Ensinante, militante da cultura e ex-concelheira de cultura polo BNG, María Xosé Bravo preside a Associaçom Cultural Alexandre Bóveda, um dos colectivos com actividade mais intensa e sostida de todo o mundo associativo do país. Conversamos com ela sobre várias décadas de trabalho de base numha cidade que o pior tópico associou com o desarraigo e o auto-ódio, e conhecemos algumhas das iniciativas que resgatárom fitos chave da memória corunhesa e galega.
Quais som as origens da vossa associaçom?
Nascemos no ano 1976, num tempo de eclossom associativa, e escolhemos deliberadamente um nome como o nosso, mui simbólico, que nos posiciona já desde o início: dum ponto de vista nacionalista, e também democrático, fala da necessidade de pôr verdade e luz sobre uns tempos obscuros. Logo, escolhemos como data de nascimento um 17 de agosto, e temos como primeira presidenta umha mulher, umha mulher nova, Margarita Vázquez Veras. Isto também está carregado de significado. Pretendêmos, por umha parte, divulgar, com ênfase especial na memória histórica; e por outra, ser um ponto de encontro de muitas iniciativas sociais: da Marcha Mundial das Mulheres, a Amnistia Internacional, com quem partilhamos local até há um tempo. Isto guiou-nos durante 47 anos, a ideia de caminhar com outros colectivos, e também de ser acobilho.
Como vivestes a evoluçom do associativismo cultural de base na Corunha?
Ao longo de tantos anos, pois com altibaixos. Mas em geral com a consciência de vivermos numha cidade fundamental para a cultura galega, com um alto nível de associativismo, e com umha vinculaçom com o país e com o idioma que nom é a que se conta habitualmente. Por exemplo, somos a cidade, se nom percentualmente, si em números absolutos, onde mais galegofalantes há.
Que há desses prejuízos espanholistas dos que tanto se fala?
Existem, sem dúvida; mas os que moramos aqui nom temos essa percepçom, exactamente, porque a cidade é mui diversa. Quem disser que é a cidade menos galega, mente e sabe que mente. Porque isso é ter umha visom mui pequena, mui estreita da Corunha. Aconteceu, como sabemos, que existiu um governo municipal com uns altofalantes poderosos, que deu essa ideia, a da cidade- estado, desvinculada do país, que nom deixa de ser umha falácia. O nosso trabalho de recuperaçom da memória pretende demonstrar isso, e o nosso trabalho associativo, em geral, o mesmo: somos umha associaçom que mantém entre quatro e cinco actividades por semana e um calendário mensal mui completo; que tem grupos de teatro, clubes de leitura, de fotografia, cantos de taberna…
Vimos mui claramente que cumpria contar a história da Corunha incluindo a perspectiva feminina, baixo o franquismo, mas além do franquismo também. Fixemos um chamado a reconstruir essa parte silenciada da história
Tedes feito um esforço importante por difundir a história das Irmandades da Fala e a sua relaçom com a Corunha…
Temos, si; com motivo do centenário, em 2016, trabalhamos com a AS-PG especificamente esta questom, parecia-nos importante chegar a um grande público, o mais geral, e também o escolar, através do professorado. Logo pugemo-nos à tarefa de resenhar umha efeméride cada dia do ano, num começo em relaçom com as Irmandades num sentido amplo, e logo vinculadas a Galiza em geral; esta dinámica fijo-se umha referência para muita gente conhecer a nossa história. Logo, espalhamos a fundo as próprias Irmandades através de brochuras divulgativas, um ciclo de palestras, dando voz a pessoas directamente ligadas a esse mundo, como Elvira Varela Bao, ou um neto de Manuel Lugris…a resposta foi realmente boa. A modo de exemplo, recordo um roteiro urbano, em março, que nos cadrou um dia de chuva, e falava-se de suspendê-lo. Fomos adiante com ele e juntamos 150 pessoas. Comprovamos que há umha grande vontade de conhecer a história local.
No projecto “A Corunha das Mulheres” denunciades a exclusom da metade da populaçom do relato histórico e da memória oficial. Que significa a vossa iniciativa, como contraponto a esse silêncio?
Vimos mui claramente que cumpria contar a história da Corunha incluindo a perspectiva feminina, baixo o franquismo, mas além do franquismo também. Tínhamos um bom exemplo no concelho de Ponte Vedra, com o seu projecto “Do gris ao violeta”. Fixemos um chamado a reconstruir essa parte silenciada da história, vinhérom de partida umha dúzia de pessoas, que logo chegárom a ser vinte; e cada umha achega ao seu, biografias, histórias específicas…entom, ainda que denunciar carências está bem, nós entendemos que era cousa de fazer…as novas tecnologias permitem trabalhar hoje a custo quase zero. Assi começamos a reconstruir o passado.
Demos com muito material para biografias, que som muito interessantes, mas aginha vimos que as mulheres que aqui figuravam eram todas dumha classe social, em certo sentido trabalhadora, mas nom a mais humilde. Assi foi como iniciamos o trabalho sobre o trabalho dos colectivos, mui pouco conhecidos, caso das lavadeiras, ou das protagonistas da revolta das mulheres, em 1917, menos conhecida que a que se deu em Ferrol, mas que demonstra a existência dumhas redes de confiança e organizaçom importantíssimas. Todo este trabalho que levamos feito difundimo-lo em vários formatos, fixemos palestras em bibliotecas ou centros de ensino médio, com a colaboraçom de companheiras docentes.
Trabalhamos com a consciência de vivermos numha cidade fundamental para a cultura galega, com um alto nível de associativismo, e com umha vinculaçom com o país e com o idioma que nom é a que se conta habitualmente.
Qual é a vossa iniciativa mais recente?
Agora andamos envolvidas no projecto da Corunha literária. Sempre queremos contar a cidade de outro ponto de vista: contamo-lo da óptica das Irmandades, logo das mulheres, e toca-lhe logo à literatura. Temos um mapa literário, roteiros urbanos, e umha história que contar que fala da Corunha e os livros. Pensava-se que o primeiro livro em galego dos tempos modernos fora “Proezas de Galicia”, editado na Corunha em 1810, o que reforça a ideia do peso literário da cidade. Agora sabemos que nom, que é “O Entremés galego ao feliz e real parto da nosa raíña”, de Salvador Francisco Roel. Pois bem, ainda que foi editado em Santiago cem anos antes, o autor era corunhês, e o livro sai do prelo por encargo do concelho da Corunha. O que vem ratificar essa ideia que pretendemos difundir da importáncia da Corunha literária.
Vedes importante o apoio das instituiçons ao associativismo de base, ou trabalhades apenas com as forças próprias?
Vemo-lo importante e há um canal aberto, mas as realidades diferem. Com a deputaçom da Corunha há umha colaboraçom importante, a sua ajuda aumenta progressivamente, e existe um espaço de diálogo; mantemos também um pequeno convénio com o concelho, mas em geral o trato e escasso, e a nossa queixa, que é umha queixa generalizada, é a sua ausência: o associativismo tem a impressom de que parece que nom há ninguém aí, que nom há escuita. Num plano mais amplo, pensamos que na Corunha, a actividade festiva, com respaldo municipal, vampiriza a cultural; gasta-se muitíssimo em festas, mas, por dar um exemplo, a rede de bibliotecas municipais nom recebe os fundos que merecem. E quanto a Xunta…que podo dizer? Directamente nom está, nem há apoio à língua, nem aos criadores, nem aos direitos da cidadania no que diz respeito à cultura…que país existe se o seu governo nom atende à cultura? Salva-nos que este país tem um talento impressionante, e vemos que a nossa literatura, o nosso cinema, a nossa banda desenhada, estám à altura do que se fai em qualquer país do mundo…ora, teríamos que internacionalizá-la, e nesse ponto vê-se que nom há nenhum interesse do governo por mover-se.
[Esta entrevista foi publicada originariamente no galizalivre.com]