Raimon Panikkar gostava de repetir: “A maior epidemia do nosso mundo é a superficialidade”. Contrariamente ao escândalo que em alguém pudera suscitar esta afirmação, considerando que há outros problemas muito mais graves no mundo como a fame, a morte de milhões de crianças inocentes, a injustiça e a violência assassina cometida cada dia contra os pobres e os mais débeis, ou o gravíssimo e crescente atentado dos humanos contra a mãe Terra, não se trata duma expressão banal.
Superficialidade tem que ver com viver na superfície, na tona da realidade, não pensar muito. Tem que ver com o pensamento, mas também com a ética e a espiritualidade, com uma maneira de ver o mundo e estar no mundo.
Tem que ver com viver de maneira consciente ou inconsciente. O buddhismo ensina que na compreensão e no conhecimento da realidade está a essência do amor: “Com a plena consciência, vemos que a outra pessoa sofre, e é justamente isto o que nos motiva a fazer algo para que não sofra… Sem compreensão não é possível o amor” (Thich Nat Hanh).
Gilles Deleuze –o filósofo francês mais crítico dos últimos tempos– diz que se se pergunta para que serve a filosofia, cumpre dizer que a filosofia consiste “na luta contra a estupidez”; o pensamento estúpido é a baixeza de pensamento. A filosofía consiste em vencer a preguiça mental associada ao statu quo e a inércia social apelando a uma “terra nova” (Nietzsche e a filosofía).
Não se trata da elite do puro pensamento. Uma velha e conhecida máxima latina diz: nulla aesthetica sine ethica; não há estética, não há beleza, sem compromisso ético/moral com a realidade na qual um vive.
A superficialidade é um atentado contra o que é verdadeiramente humano; viver na banalidade e na parvada, viver à margem da realidade que nos rodeia, do que a Realidade é realmente. Viver centrado só nos próprios interesses egoístas, sem importar grande coisa o que lhes ocorra aos demais seres humanos e ao mundo que me rodeia. É ser indiferente às alegrías e às penas dos meus irmãos e irmãs, e à dor do nosso mundo.
Superficialidade é, logo, viver na inconsciência; viver inconscientes do que somos: relação com tudo.
[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]