O domínio atual da língua inglesa sobre todas as demais línguas ocidentais não resulta do atrativo, da utilidade ou de características excecionais inerentes à língua, mas sim do êxito da pressão exercida pelo eixo anglo-americano através das suas instituições, com um programa a longo prazo bem estruturado, uma base teórica e um orçamento astronómico. O processo remonta a um pouco antes da Segunda Guerra Mundial e consolida-se no pós-guerra, especialmente durante os anos decisivos da Guerra Fria.
Não, isto não é uma teoria da conspiração. É um facto. A ascensão do inglês como única língua de comunicação internacional resultou de um processo que envolveu o governo britânico (através do British Council), universidades (como as de Edimburgo e Londres), o governo dos EUA (através de várias agências, como a USAID ou o próprio Exército), fundações privadas de grandes corporações (Ford, Rockefeller), e duas instituições incontornáveis do âmbito anglo-saxónico: o Banco Mundial e o FMI.
Nenhuma língua se impõe sozinha, sem ação estatal ou institucional. A história testemunha inúmeros casos. Antes do inglês, no Ocidente, houve o francês — e também não foi por acaso. Nos séculos XVI e XVII, o latim continuava a ser a língua nobre, o modelo a imitar, a língua onde residiam a beleza e a precisão do pensamento. As demais línguas eram as vernáculas, as línguas do povo. Porém, em 1635, o cardeal Richelieu decidiu que isso tinha de mudar e que o poder continental francês devia apoiar-se no poder da sua língua, afastando o latim como língua de prestígio. Para tal, fundou uma instituição cuja finalidade era precisamente a expansão da língua: a Academia Francesa. Este foi um passo crucial para superar a influência do latim e expandir o francês como língua da cultura, da ciência e da diplomacia até ao século XX.
No caso do inglês — muito mais complexo —, o British Council já tinha consciência, a meio da Segunda Guerra Mundial, de que a língua seria o instrumento para manter o domínio ideológico e a afinidade com as suas decisões políticas, como diz o relatório anual do BC de 1941:
«The Council’s aim is to create in a country overseas a basis of friendly knowledge and understanding of the people of this country, of their philosophy and way of life, which will lead to a sympathetic appreciation of British foreign policy, whatever for the moment that policy may be and from whatever conviction it may spring». [Trad.: «O objetivo do Conselho é criar num país estrangeiro uma base de conhecimento e compreensão amigáveis acerca do povo britânico, da sua filosofia e modo de vida, de modo a fomentar uma apreciação solidária da política externa do Reino Unido, independentemente da orientação momentânea dessa política ou das convicções que a inspirem».]
O objetivo sempre foi a afinidade com a política britânica, seja qual for; não teve a ver com a cultura, com a beleza da língua ou qualquer outra razão romântica.
Os EUA, que já tiveram ambições semelhantes, coligaram-se com os británicos nos anos cincuenta. Deixo ao leitor a tarefa de julgar se o prazo estabelecido pelo autor de este relatório ao Conselho de Ministros británico em 1956 estava ou não correto:
«Within a generation from now English could be a world language —that is to say, a universal second language in those countries in which it is not already the native or primary tongue. The tide is still running in its favour, but with slackening force… it is important that its expansion should take place mainly under Commonwealth and United States auspices». [Trad.: «Dentro duma geração, o inglês poderá tornar-se uma língua mundial — ou seja, um segundo idioma universal nos países onde já não seja a língua materna ou principal. A maré continua a correr a seu favor, mas com força decrescente… É importante que a sua expansão ocorra principalmente sob os auspícios da Commonwealth e dos Estados Unidos».]
Os «auspícios» passaram por criar uma nova disciplina académica — a Linguística Aplicada — na Universidade de Edimburgo, formar professores para ensinar a língua, abrir centros de ensino nos países alvo da sua política neocolonial, impor o inglês nas instituições internacionais e obrigar os países a comunicarem apenas em inglês em troca de empréstimos. O Banco Mundial (ainda hoje) «recomenda» que o inglês seja a primeira língua no sistema educativo e que se afastem as línguas vernáculas como parte das «reformas» para o desenvolvimento dos países que recebem financiamento. E assim se construiu um longo processo, sustentado por uma chuva de milhares de milhões de dólares.
A vassalagem europeia aos interesses dos EUA é a prova do sucesso da estratégia anglo-saxã. As línguas resistem sozinhas às influências de culturas estrangeiras, mas não por muito tempo. Se um Estado é forte e quer, as línguas que competem com a sua desaparecem, mais cedo ou mais tarde. Pelo contrário, as línguas resistem e expandem-se se os Estados investirem nelas. Sempre foi assim ao longo da história, e não será o voluntarismo que mudará esse facto. A defesa de uma língua exige ação estatal, um plano a longo prazo e um orçamento suficiente e constante.
Se queremos que a língua galega sobreviva ao seu potencial declínio, afastemos a ingenuidade de acreditar em competições linguísticas em «mercados de línguas» e concentremos a nossa ação onde é necessária: nos recursos do Estado.