Paco del Riego, cristão na fronteira

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Há um aspecto de Francisco Fernández del Riego que possivelmente não será abordado neste mês das Letras e neste ano de merecidas homenagens à sua magna figura: a sua fé cristã; um aspecto polémico e desconhecido para muitos. No meu livro Galegos e cristiáns (Vigo 1994), uma achega ao compromisso cristão e galeguista das personagens mais relevantes da nossa história, falei dele.

Com ocasião da redação do livro, tivemos varias conversas e alguma correspondência; e situei-o num apartado intitulado “Na fronteira”. Nele falava de personagens comprometidas com o galeguismo que se manifestavam ademais cristãos, mas críticos com a Igreja galega, pela sua prática antigalega, ou não comprometida com Galiza e a sua língua. Homens de pouca “pratica religiosa”, como eles mesmos me contaram. Del Riego ia ali junto com outros dois amigos comuns: Avelino Pousa Antelo e Carlos Casares.

Don Paco escreveu-me pelos anos 90, numa carta em parte recolhida no livro, que ele se considerava “cristão e católico, ainda que escassamente praticante”. Eu precisara-lhe logo que isso de “pouco praticante” poderia ser só no senso de ir à Missa, pois eu sabia que na sua vida diária procurava ser conseqüente com os valores de honestidade e verdade, a justiça e os direitos dos débeis que pregoava Jesus de Nazaré; particularmente com o compromisso com o seu povo, como era bem sabido.

Mas o certo era que, ademais, ele sim ia à Missa de vez em quando. Um matrimónio amigo, Celia Castro e Arsenio Díaz, comentaram-me que foi Del Riego quem leu a Epístola da Missa na sua boda em São Miguel de Ponteareias no outubro de 1966; cerimónia que oficiara o bem-querido Padre Seixas. Segundo me contou Celia, “Dom Paco fora com Xaime Illa falar com o Cardeal Quiroga Palácios para conseguir a permissão de fazer a cerimónia em galego, cousa que até daquela não se fazia”.

Del Riego era também assíduo cada ano à Missa de Rosalía, no compostelano Panteão de Galegos Ilustres. A primeira vez que se fez foi o 24 de julho de 1932; daquela ainda em latim –como prescreviam as normas litúrgicas daquela-, mas com a prédica em galego. A cerimónia fora empuxada pelos cristãos galeguistas Xosé Mosquera e Manuel Beiras, como conta o mesmo Del Riego no seu livro de memórias O río do tempo. Unha historia vivida (1990): “O 24 de xullo [de 1932] concentráronse na igrexa compostelá de San Domingos de Bonaval moitísima xente para homenaxear a Rosalía de Castro e Alfredo Brañas. Dixo a misa o cóengo-arcediago da catedral de Segovia Don Jacinto Piñeiro, quen pronunciou unha afervoada plática en lingua galega”. A primeira Missa em galego foi o 24 de julho de 1965, rematado o Concílio; oficiou-a o jesuíta P. Seixas, amigo de Del Riego. Mas, apesar de contar com a aprovação oficial, o Padre teve um conflito com a policia ao remate por permitir cantar nela o Hino galego… “completo”.

A primeira Missa em galego foi o 24 de julho de 1965, rematado o Concílio; oficiou-a o jesuíta P. Seixas, amigo de Del Riego. Mas, apesar de contar com a aprovação oficial, o Padre teve um conflito com a policia ao remate por permitir cantar nela o Hino galego… “completo”.

Na nossa correspondência, Del Riego afirmava-me que cristianismo e nacionalismo galego são duas realidades que devem ir vinculadas na nossa Terra, pois estão nos alicerces da sua identidade e ao longo de toda a história galega. Assim o deixou refletido em algumas das abundosas páginas que escreveu.

Na sua Historia da Literatura Galega (1978) diz do Cura de Fruime, devoto galeguista ademais de religioso, que cumpre situá-lo por esta razão como precursor ao lado do P. Sarmiento e o P. Feijoo: “Nel descobre-se a arfada da alma dun povo e a fe intima que o trato campesiño da. Ven ser, por este feito, a primeira figura galega do s. XVIII”. De Losada Diéguez –outro cristão galeguista, que deixou de testamento aos seus filhos: “que traballen por Galiza, que sexan homes relixiosos e patriotas” (“Antón Losada Diéguez, un de nós”, Encrucillada 42 (1985)– diz que é “o recreador da conciencia galega na xente moza”.

Em O rio do tempo, diz Don Paco que “entraba moitas veces na igrexa [de Lourenzá]” (p.15) e que se preparou para o bacharelato elemental com os monges bieitos do mosteiro de Lourençá. Fez o bacharelato superior no Colégio de Monforte de Lemos, onde iniciou o seu labor literário em Páginas Casalancias.

Neste livro de memórias, fala também da sua amizade com os curas galeguistas do Seminario de Estudos Galegos em Compostela. Sobretudo Xesús Carro, que seria académico da RAG, “un dos elementos clave do Seminario, ao que me uniu unha boa e longa amistade” (pp.50-51).

Del Riego sempre manifestou um interesse pelos personagens cristãos da história galega. Desde Prisciliano, que teve grandes simpatias nos homens da geração Nós, e sobre o qual publicou um artigo nas páginas de Universitarios (“Esprito de Prisciliano: alma da raza”).

[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]