Este 29 de agosto um grupo numeroso celebramos o centenário do passamento de Johán Vicente Viqueira no cemitério de Ouces (Bergondo), onde foi enterrado. Foi um ato emotivo e rico com grande participação de gente de todas as idades, homes e mulheres, vizinhos e gente de distintos lugares da Galiza, mesmo as pessoas que quedam da sua família. Organizavam várias associações: Eira vella, Roxin Roxal, Irmáns Suárez Picallo e Rede Cultural de Betanzos e bisbarra. Quase duas dúzias de pessoas dissemos umas palavras sobre Viqueira ou lemos os seus textos; Pedro Lamas, Eva Otero e Marta Pumares tiveram uma intervenção musical; e a própria Marta Pumares fez uma magnífica recriação teatral de Jacinta Landa, a viúva de Viqueira, repassando a sua vida com um álbum fotográfico de Johán Vicente e a sua família.
É conhecida a obra de Viqueira, infelizmente falecido em plena mocidade adulta, como filósofo, psicólogo, tradutor –pelos seus estudos em França, Alemanha e Inglaterra- e, sobre todo, pedagogo vinculado à Instituição Livre de Ensino e comprometido com um novo ensino galego, afincado na realidade galega mas aberto à modernidade européia. Assim mesmo, o seu compromisso com as Irmandades da Fala e com um galego internacional vinculado à grande família lusófona. Mas é menos conhecida a sua reflexão sobre a religião.
Viqueira e a religião
É sabido que Viqueira não era uma pessoa vinculada ativamente à Igreja católica e foi enterrado no cemitério civil. Mas um escrito seu recolhido por Ramón Mª Tenreiro, amigo da sua família (os Cortón) e autor do limiar do primeiro livro sobre Viqueira publicado após o seu passamento (1930), manifesta que era uma pessoa religiosa. Conta que Viqueira “ao sentir-se morrer escreveu num papel que queria sepultura no cemitério civil da aldeia. Essa consciência fez que a sua mão traçara as seguintes palavras ao pé daquele mandado: Creio em Deus”. O prologuista lembrava o verso de Viqueira: “Eu sinto em mim a voz de Deus agora!”.
Este é um verso do seu poema “Chegou o outono”, que fala de teofanias e da “música divina do universo”. Em “O meu lar” fala Viqueira do “antigo Deus que purifica as nossas almas”. E uns versos do poema “Melancolía” dizem: “Minha alma, como ela é triste,/ sentindo a vida em si latejar,/ querendo ser com plenitude esencia/ num viver imortal”. Torres Regueiro escreve que Viqueira “canta á vida com acesa religiosidade panteísta”; mas eu gosto mais do conceito de “panenteísmo” (tudo em Deus) de Kraus, autor que tão bem conhecia e apreciava Viqueira.
Há três textos de Viqueira nos quais topamos o que pensa sobre a religião melhor expressado que nos seus versos: “Elementos de Ética e Historia de la Filosofia”, “La Filosofia Española y Portuguesa en el s. XIX y comienzos del s. XX”, e “Tres notas sobre la religión”. Só este ultimo foi publicado na sua obra póstuma Ensaios e Poesias (1930); o primeiro fora publicado à parte em 1919 e o segundo na obra Historia de la Filosofía de K. Vörlander (1922), Apéndice do vol II.
Em “Elementos de Ética” diz Viqueira: “A religião não se refere tão só a um aspecto da vida humana. Compreende a vida inteira do homem. É uma atitude do espírito humano… Assim, o mundo chega a ser um meio para a realização do destino moral do homem… A religião é o mundo das infindas esperanças e possibilidades”. Em fim, seguindo uma velha idéia krausista diz também aqui: “A religião é a garantia de que a vida merece ser vivida sobre a terra”. Por isso, o socialista Viqueira não comparte a idéia de que a religião é prejudicial para o homem, como pensam os ateus do seu tempo.
De acordo com Giner de los Rios, diz Viqueira em “A Filosofia espanhola”: “A educação tem de ir forçosamente impregnada dum fundo senso humano… e dum elevado espírito religioso erguendo as crianças ao pressentimento duma ordem universal, mas deixando de lado o ensino dogmático”.
Finalmente, em “Três notas sobre a religião”, o texto mais extenso de Viqueira sobre o tema religioso, distingue três partes desde as quais contestar qual é o objeto, o valor, os meios e o fim desta realidade religiosa: 1) O credo e os dogmas que “representam a realidade do divino” e o sentimento de religação; 2) As “atitudes ante o divino”, sobretudo o rito; 3) A salvação, “a permanência do meu ser atual”. Deste jeito, “a esperança religiosa permite sobreviver, permite um final feliz”.
[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]