Os formatos e os tons

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A nossa grande palavra de ordem, ‘independência’, tem aparecido em formatos muito diferentes. No debut militante da adolescência, para as geraçons pré-tecnológicas, adoitava escrever-se em forma de pintada a rotulador nas paredes dos liceus, produzindo a impressom, em funçom do observador, de umha estreia entranhável na política, ou pola contra dum desafio impotente e ridículo de quatro moços incautos. Quando o movimento alcançava rudimentos de organizaçom, e os ou as adolescentes viravam jovens entusiastas e decididos, a legenda inçava os muros das principais cidades galegas quase cada fim de semana, para desesperaçom dos concelhos e das suas brigadas de limpeza, da imprensa reaccionária, e da vizinhança mais identificada com o ideário espanholista; com o independentismo a viver umha primeira pequena madurez, já com certos recursos organizativos, económicos e certos saberes militantes, a legenda começou a aparecer, mais amavelmente, em grandes murais elaborados, por vezes com formas artísticas e impacto estético. Também com um grande impacto, mas de tipo totalmente diferente, o lema irrompia com agressividade em pintadas nas fachadas de sucursais bancárias ou cadeias comerciais, acompanhando os distúrbios, as ruas curtadas com barricadas ou os ataques com artefactos incendiários nos anos da acçom directa da mocidade arredista. Mas há ainda outros formatos: nos países onde o independentismo superou as margens da contra-cultura ou o radicalismo político, virando sentido comum popular, como a Escócia, a Catalunha ou o Quebeque, a legenda tem aparecido em forma de coreografia composta por multidons, ou enormes tipografias sostidas sobre centos de milhares de pessoas a ocuparem as ruas em marchas soberanistas.

‘O meio é a mensagem’, diz a sentença já clássica da comunicaçom social e política. Por isso é tam fulcral o lugar e o modo em que irrompem as palavras, e nom resulta doado dar com o equilíbrio e a fusom entre os valores que encarnam na mensagem: desafiante mas nom necessariamente agressiva; confiável mas nom conformista; sensata mas nom covarde.

‘O meio é a mensagem’, diz a sentença já clássica da comunicaçom social e política. Por isso é tam fulcral o lugar e o modo em que irrompem as palavras, e nom resulta doado dar com o equilíbrio e a fusom entre os valores que encarnam na mensagem: desafiante mas nom necessariamente agressiva; confiável mas nom conformista; sensata mas nom covarde.

Como contam os formatos, na acçom social também contam os tons, fenómeno ao que nom temos atendido suficiente nestes tempos, em que um certo estilo irritado e desabrido se tem oficializado através das redes sociais. Palavras certas podem nom resultá-lo tanto, aos nossos ouvidos, se pronunciadas por umha voz ansiosa e estridente; e no extremo oposto, podem resultar mais convincentes se expostas por umha voz firme e pausada.

Na tradiçom dominante do galeguismo, no seu sentido mais amplo, dominou um tom de tenrura e queixume, clássica expressom do quietismo do servo ou, na melhor das hipóteses, da ‘captaçom de benevolência’ de quem exibe fraquezas para obter certa atençom dos que mandam. Nisto se baseou a construçom da ‘naçom sentimental’ que estudou Miguélez Carballeira. A ‘Galiza doce mágoa das Espanhas’ que deixou escrito um dos nossos grandes poetas; ou ‘Galiza boi de palha, quanta mágoa tem de ti o gaiteiro’, que retratara comiserativamente um dos precursores o país de há dous séculos. Na dissidência por excelência do galeguismo, isto é, no movimento arredista, a escolha foi a contrária, o que obedece à lógica evidente de respostar com contundência e claridade a quem te nega e espezinha. Acontece que, numha lei psicológica que rege as minorias que nom deixam de sê-lo, a agressividade aumenta a medida que a capacidade de incidência mingua. Assim, dumha saudável beligeráncia com o poder passa-se à agressividade com o indiferente, logo à hostilidade com o correligionário demasiado morno, e finalmente à virulência com o companheiro do que separam matizes. O tom desatado, como a voz demasiado alta ou a frase inçada de adjectivos, nom soem indicar efectividade da mensagem, senom um estado carencial.

De umha saudável beligeráncia com o poder passa-se à agressividade com o indiferente, logo à hostilidade com o correligionário demasiado morno, e finalmente à virulência com o companheiro do que separam matizes. O tom desatado, como a voz demasiado alta ou a frase inçada de adjectivos, nom soem indicar efectividade da mensagem, senom um estado carencial.

O movimento que bata certo com as fórmulas organizativas para a jeira histórica que andamos, com a cultura política e militante, com o discurso público, terá que bater certo também com o seu próprio tom, que nom pode ser pusilánime nem estridente; terá que favorecer estados de atençom lúcida, nom sesgos melancólicos nem embriaguez fugaz. Num sentido muito fundo, terá que reflectir a consciência de estarmos embarcados num projeto transcendente, e, à vez, de nos adentrarmos em tempos tam inéditos que desafiam a nossa capacidade de total controlo e compreensom. Como os tons das pessoas som indicativos de harmonia psicológica, os tons colectivos devessem indicar que os movimentos nom descem pola costa esvaradia da irracionalidade e da cegueira.

[Este artigo foi publicado originariamente no galizalivre.com]