Para além do mar

Partilhar

Na Madeira, pérola da Macaronésia, o mar sobe por cima dos telhados das casas, por cima das ruas e praças da nobre e leal cidade do Funchal. Adiante, praias vulcânicas bordando os degolados rochedos. Atrás, a montanha impraticável do Hélder. Na cidade, ruas de calçada portuguesa. E o mar por cima e por baixo de tudo, aberto e atlântico, imenso, selvagem. Num canto qualquer da urbe, um encontro:

– Atão, como vai essa música?

Escadas acima, uma senhora com um braguinha na mão:

– Vai indo, vai indo!

A floresta borbulha exuberante por toda a parte. Em meia hora, a ilha passa das alturas dos Ancares à serenidade das Arouças. As levadas e os túneis, excavações na terra para a passagem de águas e pessoas, delinham o monte assombrado. Na subida aos Balcões, em Ribeiro Frio, depois de comprar um barrete colorido, outra senhora conversa:

– Mas esse barrete não é de lã de ovailha!

Ovelhas. Ali é o nevoeiro e ainda há pássaros. Sempre o mar gigantesco a ultrapassar o teto do horizonte. No ventre, as harmonias da Banda d’Além que lembram o nosso Desselado e as fotos antigas de mulheres com bandolins.

– Há cuoisas que o govuerno nem repara nelas.

Cousas do governo. O senhor motorista, muito amável, mostra pedaços de costa abafada pelo turismo de hotel e saboreia um cigarro enquanto fala tranquilamente antes de ir ao aeroporto:

– Há dias tiubarão entrou na praia. Puôde ir embora só quando maré subiu, que chega àqueles cuatos.

Aqueles catos nascem das rochas abismadas nas saias do oceano. Há uma Madeira que é como um tubarão atrapado na praia pela descida da maré. Partir é só com maré alta: Os catos, o clima morno, a poncha à pescador, os bolos do caco e a espetada, os machetinhos com viola de fundo e uma galega arroaz sabe que há língua para além da língua, que há mundo para além do mundo, que há mar para além do mar.

(*) Opinião publicada originalmente no n.º 141 do Novas da Galiza, na seção Língua Nacional.