Lucense de 1964, Júlio Teixeiro é docente de Filosofia e preparador de oratória competitiva no ensino médio. Militante do independentismo desde a mocidade, tem dinamizado várias iniciativas formativas, como o Grupo de Estudos Mádia leva ou a Escola Popular Galega. No vindouro sábado será um dos ponentes da III Jornada de Estudo de Clara Corbelhe. Com ele conversamos sobre o arredismo em perspetiva histórica, e sobre os desafios do movimento galego.
Levas quatro décadas de participaçom no independentismo. Podias-nos dizer quais som as origens do teu compromisso?
Quase quatro décadas, mas para sermos precisos, nom som exatamente quatro décadas. Comecei relativamente tarde a militar, e também a frequentar a política. Na universidade envolvim-me na criaçom literária, aderim ao reintegracionismo, mas a participaçom real começo-a aos 24 anos: concretamente, vou ao Dia da Pátria de 1988, aquele ano em que se reparte massivamente “A Nova Poesia Galega”, a declaraçom do EGPGC. Acudo aos atos recém nascida FPG pouco tempo depois integro-me na estrutura desta formaçom que se cria em Lugo. Logo participo da APU.
Como abordarias, em grandes traços, umha visom panorámica de todo este tempo? Que movimento viveche e como evoluiu?
Quando eu entro, o movimento já existia, vinha de atrás, de quando eu era um neno; mas em termos autobiográficos, imos falar dumha primeira etapa, que decorre a finais dos 80 e inícios dos 90, arredor do projeto de APU, e com o pano de fundo do EGPGC; umha segunda etapa, já entrando no século XXI, quando se tenta reorganizar o movimento arredor do Processo Espiral, e a geraçom da AMI; e umha terceira que é na que podemos considerar que andamos hoje. Traços gerais? Diria que essa primeira etapa à que aludo é, em certo modo, umha continuidade das dinámicas da chamada “Transiçom”. O nosso perfil era principalmente sindical, operário. Ainda que nom fóramos propriamente operários, o perfil era sindicalizado: a moral, os costumes, o que se fazia cada dia, pivotava arredor do sindicato, as formas de agir estavam mui codificadas e claras. Os próprios conflitos políticos, partidários, dentro do nacionalismo, viviam-se dentro do sindicato, repercutiam nele. As pessoas que me superavam um pouco em idade procediam daí. Na seguinte geraçom, já a sociedade mudara, os perfis começam a ser mais variados, e o quadro ideológico também é mais aberto. O espaço prioritário deixa de ser o sindicato passa a ser o centro social. Digo prioritariamente, porque o modelo clássico continuou, em certo modo, e os que apostárom nele também.
O discurso mais tópico, simplificando muito, viria a dizer que desde os anos 70, na forma de militar, nos níveis de compromisso, vivemos umha decadência, e que cada etapa, em certo sentido, pioraria a anterior quanto a logros e a entrega. Ratificarias esta visom, segundo a tua experiência?
Eu penso que nos anos 70, em certa medida, era mais fácil a militáncia nacionalista, nom em termos objectivos nem materiais, senom subjectivos. A que me refiro? A que o nacionalismo estava melhor posicionado no conflito ideológico que havia no mundo, entre dous blocos. O marxismo de libertaçom nacional era o marxismo em auge, o que superava outras concepçons anteriores; parte do professorado que tínhamos estava nessa linha, transmitia esse ideário. Existia esse ambiente…a partir de entom, e agora especialmente, todo virou menos simples: a sociedade é mais complexa, existem problemas dos que todos somos conscientes, mas nom sabemos como abordar…quando eu começo a militar, ainda no ronsel dos 70, a questom era como utilizar bem as ferramentas que se tinham; e essas ferramentas estavam claras.
Quando comecei a militar nos anos 80 o nosso perfil era principalmente sindical, operário. Ainda que nom fóramos propriamente operários, o perfil era sindicalizado: a moral, os costumes, o que se fazia cada dia, pivotava arredor do sindicato, as formas de agir estavam mui codificadas e claras.
Que topas tu quando te reincorporas à atividade independentista a primeiros do século XXI?
Dou com umha nova geraçom, nomeadamente ligada à AMI, muito mais crítica e mais autocrítica, com vontade de replantejar de maneira radical. Começam a aparecer questionamentos, se o modelo devia ser o militante ou o ativista, que tipo de organizaçom devíamos construir…a linguagem em parte foi mudando. Em parte eu penso que a madurez dos movimentos é como a das pessoas, e nesse sentido, o independentismo lançou-se a certa auto-reflexom. O curioso, assi mo parecia na época, é que quem protagonizava essa autoreflexom era gente nova, mas gente nova que eu via mais madura que nós quando éramos jovens nos 80. Mas assi foi este processo.
Nesta segunda etapa que comentas a atividade foi intensa: fundaçom de organizaçons, nascimento de centros sociais, luita ilegal…mas foi ao mesmo tempo umha jeira de certo interesse teórico, com tentativas sistemáticas de pensamento arredista, à margem da academia. Tu participache de algumhas delas, como a Escola Popular Galega. Como as valoras?
Deriva do que comentava antes. Era óbvio para muita gente, nom para toda, que cumpria um repensamento. Essa vontade de repensamento nom era unánime, e isso gerava também diferenças e tensons. Alguns tínhamos a ideia de que nom podes fazer o mesmo que fixeche se queres obter resultados diferentes, seguindo a conhecida cita de Einstein, daí o gosto por ensaiar cousas novas. Mas essa ideia chocava com outra mui comum, típica dos conflitos intergeracionais: quando os novos dizem, “eu quero fazer o que fixérom os que vinham antes de mim, mas eles fixérom-no mal, e eu agora vou-no fazer bem”. Pois nessas duas visons, eu situei-me na primeira. Pensávamos que além de formar-se no que já sabemos, havia que dotar-se de outros elementos ideológicos compatíveis com o independentismo e que permitiam elaborar discursos para a época. Eu penso que dominava umha consciência muito clara de mudança de milénio, com os atentados de Nova Iorque do 11-S em primeiro plano, umha mudança de milénio que nos obrigava a situar-nos em outras coordenadas.
Que impato pensas tivo nesta transiçom o fim do MLNV e a pacificaçom do País Basco? Pois ainda que nom foi um processo súbito, senom dilatado no tempo, penso que marcou enormemente…
Certamente, para nós foi como o final da Guerra Fria foi para os partidos comunistas estatais de ocidente. Para muitas esquerdas de libertaçom nacional, o impato foi equivalente. Porque ainda que puidera haver diferentes posicionamentos ante a questom, sobretodo ante o fenómeno de ETA, constituía o quadro ao que sempre se aludia. Olho, para bem e para mal…porque muitas vezes, o facto de existir essa realidade social aí sempre nos forçava à comparaçom, a situar-nos nesse marco. E penso que o poder espanhol o utilizou desse modo, já na época do EGPGC recorriam à ironia, entendendo a luita galega como um “querer e nom poder”.
Volvendo ao esforço teórico das primeiras décadas deste século. Deu-se umha tentativa de recuperar certas leituras esquecidas de Marx, como as da crítica do valor, que é do que vas falar na Jornada de Estudo de Clara Corbelhe. E também se deu um esforço de pensar novas formas de comunitarismo. Que vigência tenhem estas linhas de pensamento para ti?
Para mim isso está vigente. Trata-se de problemas interessantes de abordar, ainda que hoje ainda nom tenhamos a soluçom. Notava-se no nacionalismo clássico, logo convertido em institucional e eleitoral, umha falta de conexom com a realidade empírica, típica da açom baseada em comunicados e campanhas…mas que acontece com a dimensom comunitária, com a vida do dia a dia das pessoas, com a transmisom da língua, com a atençom à relaçom das pessoas dentro dos movimentos. Todo isso é o que chamamos vida comunitária, e ao que se tentou atender, teórica e praticamente. Quanto o marxismo e a teoria crítica do valor, essa é outra forma de analisar a crise do capitalismo, que já estudávamos de aquela, e hoje é já óbvia. Tam óbvia, que nom a negam nem os liberais! Numha etapa de crise, de fim de ciclo, começa a pôr-se em questom todo o que caraterizou a etapa histórica que esmorece, a modernidade e os seus valores. E a questom que restas reflexons colocam é: onde está a alternativa à modernidade, se nós somos modernos? Onde está a alternativa? É um problema filosófico que tem umha dimensom política que estivemos circundando naquela segunda etapa que falámos.
A inícios do século XXI lguns tínhamos a ideia de que nom podes fazer o mesmo que fixeche se queres obter resultados diferentes, seguindo a conhecida cita de Einstein, daí o gosto por ensaiar cousas novas.
Há diferenças entre jeiras do independentismo, mas também há constantes. Umha delas, mui evidente, é a dificuldade para a estabilidade organizativa e os fenómenos cissionistas. Por quê esta recorrência?
Para mim é um problema de tamanho e de peso. As cousas pequenas som fáceis de mover, e as cousas grandes som difíceis de mover. Acontece nos corpos físicos e nos movimentos. O peso gravitatório e a atraçom depende da massa que tiveres; se és pequeno orbitas arredor de outras dinámicas, e se és grande orbitam à tua volta. Eu nom o vivo com tanto dramatismo. Vou pôr um contraponto: a excessiva estabilidade também me preocupa. O que é estável, no nacionalismo, tampouco me parece positivo de seu. Essa estabilidade é por vezes um lastro. As reaçons som tardias, custa mais prever as cousas…quando és pesado, também te moves lentamente. É por isso que o nacionalismo institucional é difícil de mover, tem a sua inércia.
Outras constantes som a repressom, e os processos desmobilizadores que se produzem quando esta se consuma. As vozes críticas apontárom sempre que a primeira é a causa dos segundos. Como valoras esta dinámica?
Esta análise tem-se circunscrito à questom da luita armada, da violência política e as suas consequências, mas eu gosto dumha focagem mais ampla, que é a da relaçom entre independentismo, ilegalidade e repressom. Temos perto um bom exemplo, que é o catalám. Houvo um processo nom violento, com vontade legal, da lei para a lei, que ultrapassou a lei, porque afinal sempre vem um momento de superá-la, porque senom nom se cumpre nenhum objectivo. Entom chegamos a um ponto culminante dos processos independentistas, inevitável, que é o de ultrapassar a lei. A pergunta que xorde sempre é a de quando e como ultrapassá-la. Nós temos que ter claro que pomos em causa o Estado, no mais básico: quem é o povo, quem detenta a soberania, quem é o sujeito soberano. É curioso, porque umha parte da esquerda apresenta a questom nacional como algo secundário, ornamental, superficial…mas logo na realidade, demonstra-se que é o coraçom da questom do poder.
Mas a pergunta é: há correlaçom direta entre repressom e desmobilizaçom?
Quando a repressom se intensifica, a militáncia fai-se mais complicada mesmo em tarefas que nom som apriori perigosas, nem ilegais, nem hostis com o Estado, como temos vivido, porque o poder persegue-as. Mas há essa correlaçom como também existe a contrária: muitas vezes a luita ilegal tem o poder de estimular e dar eco a outras muitas luitas, e essa é a razom de que o Estado a persiga com excepcionalidade; se nom fosse assi, o Estado aplicaria à ilegalidade política o mesmo tipo de puniçom que a outro tipo de ilegalidades, mas sabemos que nom age deste modo. A razom está clara, o temor aos seus efeitos. No caso galego, referindo-nos à primeira etapa que eu vivim do independentismo, e também à segunda (agora estaríamos numha terceira etapa mui distinta) o que aconteceu foi que se jogou forte. Como é sabido, quando se joga forte, o normal é perderes. Ora, se nom se joga forte, como se pode ganhar?
O problema do cissionismo é um problema de tamanho e de peso. As cousas pequenas som fáceis de mover, e as cousas grandes som difíceis de mover. Acontece nos corpos físicos e nos movimentos. O peso gravitatório e a atraçom depende da massa que tiveres; se és pequeno orbitas arredor de outras dinámicas, e se és grande orbitam à tua volta. Eu nom o vivo com tanto dramatismo.
Imos com a atualidade. Um dos traços mais destacáveis desta época, do que poderíamos considerar umha terceira etapa seguindo a linha que tu dás, é como se suavizou a contradiçom entre independentismo e nacionalismo institucional, de maneira que o tom da dialética se relaxou, as coincidências som mais frequentes, maior toleráncia por ambas as partes…a que se deve este fenómeno?
Nom é um fenómeno exatamente novo, também passou na outra transiçom entre etapas, a primeiros e meados dos 90. O independentismo deixa de ser observado com tanta hostilidade pola outra parte, e reciprocamente, o independentismo observa o nacionalismo, em momentos de fraqueza, como um mal menor. Na prática isso nom tem muito debate. É conjuntural.
Vês saudável esta relaxaçom da dialética política, esta perda de carácter incisivo por parte do independentismo?
Como digo, é conjuntural, porque no fundo, a contradiçom permanece, ainda que nom aboie sempre. Dogmaticamente, há certas dimensons da realidade que para o nacionalismo dominante, institucional, nom se tocam, nom se devem tocar. Dizia-o o outro dia a Isabel Rei numha entrevista neste portal sobre a Lei de Normalizaçom Linguística: como vai ser efectiva umha lei que nom contempla a obrigatoriedade do galego? Essa é a tese clássica do reintegracionismo, e ela afirmava que ninguém quer abordar este assunto espinhento; porque claro, isso afinca no que digo, no que dogmaticamente nom se toca, o nacionalismo institucional entende que a batalha é o cumprimento da legalidade autonómica, o desenvolvimento do quadro que dá o estado. Acontece um bocado o mesmo com o projeto das Semente, que nasceu do independentismo: nom, a batalha é apenas o ensino público, o cumprimento da lei contra o “decreto da vergonha” de 2009. Por isso digo que a contradiçom entre a visom institucional e a independentista permanece, ainda que está velada. O debate de fundo é: onde está a partida, onde está o jogo? E está claro que se estabelecem duas partidas distintas.
No caso galego, referindo-nos à primeira etapa que eu vivim do independentismo, e também à segunda (agora estaríamos numha terceira etapa mui distinta) o que aconteceu foi que se jogou forte. Como é sabido, quando se joga forte, o normal é perderes. Ora, se nom se joga forte, como se pode ganhar?
Dacordo. Mas isto nom responde ainda a pergunta: se o independentismo, deliberadamente, deve endurecer a batalha dialética ou nom…
Eu acho que o independentismo tem que apresentar batalha onde lhe parece que o pode fazer, estabelecer um terreno de seu. O que está claro é que o movimento, polo seu tamanho, nom pode livrar batalha em todas as frentes nem jogar todas as partidas. Para mim, há certas questons que som a do território, a demográfica, a da língua, que som as essenciais. Som todas aquelas que, através de dados empíricos, sem imaginaçom, com dados, nos dizem o que está a acontecer com o país: com o território ocupado por empresas extrativistas, que porçom representa; com a populaçom, que volume de populaçom perdemos cada ano, quanta gente nossa emigra, qual é o saldo demográfico; com os falantes, quantos falantes perdemos cada ano. Todo isto, a mim, leva-me a pensar assi: que a única possibilidade do independentismo, a única aposta forte, é apresentar a questom nacional como umha questom existencial, de ser ou nom ser. De ameaça à nossa existência, ameaça que se fai mais grave ainda num contexto mui volátil, de crise do capitalismo, que pode levar por diante muitos povos. Incluído o nosso. Estas devessem ser as nossas coordenadas, e nom outras.
E este plantejamento, que tu chamas existencial, nom está presente no nacionalismo dominante?
Em absoluto! Nom, nom está. Trata-o exclusivamente como um problema político: temos umhas potencialidades, temos umha cultura, nom nos deixam desenvolver-nos, o Estado bloquea-nos, deve reconhecer-nos. Todo se reduz a isto, e no quadro legal existente, com as reformas que quigermos. Isto que eles dizem, de por si, nom é falso, mas é apenas umha parte da realidade, e para mim nom a fundamental. Há outra maneira de vê-lo: a evoluçom demográfica é letal, a evoluçom da língua fala por si só…todo isso é objetivável, medível: quantas aldeias se abandonam, quantas pessoas abandonam o país, quantos falantes se perdem?…esses som os feitos. Agora, queremos abordá-los, além do político, no existencial? Se nós nom o fazemos, fará-o a extrema direita. A extrema direita está a jogar muito bem com a noçom de crise de sentido, e risco iminente de perder o essencial das nossas vidas. O nacionalismo nom o está a fazer. Dito isto, ambas as perspetivas, a do copo médio cheio que apresenta o mundo institucional, e a do copo médio vazio da que eu falo, nom som incompatíveis, porque ambas falam da realidade. Ora, eu tenho claro onde teria que pôr o arredismo o acento: as questons fundamentais, som existenciais. Porque a Galiza nom está entre pior ou melhor. A Galiza está entre ser ou nom ser.
E que prática devera soster este segundo discurso?
Obviamente, é mais difícil de soster que o primeiro. O primeiro é dizer cousas bonitas, tes um povo, tes umha arte, tes umha cultura…o segundo é dizer: olho, que deixamos de existir. De todos modos, a questom existencial vai ser chave nesta crise do capitalismo. A sensaçom do povo é de fim de ciclo, e quem explore a questom dos sentidos, terá um espaço. Volvo a insistir no jogo da extrema direita.
E imos ser claros: todas as propostas que incidem nesta linha, de ser ou nom ser, som laboriosas. Muito. Exigem umha entrega de corpo e alma, e obviamente, nom muitas pessoas estám dispostas a isto, o que supom que os projetos que delas se derivam tenhem tamanhos pequenos. A questom é saber ter impato com tamanhos pequenos. Cumpre explorar essa ideia do que é pequeno, mas é precioso, súper-valioso, polo seu potencial. Partindo disto, que nom está mal, o repto final é fazê-lo grande, de entidade suficiente para que influa nas maiorias, nom fugir do mundo, mas mudá-lo.
[Esta entrevista foi publicada originariamente no galizalivre.com]