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Entre Línguas: “Os outros galegos”

A primeira parte deste artigo pode ler-se aqui, a segunda aqui, a terceira aqui e aqui a quarta.

5. Região de Xalma

5.1. Introdução

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Valverde, a vila mais povoada da região de Xalma.

Esta pitoresca região, ao contrário das outras filmadas no documentário “Entre Línguas”, não nos era completamente desconhecida. Em viagens prévias, também nós tínhamos “peregrinado” ao Xalma na procura dos “galegos” de Cáceres. Aliás, já conhecíamos o Tonho Corredera, um intelectual valverdeiro, que nos seria de grande ajuda à hora de estabelecer os contactos para as gravações.

No noroeste da província de Cáceres (Estremadura), ao pé mesmo da Serra de Gata, na bacia do rio Elhas (ou Erges) situam-se três concelhos em que ainda hoje se falam uns dialetos particulares. São os concelhos de Valverde1 (oficialmente Valverde del Fresno, até o século XVIII, comummente, Valverde ou mesmo Valverde da Serra ou Valverde de Alcântara), Elhas (oficialmente Eljas e, antigamente também Eljas, Laseljas, Erges, Laserges…) e S. Martinho de Trevelho (oficialmente S. Martín de Trevejo e antigamente S. Martinho do Castanhedo ou S. Martinho dos Vinhos)2, com uma extensão territorial conjunta de 256 km2 e uns três mil e novecentos habitantes (aos quais devemos acrescentar mais três mil naturais do vale que estão na emigração e que continuam a utilizar familiarmente estas falas). Este território recebe por parte dos investigadores diversos nomes: região de Xalma (dita Xálima nalgum dos dialetos locais), Vale do rio Elhas, os “Três Lugares” e ainda, impropriamente, Vale de Xalma3.

Valverde é um município raiano com o concelho português de Penamacor, que tem uma população de 2.250 habitantes (INE 2020) e 197 km² de superfície. Para além da vila do mesmo nome, existem dentro dele duas pequenas aldeias habitadas denominadas Vale da Venda e Carvalhal. Encontram-se também neste município as antigas ruínas do mítico castelo de Salvaleão ou Interania.

S. Martinho de Trevelho é um município que se situa muito perto da fronteira com Portugal, tem 23,82 km² e uma população de 766 habitantes (INE 2020).

As Elhas é um concelho também próximo da raia, de 33 km², e com uma população de 901 habitantes (INE 2020). Para além da vila do mesmo nome, existe dentro do concelho uma pequena aldeia habitada denominada Soito.

O principal recurso económico do Vale do rio Elhas é o azeite. Outras fontes de rendimentos económicos são a criação de gado, a viticultura, a indústria madeireira e, em menor escala, mas de forma crescente, o turismo rural. Entre os anos 40 e 80, o contrabando foi muito importante na economia local. Nas últimas décadas do século XX, grande parte da população ver-se-ia obrigada a emigrar para zonas mais prósperas como o País Basco, Catalunha, França, Suíça e Alemanha. Valverde é, pola sua localização e tamanho, a povoação com maior concentração de serviços públicos e privados.

5.2. Descrição destas variedades linguísticas

Tonho Corredera, um intelectual valverdeiro, defensor destas falas, com as Elhas ao fundo.
Tonho Corredera, um intelectual valverdeiro, defensor destas falas, com as Elhas ao fundo.

De todos os territórios em estudo é a região de Xalma, sem dúvida, a que tem merecido uma maior atenção por parte das Filologias Portuguesa e Espanhola… e nas últimas três décadas, também da Filologia Galega.

Já no dicionário de Madoz (1848) encontrámos: “Sus hab. [os de S. Martinho de Trevelho] usan un dialecto ininteligible, formado de palabras castellanas y portuguesas, todas adulteradas.” e “Los hab. [das Elhas] usan un dialecto particular, como los de Valverde y San Martin, que consiste en una mezcla de portugués, castellano antiguo y espresiones que solo ellos comprenden: dista una legua de Portugal.”4

Para Fritz Krüger (1914)5, a fala seria basicamente português dialetal, opinião partilhada por Oskar Fink (1929)6, Federico de Onís (1930)7, José Leite de Vasconcelos (1933)8, Rafael Lapesa Melgar (1942)9, Ramón Menéndez Pidal (1960)10, Alonso Zamora Vicente (1969)11 e José Luis Martín Galindo (1999)12. Federico de Onís viajou à zona durante o ano 1909, publicando os resultados da sua investigação em 1930. Segundo este autor, “S. Martín, Eljas y Valverde ofrecen la particularidad notable de hablar un dialecto fundamentalmente portugués […] a pesar de esa diferencia tan profunda [entre o manhego e o leonês oriental] hay rasgos comunes entre los pueblos que hablan portugués y los que hablan leonés”13. Leite de Vasconcelos, que visitou a região com assiduidade entre 1923 e 1935, acreditava em que estas falas eram um português raiano, “na verdade haveria estranha coincidência: estar tão perto o português, e ser preciso, para explicar o samartinhego, recorrer ao galego, tão distante” e rejeitava a hipótese, formulada previamente por ele mesmo, da repovoação galega para explicar a sua origem, relacionando estes dialetos com os de Almedilha e Olivença14.

Algo mais matizadas são as opiniões de Lindley Cintra, Azevedo Maia, Viudas Camarasa, Gargallo Gil e Carrasco González. Lindley Cintra (em 1959 e, posteriormente, em 1984) deduziu que se tratava de um galego-português arcaico interferido por leonesismos15. Azevedo Maia (1977) postula que se trata quer de uma fala de transição entre o português e o asturo-leonês, quer de um dialeto galaico-português com claras influências do asturo-leonês16. Para Viudas Camarasa (1982) é “un dialecto de transición que se caracteriza por tener trazos comunes com el gallego-portugués y con el antiguo astur-leonés, especialmente, com el occidental”, mas ao mesmo tempo afirma que “tiene una personalidad lingüística propia”17. Para Gargallo Gil (1992) trata-se de galego-português fronteiriço e arcaizante18. Juan Manuel Carrasco González (1996) acha que se trataria da terceira variedade do galaico-português, de cujo tronco comum teriam evoluído galego, português e estas falas, ao tomarem caminhos diferentes19.

Como vemos, a maioria dos autores que se ocuparam destas falas catalogaram-nas dentro do português ou, polo menos, falaram de galego-português antigo, com traços asturo-leoneses. Depois viria o seu descobrimento para a “oficialidade linguística” galega (ILG et al.), a partir da aparição de um camionista valverdeiro no programa da TVG Galicia Sitio Distinto, dirigido por Antón Reixa. Sendo o professor da Universidade de Vigo Xosé Henrique Costas o principal defensor da “galeguidade” destes dialetos, para o que se baseia numa suposta repovoação galega durante a Reconquista das terras de Riba Coa, assente na hipótese defendida por Lindley Cintra a partir do estudo linguístico dos Foros de Castelo Rodrigo20. Costas dá por certo que se trata, essencialmente, de um galego arcaico, mas com certos leonesismos21. A posterior reação “espanholista” chegará a afirmar que se trata de dialetos leoneses22, assim José Martín Durán (1999) mantém a teoria de que é uma fala asturo-leonesa com posteriores influências galegas e portuguesas23.

Como vemos, a maioria dos autores que se ocuparam destas falas catalogaram-nas dentro do português ou, polo menos, falaram de galego-português antigo, com traços asturo-leoneses. Depois viria o seu descobrimento para a “oficialidade linguística” galega (ILG et al.), a partir da aparição de um camionista valverdeiro no programa da TVG Galicia Sitio Distinto, dirigido por Antón Reixa. Sendo o professor da Universidade de Vigo Xosé Henrique Costas o principal defensor da “galeguidade” destes dialetos.

Foi destarte que a polémica saltou do puramente académico ao político, chegando mesmo a enfrentar os dous governos autonómicos, quando, em abril de 2006, o deputado do BNG Bieito Lobeira apresentou uma iniciativa parlamentar em que pedia que o Governo galego tomasse medidas para a proteção das variedades galegas faladas nas Astúrias, Castela-Leão e Estremadura. O governo de Rodríguez Ibarra reagiu com uma nota em que rejeitava “las fantasiosas premisas sobre las que se asienta el delirio imperialista de los nacionalistas gallegos”. Interveio o vice-presidente do Governo Galego, o nacionalista Anxo Quintana, que exigiu que o Presidente da Junta da Estremadura pedisse “desculpas aos galegos e ao Governo galego”… O conflito institucional fechou-se amicalmente, em 10 de julho de 2007, após uma visita à região de Xalma do vice-presidente galego. Recebido oficialmente por um novo presidente estremenho, o oliventino Fernández Vara, Quintana afirmou que “la administración gallega nunca tuvo, ni tendrá, interés imperial” e Vara coincidia em apresentar a “fala” como um “nexo común” entre o Xalma e a Galiza24.

Mais uma vez, a politização obscurece a verdade científica. Estas falas são simplesmente um português arcaizante com alguma influência da antiga fala asturo-leonesa das povoações vizinhas, sendo a secular hibridação com o castelhano a que lhes dá esse feitio que faz com que soem tão familiares aos ouvidos galegos. Das três variedades, a valverdeira é a mais castelhanizada25 e a lagarteira talvez seja a mais próxima do português26. Não surpreende que seja Valverde a vila mais castelhanizada, pois é a maior das três e nela residiram instituições estatais, como p. ex. as forças policiais, de facto, existe em valverdeiro a expressão “falar carabineiro” como sinónimo de “falar castelhano”27.

5.3. Origem destas variedades linguísticas

Entrevista ao manhego Mingos Frades, membro correspondente da Real Academia Galega.
Entrevista ao manhego Mingos Frades, membro correspondente da Real Academia Galega.

Ao falarmos da origem do português de Almedilha, falamos dos vínculos desta povoação com o resto do Riba Coa e com a região de Xalma e de como todas estas terras pertenceram possivelmente ao Condado Portucalense ou ao Reino de Portugal28 na primeira Reconquista, passando depois a domínio galaico-leonês, até o Tratado de Alcanizes29 de 1297, que define a fronteira atual entre os dous estados e que deixou Almedilha e o Xalma, ao contrário do resto da região transcudana, primeiro no Reino de Leão e, finalmente, no de Espanha. Como a seguir veremos, quase tudo o dito para Almedilha, pode aplicar-se ao Xalma.

Embora não exista documentação relativa à colonização e repovoação desta zona no século XIII, os defensores da galeguidade destas falas acreditam na hipótese, enunciada primeiramente por Lindley Cintra e depois recolhida e matizada por Azevedo Maia30, a sua discípula, de colonos galegos instalados no vale polo mosteiro de Santa Maria de Aguiar ou a Ordem Militar de S. Gião do Pereiro, ao serviço estas instituições dos reis galaico-leoneses Fernando II e, nomeadamente, Afonso IX “o Galego”. Estes colonos teriam repovoado também uma ampla área do sul de Salamanca, norte de Cáceres e a faixa oriental da Beira Baixa portuguesa, explicando-se a conservação das falas da região de Xalma na conjetura de o vale ser uma região isolada e, portanto, os colonizadores galegos terem mantido quase “pura” a sua língua, longe de influências externas. Segundo esta teoria, “estas falas son, conseguintemente, o resultado dun galego antigo implantado neste val no século XIII que perdeu todo contacto co territorio orixinario e camiñou setecentos anos por libre”31.

Mas estes argumentos contradizem o senso comum. Alguém poderia diferenciar as falas galegas das portuguesas no século XIII? Se foram o mosteiro de Aguiar ou a Ordem de S. Gião do Pereiro a repovoar a região de Xalma, devemos lembrar que este mosteiro está situado em Castelo Rodrigo (Portugal) e que a Ordem do Pereiro (chamada Ordem Militar de Alcântara a partir de 121832) tem origem nele, sendo fundada em 1093, pouco mais ou menos, polo conde D. Henrique de Borgonha33. Aliás este suposto repovoamento atingiria a lusitana Riba Coa (limítrofe com a região de Xalma) e Almedilha, onde ninguém põe em dúvida que se fale português, ainda que X. H. Costas chegue a dizer que o português “teria varrido” o galego do Riba Coa34. Existem, mesmo, claras evidências históricas de que a região de Xalma esteve sob o controle de duas ordens militares diferentes, a de Alcântara (Encomenda de Salvaleão: atuais concelhos das Elhas, Cilleros, Navasfrías e Valverde) e a Hospitalária de S. João de Jerusalém (Encomenda de Trevelho: atuais concelhos de S. Martinho de Trevelho, Villamiel y Villarrubias)35.

Por outra parte, como expõe Sanches Maragoto36, a teoria da galeguidade da «fala» assenta “em hipóteses que nom gozam de grande crédito nos estudos históricos atuais” como “Reconquista”, “repovoação” ou a “teoria do ermamento”37.

Não é muito mais provável, portanto, que, antes do domínio galaico-leonês, o enclave já estivesse habitado por portugueses? Por outra parte, desde o século XII até o XVII, tanto Portugal como Leão e Castela ambicionavam este território pola sua importância estratégica, o que levou a que mudasse de soberania de tanto em tanto. Assim, mesmo há quem diga que Valverde teria pertencido a Portugal até o reajustamento de fronteiras dos séculos XV e XVI38.

Assinalemos, também, a estreita relação existente ao longo da história entre a região de Xalma e Portugal. Relação não apenas comercial (contrabando), mas de todo o tipo. Os casais mistos foram tão frequentes que 30% dos atuais habitantes destas três vilas têm antepassados portugueses, com só chegarmos à terceira geração… E até finais da década de setenta o único canal de televisão que se via nas três vilas era a RTP39.

5.4. Análise sociolinguística

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Dous dos nossos informantes, família Berrío (Carvalhal, Valverde).

Estes três dialetos são denominados polos autóctones: valverdeiro, valverdenho ou, mais frequentemente, chapurrao40; manhego (abreviação de samartinhego) e lagarteiro (que vem do costume dos habitantes das Elhas de consumirem lagartos).

Ao contrário dos restantes enclaves estudados no presente trabalho, a imensa maioria dos seus moradores41 empregam quotidianamente o valverdeiro, o lagarteiro e o manhego, o que tendo em conta as reduzidas dimensões deste vale é um caso único de fidelidade linguística na Europa das línguas menorizadas.

Um inquérito feito entre escolares, em 1992, polo professor da Universidade de Barcelona Gargallo Gil, ofereceu os seguintes dados a respeito do uso do castelhano no âmbito familiar: em Valverde, 25 em cada 125 escolares empregavam o castelhano ao falar com a família; em S. Martinho, apenas 4 em 29, e o cômputo descia a 3 em 54 nas Elhas. Em 1994, um novo estudo punha de manifesto que 80% aprendeu a falar castelhano na escola, sendo a percentagem de uso da “fala” na família de 100% nas Elhas, 85% em S. Martinho e 73% em Valverde42. O mais recente estudo sociolinguístico, o de Ramallo Fernández (2011)43, com uma amostra de 180 estudantes de entre 10 e 15 anos (111 valverdeiros, 43 lagarteiros e 26 manhegos) constata uma diminuição do monolinguismo familiar (61% em Valverde, 72% nas Elhas e 58% em S. Martinho) e um aumento do bilinguismo familiar (25% em Valverde, 23% nas Elhas e 35% em S. Martinho). Como podemos observar, a transmissão pais-filhos ainda se dá de forma maioritária, mas a tendência aponta para uma substituição progressiva de usos linguísticos por parte do castelhano.

Em 1991, Martín Galindo realiza um inquérito sobre a identidade destas variedades linguísticas entre 120 vizinhos de S. Martinho de Trevelho. Os resultados foram os seguintes: dialeto do antigo leonês, 13,33%; dialeto do português, 20,00%; língua autóctone, 66,66%44. Na referida sondagem participaram apenas 20 pessoas, não existindo a hipótese de responder “variante do galego”.

Em 1992 criou-se a desaparecida “Asociación Fala i Cultura do Val do Río Ellas”, presidida por Domingo Frades Gaspar “Mingos”, entre cujos propósitos se encontrava a elaboração de uma gramática comum (com base galega) e a comemoração do “Dia da Nossa Fala”. O “Dia da Nossa Fala” celebrou-se em 1992 nas Elhas, em 1993 em Valverde e em 1994 em S. Martinho.

Em 3 de agosto de 1993 foi assinado o “Manifestu do día da Nossa Fala”45, um documento em que os presidentes das três Câmaras Municipais exigiam das autoridades provinciais e autonómicas a adoção de medidas para a conservação destas falas. Nesse mesmo ano a “Asociación Alén do Val” de Ponte Vedra elaborava uma proposta normativa que tentava unificar os três dialetos e reintegrá-los no “galego ILG-RAG”46. Neste senso, diz X. H. Costas “(…) se [estas falas]son de filiación galega, a Real Academia Galega sería a autoridade lingüística de referencia sobre elas, como o é sobre o galego do Bierzo Occidental e das Portelas e Calabor en Zamora…”47. A iniciativa apenas foi seguida, e só parcialmente, por Domingo Frades, que em 2004 seria nomeado membro correspondente da Real Academia Galega.

Em 3 de agosto de 1993 foi assinado o “Manifestu do día da Nossa Fala”45, um documento em que os presidentes das três Câmaras Municipais exigiam das autoridades provinciais e autonómicas a adoção de medidas para a conservação destas falas.

Em 1998 publicou-se a primeira obra literária: Seis sainetes valverdeiros, escrita por Isabel López Lajas e editada na Galiza. Foi nessa altura quando o Gabinete de Iniciativas Transfronteiriças começou a preocupar-se seriamente por estas variedades linguísticas, publicando em 1999 uma dezena de tratados científicos e realizando no mês de maio desse mesmo ano um congresso. No ano académico 2000/2001, o técnico de cultura J. Carlos Márquez lecionou nas três escolas do Vale um “Taller de Lengua”.

Em 2001, a Conselharia de Cultura da Junta da Estremadura declarava a “fala”48 da região de Xalma como “Bem de Interesse Cultural”, a fim de protegê-la e conservá-la. Porém, esta não deixa de ser uma declaração retórica sem efetividade prática.

Em 2001, a Conselharia de Cultura da Junta da Estremadura declarava a “fala”48 da região de Xalma como “Bem de Interesse Cultural”, a fim de protegê-la e conservá-la. Porém, esta não deixa de ser uma declaração retórica sem efetividade prática.

Em 2013, criou-se a Asociación Cultural “A Nosa Fala” que tinha como fins “Promovel A Fala nas suas tres variantis du Lagarteiru, Mañegu y Valverdeiru, comu expresión dun-a cultura, dun-a forma de aprendel a realidai i cuñucela”49. O seu primeiro presidente foi o manhego J. Carlos Márquez. Esta associação na atualidade, segundo os dados de que dispomos, carece de atividade pública50. Nas Elhas existe desde 2009 “U lagartu Verdi” com o objetivo da “defensa, fomentu i divulgación de A Fala, ispecialmenti u Lagarteiru”51. Editam “Anduriña. Rivista cultural de As Ellas”, fundada e dirigida por Severino López, empregando a proposta normativa elaborada em 2016 por um grupo coordenado por Miroslav Valeš. Atualizada em 2017, esta normativa segue uma filosofia isolacionista a respeito do galego e do português e pretende respeitar as singularidades locais52. Em setembro de 2021, Miroslav Valeš apresentou um “Diccionariu”.

O Grupo Xálima nascia em 2016 com o objetivo de defender a origem e o carácter galego-português destas falas “O GX pretende agrupar estudiosos e profissionais das línguas românicas, mas também aquelas pessoas preocupadas pela desnaturalização e crescente castelhanização que estão a sofrer os falares do Vale de Xálima (o manhego, o lagarteiro e o valverdeiro) e ainda outros ilhéus linguísticos galego-portugueses existentes no Estado espanhol”53. Os seus impulsores, Antonio Corredera, Martín Galindo e Sanches Maragoto, tinham feito em 2015 uma proposta normativa baseada na ortografia portuguesa “A fala do val de Xálima é ũa variedai do galego­portugués e como tal deve sel solidária com as outras variedais desta língua histórica, especialmente com o portugués vizinho”54.

Mais interesse, do nosso ponto de vista, tem para a conservação destes dialetos a implantação do português no ensino. A Junta da Estremadura quer promover o conhecimento do português como “língua estratégica” para o relacionamento comercial com Portugal, nomeadamente, em zonas raianas, como a região de Xalma. No ensino primário é uma cadeira não avaliável, fazendo parte do Plano Portugal da Junta da Estremadura55. Por outra parte, mais de nove mil estudantes de centros de ensino secundário estremenhos estudam o português como segunda língua estrangeira. No ano académico 2009-2010 começou a estudar-se como cadeira optativa na escola de ensino secundário Val de Xálima de Valverde56. Na atualidade lecionase português nos CEIP Nuestra Señora de La Asunción de Valverde, Santa Rosa de Lima de S. Martinho de Trevelho e Divina Pastora das Elhas e no IESO Val de Xálima de Valverde.

Como vemos, observa-se que, em geral, entre os falantes da região, existe uma elevada autoestima, não sendo muito acentuado esse sentimento de inferioridade linguística tão habitual entre os utentes de outras línguas menorizadas. Um prestígio social que se tem acrescentado nas últimas décadas. Existe, aliás, uma importante atividade cultural centrada na defesa destas falas. Mesmo assim, estas têm um uso, maioritariamente, oral e ágrafo. Portanto e apesar de o futuro destas variedades linguísticas parecer aparentemente prometedor (sobretudo, se o compararmos com outros territórios aqui estudados), a realidade é bem diferente. Na atualidade, os habitantes da região de Xalma já são bilingues, todos sabem falar castelhano, sendo esta a língua de uso único na escola, na igreja e na prática totalidade dos registos cultos. A sua língua teito é o castelhano, mesmo quando falam na língua própria, o que leva, infelizmente, a uma progressiva hibridação lexical, sintática e fonética, que se viu acrescentada nos últimos anos pola influência dos meios de comunicação espanhóis. Em definitivo, a sobrevivência do valverdeiro, do manhego e do lagarteiro não vai ser nada fácil…

(Continuará)

1 Nesta região, a /-o/ final átona pronuncia-se /u/, o mesmo que a /e/ final átona pronuncia-se /i/; polo que em muitas ocasiões este e outros vocábulos são grafados com <i> e <u> finais (Valverdi, Trevelhu) com o objetivo de representar um fenómeno fonético infrequente no castelhano, mas muito comum nas falas galego-portuguesas. Por essa razão, neste trabalho mantemos a grafia tradicional galego-portuguesa (<e> e <i>) nos finais [i] e [u] deste tipo de palavras.

2 Costas González Xosé Henrique (2013) “O valego. As falas de orixe galega do Val do Ellas (Cáceres-Estremadura)”, Xerais, Vigo, págs 108-114.

3 O Xalma é uma montanha!

4 Madoz Pascual (1848) Diccionario geográfico-estadístico-histórico de España y sus posesiones de ultramar, Madrid.

5 Krüger Fritz (1914) Studien zur Laugeschichte Wetspanicher Mundarten. Universidade de Hambugo.

6 Fink Oskar (1929) Studien úber die Mundarte der Sierra de Gata. Universidade de Hambugo.

7 Onís Federico de (1930) Notas del Dialecto de San Martín de Trevejo. Universidade de Columbia. Nova Iorque.

8 Leite de Vasconcelos José (1933) “Português dialectal da Região de Xalma”, Revista Lusitânia Vol. XXXI, Lisboa.

9 Lapesa Melgar Rafael (1942) Historia de la Lengua Española, Madrid.

10 Menéndez Pidal Ramón (1960) “Dos problemas relativos a los romances ibéricos”. Enciclopedia Lingüística Hispánica, tomo I. Consejo Superior de Investigaciones Científicas. Madrid.

11 Vicente Zamora Alonso (1969) Dialectología Española, Madrid.

12 Martín Galindo José Luis (1999) “A Fala de Xálima. O falar fronteirizo de Eljas, San Martín de Trevejo y Valverde”, Estudios y documentos sobre A Fala. Tomo II, Mérida.

13 Onís Federico de (1930) Notas del Dialecto de San Martín de Trevejo. Universidade de Columbia, Nova Iorque.

14 “na verdade haveria estranha coincidência: estar tão perto o português, e ser preciso, para explicar o samartinhego, recorrer ao galego, tão distante […] é verdade que quem diz português, diz mais ou menos galego (neste caso galego antigo); mas a Galiza fica muito afastada, para que exercesse aqui influência… Além d’isso não se encontra, eu pelo menos não encontrei, nenhum resquício galego na linguagem de San Martín, por exemplo, che, que já se lê nas Cantigas de Santa Maria (século XIII); e o que se passa em San Martín passa-se, embora em grau menor, e mais modernamente em Almedilha ou Alamedilha, e em Olivença” em Leite de Vasconcelos José (1927) Linguagem de San Martín de Trevejo (Cáceres: Hespanha)”. Separata da Revista Lusitânia Vol. XXVI, Porto.

15 Lindley Cintra Luís F. (1959) A Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo. Seu confronto com a dos foros dos Alfaiates, Castelo Bom, Castelo Melhor, Coria, Caceres e Usagre”, Publicações do Centro de Estudos Filológicos Vol. 9, Livraria Sá da Costa, Lisboa.

16 Maia C. de Azevedo (1977) Os falares fronteiriços de concelho do Sabugal e da vizinha região de Xalma e Alamedilla, Instituto de Estudos Românicos da Faculdade de Letras, Coimbra.

17 Viudas Camarasa Antonio (1982) “Un habla de transición: el dialecto de San Martín de Trevejo”, Lletres Asturianes, IV, págs. 54-71.

18 Gargallo Gil José Enrique (1992) “Hibridismo y vitalidad en las hablas fronterizas (con Portugal) del Valle del Jálama (provincia de Cáceres)”, comunicación presentada en el 20th Romance Linguistics Seminal, Trinity Hall, Cambridge, 3-4 January 1992.

19 Carrasco González Juan M. “Hablas y dialectos portugueses o galaico-portugueses en Extremadura (I: Grupos dialectales: Clasificación de las hablas de Jálama)”, Anuario de Estudios Filológicos, Vol. 19, 1996 , Universidad de Extremadura: Servicio de Publicaciones, págs. 135-148.

20 Lindley Cintra Luís F. , op. cit..

21 Costas González Xosé Henrique (1992) “Notas sociolingüísticas sobre os falares «galegos» da Ribeira Trevellana (Cáceres)”, A Trabe de Ouro, nº 11, págs. 409-417.

22 Pérez Ana Isabel com. pess. a Eduardo Maragoto e Vanessa Vila Verde Lamas. Ana Isabel Pérez, Presidenta em 2008 da Câmara Municipal de Valverde, do PP e nascida fora da região de Xalma é partidária também desta teoria.

23 Martín Durán José (1999) “A fala. Un subdialecto leonés en tierras de Extremadura”, Estudios y documentos sobre A Fala. Tomo IV. Mérida.

24 Martín Galindo José Luis (2010) La estrategia del nacionalismo gallego en el Val de Xálima, Iniciativa Val de Xálima/3, págs. 22-23.

25 P. ex. pronunciam à castelhana, como [x], o <j> de “ajuda” ou “hoje”.

26 P. ex. na pronúncia de sibilantes surdas e sonoras, tanto fricativas alveolares como palatais.

27 Berrio Alfonso (2009) com. pess.

28 «Interessaria determinar a data a quo e ad quem da posse portuguesa de Riba-Coa, antes da anexação definitiva em 1297. É induvitável que, pelo menos desde 1130, Portugal dominava naquela região transcudana, uma vez que os limites do alfoz de Numão, descritos na carta foral dada naquele ano a esta povoação, atingiam o Águeda e a ribeira de Duas Casas.» Maia C. de Azevedo, op. cit.: 28.

29 «E outro si por que me vós partades das demandas que me faziades sobre razon dos termos, que som antre meu Senorio, e vosso por esso me vos parto do ditos Castellos, e Villas, e Lugares de Sabugal, e de Alfayates, e de Castel Rodrigo, e de Villa Maior, e de Castel Boom, e de Almeida, e de Castel Melhor e de Monforte, e dos outors Lugares de Riba Coa que vós agora teendes à vossa maãao, com todas seus Termos, e Direitos, e perteenças, e partome de toda demanda, que eu hei, ou poderia aver contra vós, ou contra vossos successores per razom destes Lugares sobreditos de Riba Coa, e de cada hum delles.» (http://pt.wikisource.org/wiki/Tratado_de_Alcanises).

30 Maia C. de Azevedo, op. cit.: 23-25.

31 Costas Xosé Henrique (1994): “O galego de Cáceres”, Xornadas sobre a normalización das outras linguas hispánicas (Santiago de Compostela: Faculdade de Filologia).

32 Demurger Alain (2002) [tradução de Wenceslao Carlos Lozano de 2005]: Caballeros de Cristo. Templarios, Hospitalarios, Teutónicos y demás órdenes militares en la Edad Media (Siglos XI al XVI): 64 (Granada: Editorial Universidad de Granada).

33 Torres João Romano – Editor (1904-1915) Portugal – Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico, vol. VI: 697 (João Romano Torres – Editor).

34 Costas González Xosé Henrique com. pess.

35Martín Galindo José Luis (2010), op. cit., pág. 6.

36 Sanches Maragoto Eduardo (2011): “As falas das Elhas, Valverde e S. Martinho (Cáceres): Origem galega ou portuguesa?”, em Lengua, ciencia y fronteras, Anexos de Revista de Filoloxía Asturiana II, Universidá d’Uviéu, Seminario de Filoloxía Asturiana, pág. 385-425.

37 Barbero Abilio, Vigil, Marcelo (1978). La formación del feudalismo en la península ibérica. Crítica. Barcelona.

39 Martín Galindo José Luis (2010), op. cit., pág. 5.

40 “As pessoas de maior idade, sobretudo um considerável número de falantes de Valverde do Fresno, ainda dizem que falamos chapurraeo, chaupurrao, chapurriau ou chapurrau, inclusivamente alguma vez se tem registado nesta mesma vila o termo cachipurrau.” https://falanti.eu/3-a-lingua/

41 “a fala não foi historicamente a língua de todos os habitantes das três localidades do Vale de Xálima; foi a língua da imensa maioria, das classes populares. Uma minoria, os ricos, autoridades e funcionários sempre se exprimiram em castelhano, porque consideravan que a fala era uma linguagem inculta, próprio de camponeses e de gente sem estudo… Nos últimos anos, a fala tem ganho prestígio social e protagonismo cultural. Quem antes a desprezava hoje se apresentam mais defensores dela que ninguém; as famílias “abastadas” que nunca tinham falado nem na sua casa nem com os vizinhos, agora ficam ofendidos quando outros moradores falam em castelhano e replicam ofendidos “Fala-me do lugal!”…” https://falanti.eu/capitulo-1-o-que-e-a-fala-de-xalima/

42 http://es.wikipedia.org/wiki/Fala

43 Ramallo Fernández F. (2011): “O enclave lingüístico de Xálima: unha análise sociolingüística”, Estudos de Lingüística Galega 3, págs. 111-135.

44 Martín Galindo José Luis (2010), op. cit>., pág. 11.

45 Repare-se no uso do -ss-.

46 http://consellodacultura.gal/mediateca/extras/CCG_ac_2017_artigo71_tamaraflores.pdf

47 Costas González Xosé Henrique (2013), op. cit., pág. 217.

48 Denominação criada recentemente que trata de dar unidade aos três dialetos. Existem ainda outros glotónimos recentes como “valego” ou “xalimego”…

49 http://anosafalavaldexalima.blogspot.com/

50 Corredera Antonio (2021) com. pess.

51 https://ulagartuverdi.wordpress.com/

52 https://ulagartuverdi.files.wordpress.com/2019/03/ortografia-de-a-fala_2017_lag.pdf

53 https://pgl.gal/nasce-grupo-xalima-para-defender-identidade-galego-portuguesa-das-falas-de-caceres/

54 https://pgl.gal/wp-content/uploads/2015/08/Crit%C3%A9rios-para-orientar-a-ortografia-do-xalimego.pdf

55 https://www.educarex.es/ord_academica/plan-portugal-primaria.html?fbclid=IwAR01y-SwT4FOOuW5iRzrYFWXp_41AObUXniHTOFMtEj5cvJ4-2uhEs49ouc

56 Corredera Antonio (2021) com. pess.

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