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Eduardo Maragoto: “Se tomarmos certas pequenas decisons, mudaremos radicalmente o status do galego”

Eduardo Maragoto nasceu no Barqueiro em 1976, e criou-se em Feás, Carinho, num ambiente familiar galegofalante e galeguista. Envolvido de mui novo na causa do idioma, aderiu de partida ao reintegracionismo, que defende na sua prática como docente na EOI, e no seu compromisso com da AGAL, que presidiu até há uns meses. Colaborou em tarefas de revisom linguística no Novas da Galiza, e dinamizou iniciativas normalizadoras desde os centros sociais. Conversamos com ele para conhecer umha panorámica do movimento reintegracionista, e dos reptos presentes e futuros da língua.

Que recordas da tua tomada de consciência linguística, e do teu primeiro achegamento ao reintegracionismo?

Para mim isto tudo foi natural, desde que me criei numha família galeguista; um modelo de família nom mui frequente na Galiza, especialmente se considerarmos que a minha estava afastada geograficamente dos núcleos urbanos ideologicamente mais activas. Somos de extracçom social agrária, e já desde o franquismo o meu pai e o meu avô tenhem umha consciência galeguista clara. Desde meados dos anos 80, meu pai adere a umha visom reintegracionista, assim que eu já respirara esse ambiente ao chegar à universidade, no ano letivo 94-95.

Como te integrache activamente na defesa do idioma?

No meu primeiro ano académico começo a vincular-me com sindicatos estudantis da órbita do BNG, nomeadamente os CAF, mas como a minha motivaçom principal foi sempre idiomática, e o reintegracionismo era central para mim, fum arrastado para as organizaçons de matriz independentista. Logo, com a mudança de século, já a minha dedicaçom central é a luita polo idioma. Começo a trabalhar como docente de português em Valência, desenvolvo actividades de corrector no Novas da Galiza, redijo notícias desta temática, e implico-me logo na comissom de língua da Gentalha do Pichel, e na AGAL.

Transcorreram trinta anos desde aquele reintegracionismo de meados dos 90. Que transformaçons viveche neste movimento?

Há traços que se partilham mas há, é claro, aspectos diferentes, porque a própria sociedade mudou muito. Eu vivim isso tudo mui de perto. Penso que no segundo lustro dos 90 o reintegracionismo atravessava um momento crítico: morrera já Carvalho Calero, e começávamos umha decadência: a AGAL tinha apenas 150 sócios com as quotas em dia, algo mui arredado da atualidade. Logo, também havia um cisma interno ortográfico dentro do movimento, e um vínculo mui forte com o independentismo político.

Julgas que o vínculo com o independentismo era um atranco?

A AGAL sempre pretendeu manter umha zelosa independência política, e eu acho que isso deve ser assi, ainda hoje. Que acontecia? Que os vínculos nom se podiam negar, tinham natureza ideológica; pois o independentismo defende a importáncia de haver estados para conservar umha língua, o que encaixa bem com a proposta reintegracionista. Ora, ambos os movimentos vinham de sofrer fracassos: ficaram marginais na transiçom política, e fixeram umha travessia no deserto nos 80 e nos 90. Por isso conviviam. E claro, na sociedade deu-se umha identificaçom entre ambos, e umha identificaçom mui parcial.

A AGAL sempre pretendeu manter umha zelosa independência política, e eu acho que isso deve ser assi. Que acontecia? Que os vínculos nom se podiam negar; pois o independentismo defende a importáncia de haver estados para conservar umha língua, o que encaixa bem com a proposta reintegracionista

Entom, qual foi ao teu ver a melhora?

A meados de século, a partir de 2001, entra umha nova diretiva na AGAL, chegam dirigentes mais abertos à sociedade, menos sectários no político (e isto de sectários digo-o sem intençom pejorativa, é apenas descritivo). Acham que o reintegracionismo deve abrir-se a qualquer pessoa sem lhe perguntar de onde vem. Também se estende o movimento dos centros sociais, em que ambos movimentos, independentismo e reintegracionismo, convivem com muitas pessoas que tenhem outras causas, ou mesmo que nom tenhem causas. Que se interessam pola música, por exemplo. Isso começa a dar umha imagem mais aberta à sociedade, mais feliz de existir, nom em constante queixa. Logo há um outro fator: chega a internet, e muitas pessoas começam a aproximar-se do reintegracionismo individualmente, nom através da vida associativa, e portanto sem peneira ideológica nenhuma. Assi, vai-se modificando a nossa imagem na sociedade.

Portanto, consideras que nas últimas décadas o processo foi de melhora em todos os sentidos, sem perdas e sem contrapartidas?

Pois certamente. Por vezes algumha gente fala de cousas que se perdêrom, mas nom sei a que se referem. Si, vejo que acompanhamos muito bem a mudança social. Deixando claro, obviamente, que estamos longe de alcançar os objetivos; por exemplo, a Lei Paz Andrade é ainda papel molhado. Mas sabemos que temos um discurso para toda a sociedade. E que podemos seduzir.

Consideras que se pode deslindar a saúde da língua do avance do projecto nacional galego? É isso possível?

E que se devem desvincular, devem fazê-lo; digo-o por umha razom: porque para avançar a língua nom podemos estar à espera de outras contingências.

Mas além do terreno do ‘devemos’, a pergunta é se esta separaçom é possível, se pode dar-se de facto…

Imos ver: nom podemos desvincular a saúde dumha língua da existência de estados. As línguas que nom possuem estados é mui complicado sobreviverem no mundo atual. Podem sobreviver num movimento popular, na resistência, mas cada vez enfraquecem mais. Por vezes temos a impressom dum movimento normalizador ser enormemente ativo, e dar imagem de força, mas na realidade a língua perde falantes. Isso por exemplo é o que acontece na Catalunha. Ora, o movimento reintegracionista tem outra fórmula, que é levar em conta a existência de outros estados com o nosso idioma como língua nacional: e isto permite manter o modelo de correcçom, e dispor de recursos dos que de outro modo careceríamos.

Assembleia da AGAL 2023. Imagem: AGAL

Mas no terreno social, além do institucional: pode haver motivaçom e energias para salvar umha língua se nom medeia a consciência nacional?

É difícil sabê-lo. Como medimos isso? Eleitoralmente, por exemplo, o BNG é forte em zonas onde o castelhano está já integrado e o galego nem se ouve. Onde ganha o PP, em muitas zonas, a percentagem de galegofalantes e a qualidade linguística do galego que se fala supera com muito o presente no nacionalismo. Entom, há relaçom entre ambas as dimensons? Pois nom sei. Logo observo que começa a haver muita gente castelhanofalante a falar galego aos filhos. Há sensaçom de perda, estám a reagir, ainda com poucas ferramentas, eles agem. Ora, fam-no por consciência nacional? Eu nom o sei. O que sei é que esta energia há que canalizá-la, e como nom imos estar à espera dumha mudança do panorama político, temos instrumentos poderosos: umha é a comunicaçom com a lusofonia, fazer do galego um idioma imprescindível para comunicar com essa área, e outro o modelo educativo da Semente.

Por vezes temos a impressom dum movimento normalizador ser enormemente activo, e dar imagem de força, mas na realidade a língua perde falantes. Isso por exemplo é o que acontece na Catalunha.

Penso que há nisso que explicas umha questom de fundo. O dilema entre o peso da identidade e o peso da utilidade na língua. Cumpriria ver primeiro se ambas se podem dissociar e, aliás, demonstrar que a utilidade pesa mais que a identidade. Porquê julgas que a utilidade é mais determinante?

Nom, eu nom digo isso. Creo que as duas almas da língua estám entrelaçadas. E tenho claro que nenhuma delas deve ser desconsiderada, porque o afecto pola língua pode-se perder quando esta nom nos é útil; e ao contrário, por útil que for, nom lhe damos cabimento se a sentimos como alheia. Este debate é mui pertinente no caso do reintegracionismo e o isolacionismo, porque cada um deles prioriza umha dessas almas, e devessem pensar o contrário, e colaborarem para as prioridades serem as duas.

Ninguém questiona que o modelo oficial do galego conseguiu maior identificaçom do povo galegofalante, o que, paradoxalmente, se dá porque tolera mais castelhanismos, entom o povo identifica-se mais. O modelo português, ao ser exógeno, para facilitar a comunicaçom com nove países mais, perde essa capacidade. Si, protege o galego tradicional, mas este já é residual na Galiza. É por isso que a AGAL formulou a possibilidade do binormativismo como positivo. A normativa consuetudinária tem já muita tradiçom, dous séculos, um modelo literário…sem dúvida. Agora, para mantermos o galego tradicional, num contexto internacional, temos o português. AGAL pensa na identidade também. Por isso formulou essa proposta.

No modelo de pessoa nova reintegracionista ao que aludias adoita existir um perfil: elevada qualificaçom académica, interesse na promoçom profissional, visom internacional do trabalho e da língua…este sector da classe média galega adere facilmente à ideia utilitária da língua. Ora, pode ser atraente esta ideia numha pessoa da classe obreira, um trabalhador do rural, um precário, umha imigrante?

Claramente nom, nom na actualidade. Isso é porque o nosso projecto ainda nom avançou abondo. Apenas melhoramos a imagem. Ora, se a Lei Paz Andrade nom fosse papel molhado, e se traduzisse em algo tangível, seria distinto. Nós pensamos que o acesso ao português deve ser universal, para todas as classes, nom apenas para umha elite cultural, que é quem hoje acede a ele doadamente. Para universalizar-se, precisamos o ensino, e nele, o ensino do galego devesse ser reorientada. Qualquer política de estado séria passaria por aí. Claro que isto seria como umha revoluçom, mesmo haveria oposiçom em parte do galeguismo. Olha, nós sem ir tam longe propugemos algo mui singelo à Xunta: que umha hora lectiva de galego à semana se dedicasse ao português, e que o alunado acabasse o BAC com um B2 nesta língua. O nosso povo teria todo este input.

Há outra questom de fundo. O conglomerado que manda de verdade na Galiza, nom os representantes políticos, nem as classes médias culturais: as grandes fortunas empresariais, os grandes blocos mediáticos, os mandos estatais, som alheios ou hostis à língua. Segundo o modelo que apresentas, há possibilidade dum avanço real para o galego sem o seu apoio?

Som cousas mui difíceis de antecipar. Por exemplo, pensávamos nós quando éramos activistas universitários que movimentos como o feminismo ou o movimento em favor dos direitos homossexuais ia ter a dimensom que tem hoje? Nem o imaginávamos, era impensável. Há quinze anos, por dar outro exemplo, eu nem pensava possível que casais instalados no castelhano iam tentar utilizar o galego como língua familiar, polas crianças. Pois acontece.

No caso que comentas, é verdade que chegamos, nas elites, a um grau de desvinculaçom do galego tam grande que isto precisaria um reforço. Eu penso que a lusofonia ia proporcionar-lho. Nom para abandonarem o castelhano, nom, isso nom vai acontecer, teríamos que viver umha espécie de cataclismo. Mas si para ganharem simpatia através da utilidade e da identidade, e que podam sentir um desejo de transmiti-lo. Si, pode acontecer. E é mais fácil isto acontecer em sectores acomodados que por exemplo em sectores do mundo rural, que é do que eu venho, e no qual vejo mais difícil um reencontro.

A normativa consuetudinária tem já muita tradiçom, dous séculos, um modelo literário…sem dúvida. Agora, para mantermos o galego tradicional, num contexto internacional, temos o português. AGAL pensa na identidade também.

A sensaçom de preocupaçom, ou mesmo alarma, é comum nas pessoas defensoras do galego polo panorama que vivemos. Tu tes também esta impressom?

Eu gosto de entender o nosso caso através das línguas do mundo. Existem quatro tipos de idiomas: a maioria som as completamente desamparadas, as que nem se escrevem, que nom tenhem vínculo com os Estados, e que desaparecem em anos; um outro tipo som as línguas como a nossa, com tradiçom literária, presentes no ensino, que som faladas, mas que se enfrentam a um estado com um idioma poderoso que as esmaga; logo encontramos as línguas estatais, nacionais, e finalmente as línguas internacionais, ou de grandes espaços geográficos, que se atendermos à história, tenhem umha esperança de vida de milénios. Nós estamos na categoria das infraestatais, que tenhem umha certa esperança de vida, de décadas ou séculos; mas eu som realmente otimista, porque podemos passar à categoria de internacionais, e multiplicar as nossas possibilidades de sobrevivência. Quando dermos este passo, isto nom tem porque supor umha normalizaçom imediata, mas que isto ia ter consequências enorme no status, isso é óbvio. Fam falta mui poucas decisons, e mui poucos recursos para mudar o státus e as nossas perspetivas de futuro. Há um modelo de ensino, o da Semente, que concentra e reúne as famílias galegofalantes, que ainda nom se aplicou institucionalmente, mas eu confio que acabe por aplicar-se. Quando o modelo Semente e o reintegracionismo se institucionalizem o efeito será tremendo.

Do mesmo modo que desaparecêrom certos estigmas e preconceitos, por exemplo em questom de género, também as atitudes lingüísticas mudaram…nos 90, em certos ambientes castelhano parlantes, cumpria estar mui politizado para transitar ao galego.

Que potencial observas nessas pessoas que, num contexto adverso como o urbano, dam o passo para o galego? O neofalantismo marcará o futuro?

Eu observo que, sendo o contexto adverso, com efeito, há certas mudanças sociais esperançosas. Do mesmo modo que desaparecêrom certos estigmas e preconceitos, por exemplo em questom de género, também as atitudes lingüísticas mudaram…nos 90, em certos ambientes castelhano parlantes, cumpria estar mui politizado para transitar ao galego. E agora existe umha politizaçom diferente, eu diria que mais ampla, um maior acesso à informaçom…e do mesmo modo que ouvimos em lugares públicos, por exemplo, conversas sobre a Palestina ou a Ucránia que antes eram impensáveis, também podemos detetar umha nova atitude sobre a língua. Olho, falo apenas com perceçons pessoais, nom tenho dados para as apoiar…mas é possível que exista umha nova incorporaçom ao galego de pessoas que ainda nom se reflete nas estatísticas. Há pessoas que podem utilizar o galego como certo valor de autoafirmaçom, porque se veem mais protegidos polo discurso da toleráncia à diversidade. Mas claro, sendo cautos. Umha cousa é estar esperançados e outra nom ver a realidade. Eu chamo a nom confundir episódios ou momentos, nem tam sequer momentos eleitorais, com a história das línguas, que é mais longa e mais global. O longo prazo temo-lo que garantir com todos os recursos.

Sobre o chamado neofalantismo, portanto, nom é anedótico e tem valor. Mas dito isto eu tenho os meus matizes. Primeiro, nom gosto de distinguir entre velhos e novos falantes; e logo tenho as minhas críticas, porque nom penso que o feito de ser neofalante deva supor despreocupar-se com utilizar o idioma com certa correçom. Hoje ouvimos galegos que consistem apenas em substituir duas ou três marcas do espanhol, mudar uns ditongos, e pronto. E para mim os neofalantes devem continuar a ter referência dos velhos falantes para falarem o melhor possível, o que se tem que acompanhar com um contacto permanente com o português.

[Esta entrevista foi publicada originariamente no galizalivre.com]

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