O país de um milhão de vacas

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Por João Aveledo (*)

Não há dúvida que a vaca é o animal totémico do povo galego, mesmo nestes tempos de crise do setor leiteiro…

Vamos contar aqui como se «inventou» no início do século XX a mais conhecida das raças galegas, a oficialmente denominada «rubia gallega».

As raças bovinas puras, quer dizer, resultado de programas deliberados de melhoramento genético surgem na Inglaterra do século XVIII, como consequência das exigências impostas polo desenvolvimento capitalista no agro. As condições do mercado obrigavam a uma seleção do gado à procura dos melhores caracteres para a produção de leite ou carne.

O tipo racial bovino maioritário na Galiza de finais do século XIX era descrito polos especialistas como uma vaca degenerada, emagrecida e tísica, que apresentava diferentes ecotipos locais e pelagens variadas que iam do loiro ao rubro. A preocupação polo apuramento deste gado gerou um intenso debate científico que, curiosamente, conclui na criação de uma raça “nacional” que respondia às necessidades dos nossos lavradores: trabalho, carne e leite.

Para a eleição do procedimento de melhoria genética foram contempladas, fundamentalmente, duas alternativas: a seleção em pureza e a cobrição com touros de uma raça estrangeira. Optou-se por uma mistura de ambas as propostas, sendo a suíça Simmenthal a raça escolhida para os acasalamentos. Surpreende especialmente que nos argumentos a favor desta raça, tivesse grande peso um preconceito ideológico, o etnicismo celtista, tão na moda entre a intelectualidade galega daqueles anos. Chegou-se a dizer, que a Simmenthal seria na origem a mesma raça de vacas que os celtas trouxeram à Galiza!!! Estava-se apenas a regenerar a raça própria do país…

Para levar a cabo o labor de melhoramento promoveram-se os concursos de gado e importaram-se sementais da raça Simmenthal para a Granja Agrícola-Experimental da Crunha dirigida por Hernández Robredo. Em 1916, um veterinário de origem catalã, Rof i Codina, publica a monografia «A Raça Bovina Galega». Em 33, a Direção Geral de Pecuária estabelecerá o estalão (estándar racial) e o regulamento oficial dos livros genealógicos.

Hoje é a raça autóctone peninsular com um maior número de exemplares recenseados (mais de 200.000 fêmeas) e atingiu até difusão internacional (Portugal, Brasil, França, Venezuela, Colômbia…).

Há que assinalar que o processo de seleção procurou, nomeadamente nas últimas décadas, a melhoria da produção cárnica e, assim, se o peso médio dos touros apresentados a concurso em 1913 era de uns 600 Kg., atualmente acerca-se aos 1.300 Kg.

Enfim, aqueles sonhadores protonacionalistas, que viram na humilde «vaca ‘marela» a descendência daqueles bovinos que acompanhavam os filhos do celta Gael, na sua lendária invasão da Galiza, criaram, a partir de um mito, uma poderosa realidade.


 


(*) Artigo publicado originalmente no n.º 79 do Novas da Galiza