirisse objectivamente no país que percentagem da cidadania conhece que existe umha proposta em favor da República galega e dum modelo social radicalmente diferente, ficaríamos seguramente pampas com o exíguo da cifra. Os gigantes mediáticos, o sistema educativo, as profundas cumplicidades da casta política que vive do statu quo, conformam um bloco que fai difícil às nossas propostas serem ouvidas, bloqueando toda voz dissidente. O arredismo fijo um grande esforço por reequilibrar esta desigualdade de recursos recorrendo, no passado, à acçom ilegal, com o grande eco mediático e convulsom social que esta provoca; e ontem, hoje e sempre, a um propagandismo incansável sufragado com os petos da militáncia, e que tivo como principal cenário as ruas, os muros, as estradas ou os centros de ensino da Galiza. Tentou salvar o muro da ignoráncia com um esforço exaustivo, em definitiva, com o recurso à energia, à acçom, à força.

Os gigantes mediáticos, o sistema educativo, as profundas cumplicidades da casta política que vive do statu quo, conformam um bloco que fai difícil às nossas propostas serem ouvidas, bloqueando toda voz dissidente.

Um outro poderia ser a incompreensom. Pois dessa pequena parte da populaçom que nos conhece, umha porçom importante ainda nos contempla com as lentes do prejuízo ou a hostilidade manifesta. Sem demasiado esforço reflexivo, considera a nossa proposta como um subproduto das utopias, das ingenuidades, dos delírios ilusórios ou da contracultura que serve apenas para nutrir os tempos juvenis; no pior dos casos, ainda o julga umha forma de irracionalidade, violência, retrocesso social e caos político. O arredismo, com plumas autodidactas, pensadoras académicas ou activistas forjados na comunicaçom, tem acometido também a importante empresa de fundar racionalmente as suas teses, ou demonstrar o sensato da proposta. Tentou salvar o muro da incompreensom com o recurso ao pensamento e ao ideário argumentado e menos paixonal.

O arredismo, com plumas autodidactas, pensadoras académicas ou activistas forjados na comunicaçom, tem acometido também a importante empresa de fundar racionalmente as suas teses, ou demonstrar o sensato da proposta. Tentou salvar o muro da incompreensom com o recurso ao pensamento e ao ideário argumentado e menos paixonal.

‘Three walls” de Reymond Abraham

Finalmente, ante nós tem-se erguido o muro da desavença. Se bem que o Estado o tem fomentado co medo, espionagem e provocaçom, nom seria honesto culpar exclusivamente o poder. As dinámicas dos movimentos sociais –nom apenas do independentismo– som muitas vezes demasiado convulsas, demasiado intriguistas, demasiado complexas internamente, para manter nas suas fileiras pessoas já de por si esgotadas pola precariedade laboral e as durezas da vida quotidiana, com a sua cárrega de cuidados, doenças e desvelos. Sobre-especializados em agitaçom e prosa política, somos verdadeiros analfabetos da vida comunitária.

Para equilibrar o silenciamento recorremos à força militante; para superar os prejuízos recorremos ao pensamento. E para superar a desavinça? Falta-nos mesmo umha palavra-antídoto que sintetize a nossa resposta, o que de por si já o diz todo: nom temos trabalhado abondo neste atranco. O pensador Ivan Illich acunhou o termo ‘convivencialidade’ para definir aquelas sociedades que dispunham de tecnologias simples e facilmente manejáveis para manter umha certa estabilidade e harmonia entre os seus membros. Umha mistura de pautas culturais, sistemas de regulaçom implícitos e sabedoria, que evitavam a um tempo a decadência e a guerra interna.

O pensador Ivan Illich acunhou o termo ‘convivencialidade’ para definir aquelas sociedades que dispunham de tecnologias simples e facilmente manejáveis para manter umha certa estabilidade e harmonia entre os seus membros.

Nom nos tem faltado força nem determinaçom, nem tampouco os nossos argumentos carecem de solidez e poder de conviçom. Mas a falta de sabedoria sobre os colectivos e as suas dinámicas nom nos ponhem, na verdade, mui por diante dumha sociedade neoliberal em que os indivíduos apenas confluem para cumprir certos contratos temporais e efémeros, onde todo entendimento é meramente utilitário e rapidamente caduco. Temos tudo por aprender, sem medo ao erro, no laboratório apaixonante e inesgotável da mesma vida colectiva.

[Este artigo foi publicado originariamente no galizalivre.com]