O elefante na sala reintegracionista

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A expressão inglesa «the elephant in the room» é traducida literalmente como «o elefante na sala». É uma metáfora que sugere que há uma questão espinhosa da qual ninguém quer falar, mas todos sabem que a sua existência condiciona tudo o resto. A Galiza, com respeito a sua relação com Portugal e com o seu patrão ortográfico, também tem um elefante na sala.

Na minha experiência, aos olhos da maioria de espanhóis, Portugal não existe e não tem nenhum peso político ou cultural ou de qualquer outro tipo nas suas vidas. Só por acaso, alguns saberão que Pessoa ou Saramago foram portugueses, e alguns «boomers» saberão talvez que a Revolução dos Cravos foi um 25 de abril pouco antes de Franco morrer. Simplesmente, para essa maioria Portugal é pouco mais que o oco que falta no mapa do tempo e o berço de algumas estrelas do futebol. É certo que não ajuda a auto-percepção de alguns portugueses quando se comparam com os espanhóis falando, por ejemplo, de renda e salários.

Só por acaso, alguns saberão que Pessoa ou Saramago foram portugueses, e alguns «boomers» saberão talvez que a Revolução dos Cravos foi um 25 de abril pouco antes de Franco morrer.

Apesar da nossa vizinhança, na Galiza há muitos concidadãos que pensam o mesmo que os espanhóis, que desconhecem a cultura, a história e a sociedade portuguesa, e que a sua percepção dela é, se não totalmente negativa, pelo menos desdenhosa ou condescendente. Isto tem muita relevância para o ensino da língua e a aceitação de uma ortografia convergente.

A aproximação às línguas pode ter muitas motivações. De acordo com o Eurobarómetro da União Europeia, há várias razões pelas quais as pessoas escolhem aprender uma língua, principalmente, o trabalho e o lazer. Há uma alta porcentagem de pessoas que estudam uma língua porque gostam da cultura, porque vão de férias a um país, porque querem ler a sua literatura, ou simplesmente, em uma porcentagem considerável, por satisfação pessoal. As vezes, é assumido que o trabalho é quase a única motivação para aprender uma língua, mas isso não é certo, antes pelo contrário. Muitas pessoas aprendem uma língua simplesmente porque eles o querem fazer, sim pensar em considerações laborais.

Mas, de acordo com o filósofo francês Bourdieu, nas sociedades há uma espécie de «mercado linguístico», no qual as línguas «cotam» segundo o seu prestígio. Algumas cotam muito alto e são apreciadas, e outras, pelo contrário, têm um valor de zero. Este valor das línguas depende da utilidade ou do rendimento em outras áreas, especialmente no mercado laboral. O valor assenta, portanto, na percepção da língua.

As línguas são percebidas de maneira distinta de acordo com os interesses pessoais. Uma língua transporta consigo uma cultura e uns valores que são próprios da comunidade linguística que a sustenta. A pessoa aprendiz é exposta à língua e à cultura ao mesmo tempo, e a cultura é percebida de maneira mais ou menos positiva ou negativa. Por isso, podemos dizer que detrás da aprendizagem das línguas há sempre um componente emocional.

Todos temos estereótipos em relação a outras comunidades e as suas línguas. Os estereótipos são de origem racional, são opiniões que surgem de generalizações sobre um povo e podem ser inofensivos. No entanto, quando a opinião leva consigo uma emoção, então não é um estereótipo senão um prejuízo.

A linguística aplicada ao ensino das línguas tem experiência do sucesso da aprendizagem quando o componente emocional das pessoas aprendizes converge com os valores da comunidade linguística com a qual já tem contacto. Está demostrado que se uma pessoa sente simpatia ou afinidade pelos valores da comunidade de uma língua, há muitas probabilidades de que essa pessoa aprenda a língua mais rapidamente. Esta é a base do que se chama biculturalismo e o porquê da sua importância no ensino.

O problema é o prejuízo: quando uma pessoa aprendiz não sente nenhuma afinidade ou ainda rejeição pela cultura da língua que está a aprender por causa de uma emoção projetada nela. Neste caso a aprendizagem é uma tarefa custosa e mesmo impossível. Só no caso de que haja outras motivações externas, a emoção negativa poderia ser superada por outra que puxasse mais.

O ideal é que uma pessoa que se aproxima a uma língua tenha uma ligação emocional positiva com ela e que procure a integração emocional (que não é o mesmo que a assimilação). Isto é o que a linguística chama biculturalismo aditivo, é dizer, as pessoas adicionam os valores da outra cultura aos seus. Mas isto não é totalmente obrigatório para falar ou escrever numa língua.

O ideal é que uma pessoa que se aproxima a uma língua tenha uma ligação emocional positiva com ela e que procure a integração emocional (que não é o mesmo que a assimilação). Isto é o que a linguística chama biculturalismo aditivo, é dizer, as pessoas adicionam os valores da outra cultura aos seus.

É muito difícil gerir as emoções, e ainda mais os preconceitos negativos, porque normalmente se baseiam em pressupostos errados, em informações distorcidas, em argumentações simples, ou em emoções herdadas. Portanto, a única via para as ultrapassar é o conhecimento e a aproximação crítica à realidade anulando o processo pelo qual o prejuízo é alimentado.

Os preconceitos negativos são formados em vários passos, que cumpre invertir quando se luta contra eles. O processo é o seguinte: primeiro, alguém de uma comunidade, chamemos-lhe A, compara a sua com a comunidade B mediante um único critério (por ejemplo, o nível de renda, o nível cultural geral, um atributo dissemelhante, etc.); segundo, converte essa diferença num obstáculo imaginário para a comunicação entre A e B; terceiro, essa pessoa atribui à comunidade A uma visão positiva e à B uma negativa; quarto, há uma generalização de aspectos negativos atribuídos de A à B, que se materializam sob a forma de mofa, indiferença ou desdém.

O desmantelamento dos prejuízos não é tarefa fácil e ninguém tem a solução mágica para reverter o processo, porque abrange muitas frentes emocionais ao mesmo tempo. Mas algumas coisas podem ser feitas tanto nas salas de aula como num nível público, e seguramente já há pessoas trabalhando nelas: mostrar que a língua é um sistema racional e vivo de comunicação que vai em duas direcções, porque o novo falante também contribui à comunidade da língua de contacto; associar a língua com aspectos positivos relativos ao trabalho, lazer, cultura, etc., para desativar a acumulação de ideias negativas; também algo que agora é simples, que é facilitar o acesso aos médios de comunicação social de ambos territórios, para contemplar a realidade tal como ela é do ponto de vista do outro.

En suma, são úteis todas as acções daí derivadas que possam contribuir para a ideia de que para que as pessoas possam escolher livremente uma língua, primeiro devem livrar-se da tirania do prejuízo.