Pedi a uma IA para descrever alguém galego. Eu já sabia que a IA está baseada nos estereótipos que constam das redes sociais e demais fontes de informação e, portanto, o experimento não me surpreendeu mas também não me decepcionou.
Resumo o que a IA diz sobre o nosso carácter:
«—Prudentes e cautelosos: É o estereótipo mais famoso, mas tem a sua razão de ser. A famosa frase «depende» ou «já veremos» encapsula esta atitude. Não é tanto desconfiança como uma prudência profunda.
—Trabalhadores e austeros: A Galiza tem uma forte tradição agrícola e marítima, o que forjou um carácter de trabalho duro, esforço e resiliência face às adversidades (o Atlântico, a emigração). Valorizam o fruto do próprio esforço e costumam ser austeros nas despesas.
—Hospitaleiros e acolhedores na intimidade: Pode custar entrar no seu círculo de confiança, mas uma vez dentro, a hospitalidade é absoluta. Convidar-te-ão para a sua mesa, oferecer-te-ão o melhor que têm e tratar-te-ão como da família.
—Sentido do humor irónico e «terrunho»: Têm um humor muito particular, seco, inteligente e por vezes autocrítico.
—Apegados à sua terra: A «morriña» é um conceito único. É uma nostalgia profunda, melancólica e doce pela terra, pela família, pelos cheiros e pelos sabores da Galiza. É um sentimento muito poderoso que foi vivido por gerações de emigrantes».
Sobre a nossa cultura e tradições, isto é o que a IA tem de dizer:
«—Amor pela gastronomia: A comida é um pilar fundamental. Não é só comer, é um acto social. Estão enormemente orgulhosos dos seus produtos.
—Língua própria: O galego é a língua própria da Galiza, cooficial com o castelhano. É um elemento identitário muito forte e uma marca de distinção. Tem uma sonoridade muito característica, doce e musical.
—Música e festas populares: As romarias são festas populares ao ar livre, muitas vezes à volta de um santuário, onde se come, se dança e se socializa. O som da gaita galega é omnipresente e evoca imediatamente a paisagem e o espírito da terra.
—Conexão com a natureza e o mágico: A paisagem galega, verde, brumosa e com uma costa abrupta, alimentou uma cultura cheia de lendas (“meigas” – bruxas boas), “cruceiros” (cruzeiros de pedra) e uma certa espiritualidade ligada à terra e ao mar».
E, como é o nosso fenótipo?
«É importante recordar que a Galiza recebeu influências celtas, suevas e de outras migrações, pelo que a diversidade é enorme. No entanto, há um estereótipo físico comum:
—Pele clara.
—Olhos claros (azuis ou verdes) ou castanhos.
—Cabelo castanho ou ruivo.
—Complexão física variada, mas muitas vezes associada a pessoas robustas e fortes, herdeiras de uma vida de trabalho físico».
Portanto, mais ou menos, o resumo que faz a própria IA é:
«Descreverias alguém galego como uma pessoa de carácter prudente e trabalhador, com um humor inteligente e irónico, muito apegada à sua terra e às suas tradições (especialmente à mesa e à família), e com uma cultura rica e distintiva marcada pela língua galega, pela música da gaita e por uma paisagem que molda a sua forma de ser».
E não esquece a chave para nos compreender:
«A chave é a dualidade: podem parecer reservados no início, mas são extraordinariamente calorosos com os seus. São práticos e terrenos, mas com uma veia de melancolia e espiritualidade (“morriña”)».
Até aqui foi o que a IA me respondeu com uma pergunta simples. Os programas de IA são bastante prudentes e sempre advertem o usuário que isto não é mais que um estereótipo, e que cada pessoa é um mundo. Bem feito, não vou criticá-la por isso.
Os estereótipos por si mesmos não são necessariamente negativos: ser prudente e trabalhador, prático, austero, com sentido do humor, e ter uma cultura linguística e musical ricas, não pode ser calificado de mau. A minha impressão quando li a resposta da IA foi dual (como o nosso carácter). Por um lado, acho que é bastante politicamente correta e, por outro, tem um cheiro folclorista.
Isto me levou a pensar nas vezes que os galegos abraçamos também o estereótipo, não por falar a língua ou ouvir a gaita, mas por repetir os tópicos do folclorismo, o ruralismo atávico, a migração e a resignação. Ainda estamos a escrever livros e a produzir filmes com os mesmos temas, para não falar da folclorização da televisão galega, verdadeiro ópio do povo, que responde ao projeto ideológico de minimizar a cultura galega e desvalorizar a língua em favor da quimera do espanholismo.
Acho que pensar nos estereótipos é bom. São o que são, e é bom sabermos que preconceitos os outros podem ter em relação a nós. Além disso, acho que a questão mais importante para a nossa construção nacional, se não gostamos do que é dito de nós, não é o que fomos, mas sim o que queremos ser e como queremos ser vistos, e agir em consequência.
