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Os outros galegos: Região de Olivença

7. Região de Olivença

7.1. Introdução

Vila de Talega, onde já não há falantes nativos de português.

Março de 2009, chegamos à vila de Olivença. Ficámos impressionados pola importância do seu castelo e do seu sistema de fortificações, memória dum passado raiano em que não faltaram os conflitos bélicos, polo estilo manuelino de monumentos, como a igreja da Madalena ou os Paços do Concelho, polos azulejos barrocos da Santa Casa da Misericórdia, pola calçada portuguesa que enfeitava largos e passeios… E ainda porque, ao abrirmos os ouvidos e ficarmos atentos, podíamos escuitar dos lábios das pessoas mais anciãs conversas num português dialetal especialmente melodioso.

Previamente à nossa chegada, tínhamos conseguido o contacto do Quini, o presidente de Além-Guadiana. Além-Guadiana era uma associação cultural, formada um ano antes das nossas gravações, que tinha como objetivo a promoção da cultura tradicional e do português na região de Olivença (concelhos de Olivença e Talega). O seu ativismo prolongou-se durante 11 anos (2008-2019). O Quini e a María1, dous neofalantes e membros desta associação, seriam os nossos introdutores nos restos da comunidade lusófona oliventina.

Olivença é um território situado na província de Badajoz, na ribeira do rio Guadiana, que foi ocupado militarmente por Espanha na Guerra das Laranjas de 1801 e que está dividido administrativamente em dous concelhos: Olivença e Talega (oficialmente Olivenza e Táliga).

Hidrograficamente, pertence à bacia do Guadiana, sendo atravessado por este rio, atual raia divisória com Portugal, e vários dos seus afluentes, entre os que destacam o rio de Olivença e o de Talega. O rio de Olivença demarca a fronteira natural leste e norte de Olivença com os concelhos de Barcarrota, Valverde de Leganés e Badajoz. Este rio nasce perto da vila de Barcarrota e a sua água está represada na albufeira da Pedra Aguda, barragem inaugurada em 1956. O rio de Talega nasce perto da vila do mesmo nome, e antes de desaguar no Guadiana delimita a fronteira sul entre os municípios de Olivença e Alconchel. Em 2004, Portugal inaugurou no rio Guadiana a Barragem de Alqueva, o maior reservatório artificial de água da Europa Ocidental. Esta albufeira chega ao concelho de Olivença.

A área do concelho oliventino é de 430’14 km² e tem 11.871 habitantes (INE 2021). A vila de Olivença está situada na ribeira esquerda do Guadiana, distando 23 km da cidade de Elvas e 24 km de Badajoz. A ligação com o resto do território português é feita mediante uma ponte construída sobre o rio Guadiana por Portugal no ano 2000, ao pé mesmo das ruínas da histórica Ponte da Ajuda.

A área do concelho oliventino é de 430’14 km² e tem 11.871 habitantes (INE 2021). A vila de Olivença está situada na ribeira esquerda do Guadiana, distando 23 km da cidade de Elvas e 24 km de Badajoz. A ligação com o resto do território português é feita mediante uma ponte construída sobre o rio Guadiana por Portugal no ano 2000, ao pé mesmo das ruínas da histórica Ponte da Ajuda.

O município inclui hoje, para além da própria cidade de Olivença, as seguintes povoações:

São Bento da Contenda (oficialmente San Benito de la Contienda), a maior aldeia do concelho de Olivença, fica a 7,5 km a sul de Olivença, possuindo cerca de 571 habitantes (INE 2021). Chegou a ser município, mas por muito pouco tempo, porque em 1834 se reintegrou no concelho de Olivença.

São Jorge da Lor (oficialmente San Jorge de Alor) situa-se a 5 km ao sudeste de Olivença nas encostas da Serra da Lor, e, até 1801, era uma freguesia oliventina, tendo na altura 404 habitantes, atualmente tem 475 (INE 2017). Entre 1843 e 1862 foi concelho.

São Domingos de Gusmão (oficialmente Santo Domingo de Guzmán) localiza-se, também, nas encostas da Serra da Lor e a pouca distância de São Jorge. Com cerca de meia centena de casas e 16 habitantes (INE 2013) é a menor destas aldeias. Antigamente, foi uma das cinco freguesias oliventinas e, desde a queda do Antigo Regime até 1834, município constitucional espanhol.

Vila Real (antes chamada Aldeia da Ribeira e agora, oficialmente, Villarreal) está situada na margem do Guadiana, frente às povoações de Juromenha e Alandroal. A Aldeia da Ribeira pertencia ao antigo concelho de Juromenha, agora integrado no concelho de Alandroal, mas ao ser invadida a região por Espanha, foi incluída no concelho de Olivença e mudado o seu topónimo. Tem 81 moradores (INE 2017).

Ponte da Ajuda, que comunicava Olivença com o resto de Portugal, destruída em 1709, durante a Guerra de Sucessão Espanhola.

São Francisco e São Rafael (oficialmente San Francisco de Olivenza e San Rafael de Olivenza) foram vilas criadas na ditadura com colonos procedentes maioritariamente da região, dentro do chamado Plano Badajoz, entre 1952 e 1956. São Francisco tem 462 habitantes (INE 2013) e São Rafael 253 (INE 2017). As vilas foram batizadas em honra do general Francisco Franco e do seu ministro de Agricultura Rafael Cavestany2.

Nossa Senhora da Assunção de Talega, uma freguesia do antigo território de Olivença, situada no sudeste da região, é desde 1850 um município independente que tem 31 km² e 674 habitantes (INE 2011). Em Talega já não há falantes nativos3, os últimos morreram na virada de século, porém moram na localidade alguns oliventinos lusófonos.

A economia da região oliventina baseia-se no setor agropecuário, no comércio e no turismo. Muitos oliventinos viram-se obrigados a emigrar.

7.2. Descrição desta variedade dialetal

O português oliventino é um subdialeto alentejano que depois de dous séculos de pertença a Espanha e isolamento a respeito de Portugal, tem um superestrato castelhano, dialetalmente estremenho4. A hibridação fonética com o castelhano faz com que apareça pontualmente a “gheada”5.

O isolamento e a falta de escolarização em português fazem com que os traços dialetais, como na Galiza, estejam mais marcados. Segundo Manuel J. Sánchez Fernández, algumas das suas principais características são6: o ditongo ei é pronunciado /e:/, como no Alentejo, (p. ex. aldeia [al’de:a], azeitona [aze:’tona]); os -e átonos finais fecham-se tanto que acabam por se pronunciar /i/ (vale [‘vali]), e este -i acrescenta-se por paragoge às palavras agudas acabadas por -r ou -l (p. ex. comer(i), Portugal(i)); também a síncopa de vogais na pronúncia rápida, fenómeno frequente no português meridional (p.ex. j( a)nela (>(e)snela), m(e)lancia (>blancia))…

Achamos também destacáveis as interferências do português no castelhano falado em Olivença7, em muitos casos coincidentes com algumas das que se dão na Galiza: não se usa o pretérito perfeito composto, mas a forma simples; formas analógicas no presente de subjuntivo dos verbos estar (estea, esteas, estéamos, estean) e dar (dea, deas, dea, déamos, dean); construções que lembram o infinitivo pessoal português, já perdido no português oliventino e quase nas falas galegas (p.ex. “Díselo para él saberlo” em vez de “Díselo para que lo sepa”); construções nominais em que “todo, toda, todos, todas” não precedem o nome (p.ex. “¿Como quedó allá la gente toda?”); locuções (p.ex. “al pie de”, “no tiene duda”, “es capaz de llover”…); resposta-eco portuguesa (p.ex. “- ¿Fuiste a buscar el pan?- Fui”), léxico (“lerias” por “patrañas”)…

Achamos também destacáveis as interferências do português no castelhano falado em Olivença7, em muitos casos coincidentes com algumas das que se dão na Galiza: não se usa o pretérito perfeito composto, mas a forma simples; formas analógicas no presente de subjuntivo dos verbos estar (estea, esteas, estéamos, estean) e dar (dea, deas, dea, déamos, dean); construções que lembram o infinitivo pessoal português, já perdido no português oliventino e quase nas falas galegas (p.ex. “Díselo para él saberlo” em vez de “Díselo para que lo sepa”); construções nominais em que “todo, toda, todos, todas” não precedem o nome (p.ex. “¿Como quedó allá la gente toda?”); locuções (p.ex. “al pie de”, “no tiene duda”, “es capaz de llover”…); resposta-eco portuguesa (p.ex. “- ¿Fuiste a buscar el pan?- Fui”), léxico (“lerias” por “patrañas”)…

7.3. Origem desta variedade linguística

Em Olivença ainda se fala português, porque Olivença foi portuguesa até a invasão espanhola de 1801. É curioso como um feito tão recente como este tenha desaparecido do imaginário popular, sendo crença espalhada entre o povo que a vila foi trocada pola povoação portuguesa de Campo Maior8.

Não parece improvável que Olivença tenha sido primeiramente conquistada aos mouros por Portugal, que depois haveria de reivindicar no Tratado de Alcanizes os seus direitos sobre este território, mas disto não existe constância documental. Existe constância, polo contrário, de que em 1230 o território que abrange Badajoz e toda a margem esquerda do rio Guadiana foi dominado polas forças de D. Afonso IX “o Galego”, rei da Galiza e de Leão, ficando entre 1250 e 1278 sob a comenda da Ordem dos Templários9. Depois será assinado o já referido Tratado de Alcanizes de 1297 em que Olivença é cedida a Portugal10. Durante a união dinástica filipina, entre 1580 e 1640, Olivença continuou a fazer parte do Reino de Portugal. Posteriormente, na Guerra da Aclamação ou da Restauração da Independência, a praça resiste a quatro assaltos polos exércitos castelhanos, vindo a cair no quinto11, em 1657, sendo devolvida a Portugal, polo Tratado de Lisboa de 1668, que viria a pôr fim ao conflito12. Em 1801, na Guerra das Laranjas, prelúdio da Guerra Peninsular, as tropas espanholas sob o comando do “favorito” Manuel de Godoy ocupam Olivença. O seu governador, Júlio César Augusto Chermont, não ofereceu resistência13, pois a praça era já militarmente indefensável (em 1709, na Guerra de Sucessão Espanhola, os arcos centrais da Ponte da Ajuda, que comunicava Olivença com o resto de Portugal, foram destruídos)14. Pouco depois, Espanha obriga a Portugal a assinar os tratados de Badajoz15 de 6 de junho e de Madrid de 29 de setembro de 1801, que consagravam a conquista16.

O próprio Godoy deixaria escrito nas suas memórias “…la gloria y el contento que para siempre me ha quedado de haber puesto de mi mano una nueva presa para la riquísima corona sin mancilla y sin desmedro, como llegó a mis manos: la plaza de Olivenza con sus territorios…17.

Em Olivença ainda se fala português, porque Olivença foi portuguesa até a invasão espanhola de 1801. É curioso como um feito tão recente como este tenha desaparecido do imaginário popular, sendo crença espalhada entre o povo que a vila foi trocada pola povoação portuguesa de Campo Maior8.

7.4. Questão de Olivença

Em 1 de maio de 1808, o príncipe regente D. João (futuro D. João VI), refugiado no Brasil, publica no Rio de Janeiro, na altura, capital do Império Português, um manifesto no qual denuncia o Tratado de Badajoz, aproveitando a colaboração espanhola na invasão napoleónica do território luso18. Terminada a Guerra Peninsular foi assinado o Tratado de Paris de 1814 que anulava os de Badajoz e Madrid19. Entre setembro de 1814 e junho de 1815, após a derrota francesa, as grandes potências europeias redesenharam o mapa político do continente europeu no Congresso de Viena, nele a delegação portuguesa exigiu a devolução de Olivença e a anulação do Tratado de Badajoz, conseguindo a inclusão do 105.º artigo na Ata Final20. Este artigo negava a legitimidade dos direitos espanhóis sobre Olivença e confirmava a soberania portuguesa. A Ata Final foi assinada polo Reino da Espanha em 7 de maio de 181721. Mas Espanha nunca cumpriria o seu compromisso… Surgia a “Questão de Olivença”, uma disputa fronteiriça entre Espanha e Portugal que continua sem ser resolvida.

Quando, em 1864, se procedeu à demarcação oficial da fronteira entre Portugal e Espanha, a Comissão Internacional de Limites foi obrigada a interromper os seus trabalhos na desembocadura no Guadiana do rio Caia, porque Portugal não reconhecia a soberania espanhola sobre Olivença. A demarcação da fronteira continuou parada até o ano 1926, em que a Comissão retomou a sua tarefa, mas só a partir da desembocadura da ribeira de Cuncos, a sul de Olivença. Em consequência não existem marcos de fronteira na área oliventina22. Em todo este tempo Portugal nem reivindicou ativamente Olivença, nem reconheceu a soberania espanhola23.

No século XX, foram fundadas em Portugal diversas associações favoráveis à recuperação de Olivença24. Em 1938, nascia a Sociedade Pró-Olivença. Ventura Ledesma Abrantes (1883/1956), um oliventino de família pró-portuguesa refugiada em Lisboa no início do século XX, foi o seu ativista mais destacado. A associação daria origem em 44 ao Grupo dos Amigos de Olivença-Sociedade Patriótica, da qual formaram parte personagens tão importantes como o principal opositor ao salazarismo general Humberto Delgado (1906/1965) ou o almirante Pinheiro de Azevedo (1917/1983), primeiro-ministro de Portugal do VI Governo Provisório (1975/1976)25. Humberto Delgado, já exilado na Espanha, seria assassinado pola PIDE na estrada Badajoz-Olivença a menos de cem metros da Ribeira de Olivença26. Em 1988, nasce em Estremoz o Comité Olivença Portuguesa, sendo o seu fundador, presidente e sócio mais ativo o professor Carlos E. Luna. Em 2003, o Comité Olivença Portuguesa integrou-se no Grupo dos Amigos de Olivença.

O conflito diplomático que implica a Questão de Olivença continua latente e reflete-se, pontualmente, em factos como que o governo português recusasse aceitar o carácter internacional da nova ponte sobre o rio Guadiana, inaugurada em 2000, tendo assumido para si a direção da obra e todo o seu financiamento27.

Não obstante, as históricas reclamações lusas não impediram a constituição por parte de nove municípios raianos do Alentejo e da Extremadura espanhola (Albuquerque, Arronches, Badajoz, Campo Maior, Codesseira, Elvas, Estremoz, Portalegre e a própria Olivença) da primeira eurorregião ibérica, em 2008, após terem assinado a chamada “Declaração de Olivença”28.

As históricas reclamações lusas não impediram a constituição por parte de nove municípios raianos do Alentejo e da Extremadura espanhola (Albuquerque, Arronches, Badajoz, Campo Maior, Codesseira, Elvas, Estremoz, Portalegre e a própria Olivença) da primeira eurorregião ibérica, em 2008, após terem assinado a chamada “Declaração de Olivença”

As gestões feitas em 2010 na Assembleia da República por uma comissão de cidadãos29, ligados a Associação Cultural Além Guadiana, permitiram que, desde 2014, cerca de 1.500 habitantes de Olivença obtivessem a dupla nacionalidade. Pola primeira vez na história, nas legislativas portuguesas de 2019, uns 500 oliventinos puderam exercer o seu direito de voto30.

7.5. Análise sociolinguística

Vanessa Vilaverde e Eduardo Maragoto com Joaquín Fuentes Becerra “Quini”, presidente da Associação pela Cultura Portuguesa em Olivença “Além Guadiana”.

A imensa maioria dos oliventinos lusófonos são conscientes de falarem português, mesmo que, por vezes, lhe chamemchapurreado”31, por ser mistura do seu português dialetal oliventino e do castelhano. Ora, não faltaram personagens, pertencentes aos setores politicamente mais espanholistas, que afirmaram que aquilo já não era português, mas simplesmente “oliventinu”32.

Ao contrário do acontecido noutros territórios, a perseguição do português em Olivença e a imposição manu militari do castelhano está perfeitamente datada: a 14 de agosto de 1805 era escrita a última ata da Câmara de Olivença em língua portuguesa e em 1840 passou a ser proibido o uso da língua portuguesa no território, inclusivamente nas igrejas. Na ditadura franquista o uso do português em público foi especialmente reprimido33.

Durante estes dous séculos de ocupação espanhola, a toponímia34 e antroponímia35 portuguesa foi castelhanizada sistematicamente (como nos restantes territórios vistos até agora e na própria Galiza, só que em Olivença tudo é muito mais recente)36.

Não por acaso, em 1943, a Sección Femenina de FET de las JONS funda em Olivença o Grupo de Coros y Danzas “La Encina”37, que recolheria e traduziria para o castelhano as canções tradicionais oliventinas, caso único em todo o Estado38. Este rancho folclórico fundado por Encarnación Ramallo de la Granja, “Choni Ramallo”39, e Antonio González Martínez “Mantequiña”, transformou-se em associação em 1975 e continua em ativo com um repertório estremenho, que inclui temas oliventinos (alentejanos) traduzidos e adaptados ao castelhano (verbi gratia: Corridiño Viejo, Corridiño Nuevo, El Candil, La Uva, La Maya, Vira Doble…).

Até a Guerra Civil, Olivença era de esmagadora maioria lusófona40. No entanto, a geração da década de 1940 começou a ensinar os seus filhos a falarem o castelhano. Nas aldeias, onde, segundo Leite de Vasconcelos, até o fim do século XIX, se utilizava unicamente o português para a comunicação do dia-a-dia, já eram bilingues na década de 196041. Uma escola, uma Igreja e uns media exclusivamente em língua castelhana são os factos que o explicam, sem esquecermos um conflito político-territorial, do que o idioma português representa, como traço identitário, o símbolo máximo.

Até a Guerra Civil, Olivença era de esmagadora maioria lusófona40. No entanto, a geração da década de 1940 começou a ensinar os seus filhos a falarem o castelhano.

Agora, no início do século XXI, o português oliventino só é falado entre os mais idosos e alguns escassos neofalantes conscientes, que aprenderam o português padrão, tendo desaparecido já do concelho de Talega. Os seus falantes são todos socialmente bilingues e a maioria têm o castelhano como língua teito, mesmo quando falam a língua própria, o que leva a uma progressiva hibridação, acrescentada nos últimos anos pola influência dos meios de comunicação espanhóis. Está “linguística e socialmente desprestigiado” e é identificado com “a ruralidade e o analfabetismo, sendo considerado uma “forma corrupta de falar, uma linguagem desajeitada”42. Segundo Manuel J. Sánchez Fernández, o português em 2022 só se fala nas aldeias (Vila Real, São Bento da Contenda, São Domingos de Gusmão e São Jorge da Lor) por pessoas de 75 ou mais anos, e na vila de Olivença e nos povoados de colonização (São Francisco e São Rafael) por aqueles que superam os 85 anos de vida. Não existindo transmissão intergeracional. “Quer dizer, está quase extinto”43.

O português de Olivença é uma língua principalmente oral, com escassos usos cultos. Quando se escreve, o habitual é que se faça empregando a ortografia portuguesa, ora bem, com uma certa tendência a refletir aqueles rasgos mais dialetais. Aqueles utentes que não estão alfabetizados em português empregam a ortografia do castelhano44.

Nas últimas décadas as autoridades locais e autonómicas têm-se mostrado mais abertas e dialogantes em relação à língua e cultura portuguesas em Olivença. A partir dos anos 80 do século passado, o português foi introduzido como cadeira na Universidade Popular de Olivença e como segunda língua estrangeira no ensino45. Como novidade, no ano académico 2020-2021, o português alcançou o status de língua veicular na escola de ensino primário “Francisco Ortiz” de Olivença46. Ainda assim, no relatório de 2008 do comité de peritos do Conselho da Europa fazia-se um balanço negativo da aplicação da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias em Olivença, afirmando-se no parágrafo 49: “De acordo com informações recolhidas durante a visita ao local, a língua portuguesa (a oliventina) é tradicionalmente falada em Olivença e Talega, desde o século XIII. No entanto, as informações recebidas sobre a atual utilização desta linguagem é inconclusiva, mas indica que o português é ensinado como língua estrangeira no campo da educação”47. Em 2016, a Câmara Municipal solicitou a entrada de Olivença como membro observador da UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa), uma proposta de adesão que foi aprovada por unanimidade em 201948. E, em 2021, anunciou que iria apresentar um projeto ao governo regional da Extremadura com o objetivo de que o português oliventino fosse declarado Bem de Interesse Cultural49. Em palavras do próprio Presidente da Câmara Municipal, Manuel J. González Andrade: ‘Queremos recuperar a língua portuguesa como há duas gerações atrás, quando os nossos avós falavam em português entre eles’50.

Desde a sociedade civil, têm-se dado nas últimas décadas passos importantes para a recuperação do património cultural e linguístico oliventino. Em 1976, funda-se Acetre51, um grupo folk bilingue que canta músicas tradicionais em português. Em 2008, nasce a Associação pela Cultura Portuguesa em Olivença “Além Guadiana”, que nos seus onze anos de vida impulsionou inumeráveis iniciativas que visaram valorizar a “herança cultural portuguesa e criar pontes com o mundo lusófono: jornadas dedicadas à língua portuguesa com a participação de linguistas, das universidades e do Conselho da Europa, a dupla toponímia das ruas e praças de Olivença52 e Talega, cursos de português e palestras de sensibilização realizados nas freguesias, promoção dum Plano Especial para a Língua Portuguesa em Olivença, a elaboração de uma compilação sonora sobre o português oliventino…”53

A existência pola primeira vez em dous séculos de movimentação cultural e ainda de novos falantes tem trazido uma ténue esperança, mas talvez só seja o canto do cisne da Lusofonia oliventina.

(Continuará)

Documentário “Entre Línguas”:

Documentos de “Entre Línguas”:

1 Joaquín Fuentes Becerra e María Coronado Carrón.

2 http://www.ayuntamientodeolivenza.com/index.php

3 Provavelmente, na última década do século XX faleceram os últimos lusófonos espontâneos de Talega, existindo a possibilidade que algum morresse na emigração já entrado o século XXI (Fariña Botelleiro Ricardo com. pess.).

4 Assim, p. ex., a maioria dos seus falantes dizem os dias da semana à castelhana. Vid. alguns exemplos no documentário e Documentos de “Entre Línguas”: lunis, martis, juevis

5 P. ex. registamos “ghalinha” em Vila Real.

6 Sánchez Fernández Manuel J. (2000) Apontamentos para descrever o espanhol que se fala em Olivença”, in Agália, 61 (Primavera 2000), pág. 105-119.

7Sánchez Fernández Manuel J. (2000), op. cit.

8 Vid. Documentos de “Entre Línguas”.

9 https://pt.turismodeolivenza.com/fichas/69-breve-historia-de-oliven%C3%A7a.html

10por esso pusi com vosco em Cidade, que vos desse, e vos entregasse essas Villas, e esses Castellos, ou cambho por elles a par dos nossos Reinos, de que vós vos pagassedes des dia de Sam Miguel, que passou da Era de Mil, e trezentos, e trinta, e quatro annos atáa sex mezes; e por que volo assi nom compri, dou vos por essas Villas, e por esses Castellos, e polos seus Termos, e polos fruitos, delles, que onde ouvemos meu Avoo El Rey Dom Affonso, e meu Padre El Rey Dom Sancho, e eu outro si atáa o dia de oje, convem a saber, Olivença, e Campo Mayor, que som apar de Badalouci e Sans Fins dos Galegos com todos seus Termos, e com todos seus directos, e com todas sas pertenças, e com todo Senorio, e jurisdiçom Real, que ajades vós, e vossos successores por herdamento pera sempre tambem a possissom, come a propriedade, e tolho de mim, e do Senorio dos Reinos de Castella, e de Leon os ditos lugares, e todo direito que eu hi hey, e devia aaver, o douvolo, e ponhoo em vós, e em vossos sucessores, e em no Senorio do Reino de Portugal para sempre (http://pt.wikisource.org/wiki/Tratado_de_Alcanises).

11 “e, na circunstância, a totalidade da população abandonou a vila e refugiou-se junto de Elvas, só regressando a suas casas quando foi assinada a paz”, Grupo dos Amigos de Olivença, (https://www.olivenca.org/pt/pages/olivenca).

12 García Blanco Julián (2018) “La fortificación abaluartada de Olivenza en el siglo XVII: origen y desarrollo”, em “I Jornadas sobre fortificaciones abalaurtadas y el papel de Olivenza en el sistema luso-español” Luis Ignacio González Franco (coord.), José Jaime Vega González (coord.), Moisés Cayetano Rosado (dir.), Biblioteca Virtual Extremeña, págs. 33–74. Badajoz.

(https://issuu.com/bibliotecavirtualextremena/docs/actasabalaurtadas)

13 https://www.urbipedia.org/hoja/Recinto_abaluartado_de_Olivenza

14 Svobodová Petra (2016) Olivença, filha da Espanha e neta de Portugal”, em Romanica Olomucensia 28.1, págs. 94–96.

15Tratado de Paz y Amistad entre los muy altos y poderosos señores D. Carlos IV Rey de España y D. Juan Príncipe Regente de Portugal y de los Algarbes” (1801) Madrid, Imprensa Real. Tratado assinado em Badajoz e onde diz no 3.º artigo:Su Magestad Católica [o rei de Espanha] conservará en calidad de conquista, para unirla perpetuamente a sus dominios y vasallos, la plaza de Olivenza, su territorio y pueblos desde el Guadiana; de suerte que este río sea el límite de sus respectivos Reinos en aquella parte…”.

16 https://pt.wikipedia.org/wiki/Oliven%C3%A7a

17 Limpo Píriz Luis Alfonso (1999) “Olivenza, una espina clavada en el flanco sur de Badajoz”, Apuntes para la Historia de la ciudad de Badajoz, Editora Regional de Extremadura, Badajoz, pág. 143.

18 Svobodová Petra (2016), op. cit., pág. 96.

19Onde, no artigo 3.º se dizia “especialmente os tratados assinados em Badajoz e Madrid em 1801, ficam nulos e de nenhum efeito”.

20Les Puissances, reconnaissant la justice des réclamations formées par S. A. R. le prince régent de Portugal e du Brésil, sur la ville d’Olivenza et les autres territoires cédés à la Espagne par le traité de Badajoz de 1801, et envisageant la restitution de ces objets, comme une des mesures propres à assurer entre les deux royaumes de la péninsule, cette bonne harmonie complète et stable dont la conservation dans toutes les parties de l’Europe a été le but constant de leurs arrangements, s’engagent formellement à employer dans les voies de conciliation leurs efforts les plus efficaces, afin que la rétrocession desdits territoires en faveur du Portugal soi effectuée; et les puissances reconnaissent, autant qu’il dépend de chacune d’elles, que cet arrangement doit avoir lieu au plus tôt”. (https://fr.wikisource.org/wiki/Trait%C3%A9_de_Vienne_(1815)/Articles_105_%C3%A0_107)

21 Svobodová Petra (2016), op. cit., pág. 96.

22 Svobodová Petra (2016), op. cit., págs. 96-97.

23 Ainda em 2018, o Presidente da República , Marcelo Rebelo de Sousa, num discurso no Regimento de Cavalaria 3, em Estremoz, elogiava a história dos Dragões de Olivença com as seguintes palavras: Olivença está e estará sempre na nossa memória coletiva, como estará sempre a luta dos vossos antepassados na guerra peninsular pela afirmação na independência de Portugal”. (Diário do Sul, 29/03/2018)

24 Cruz Luna Carlos E. (1998) “Breve história do colonialismo espanhol em Olivença (1801-1998)”. Edição própria. Estremoz.

25 https://www.olivenca.org/pt/pages/historia-do-gao

26 Cruz Luna Carlos E. (1998) , op. cit., págs. 10-11.

27 https://pt.wikipedia.org/wiki/Oliven%C3%A7a

28 https://www.rtp.pt/noticias/pais/nove-municipios-do-alentejo-e-da-extremadura-espanhola-assinam-declaracao-para-criar-euroregiao_n58995

29 A comissão estaba formada por Eduardo Naharro Macías-Machado, Joaquín Fuentes Becerra, José Antonio González Carrillo e Raquel Sandes Antúnez.

https://olivenza.hoy.es/gente-cercana/olivenca-tesouro-patrimonial-20210418203857-nt.html

30 https://www.hoy.es/extremadura/olivenza-vota-domingo-20220127000230-ntvo.html

31 Vid. Documentos de “Entre Línguas”.

32 P. ex. Encarnación Ramallo de la Granja (com. pess.).

33 Cruz Luna Carlos E. (2007) “A situação da língua portuguesa em Olivença”. Colóquio da Lusofonia. Bragança.

34As ruas e praças foram mudados com evidentes intenções nacionalistas por parte espanhola. Em Olivença: Plaza de España-Terreiro do Chão Salgado, Paseo Hernán Cortés-Largo do Castelo, Paseo de Pizarro-Largo do Calvário, Calle Nuñez de Balboa-Rua do Aljube, Calle Cervantes-Rua da Pedra, Calle Espronceda-Rua do Poço, Calle Lope de Vega-Rua dos Quartéis, Calle Ruperto Chapí-Calçada Velha… Também, graças ao testemunho de Florêncio Silva, um antigo sacristão, conhecemos a toponímia tradicional de Talega: Plaza de España-Adro da Igreja, Calle Hernán Cortés-Rua dos Ventos, Calle Francisco Pizarro-Rua das Escadinhas… (Cruz Luna Carlos E. com. pess.)

35 P. ex. no guia telefónico de Olivença abundam os apelidos: “Cuello”, “Píriz”, “Vázquez”, “Fariña”, Yáñez, antigos “Coelho”, “Pires”, Vasques”, “Farinha”, “Eanes”…

36 http://porolivenca.blogs.sapo.pt/51398.html

37 https://radiohornachos.es/el-grupo-la-encina-de-olivenza-celebra-su-75-aniversario-fundacional/

38 Em palabras da própria Pilar Primo de Rivera, Delegada Nacional da Sección Femenina, “En esta inmensa tarea recibimos el consejo inapreciable de don Ramón Menéndez Pidal, quien nos dijo que buscásemos la autenticidad por encima de todo, y que no desarraigásemos lo propio de cada región; así, los catalanes cantaban en catalán; los vascos, en vasco; los gallegos, en gallego, en un reconocimiento de los valores específicos, pero todo ello, y sólo en función de España y de su irrevocable unidad, dentro de la unidad peninsular”. Assim, os oliventinos cantavam (e cantam) em castelhano…

(Primo de Rivera Pilar (1983) “Recuerdos de una vida”. Ediciones Dyrsa, Madrid, pág. 249).

39 https://participaolivenza.es/_choni-ramallo/

40Sánchez Fernández Manuel J. (2000), op. cit., pág. 106.

41 Carrasco González Juan M. (2006) “Evolución de las hablas fronterizas lusoextremeñas desde mediados del siglo XX: uso y pervivencia del dialecto”, Revista de Estudios Extremeños, Tomo LXII. Número II Mayo-Agosto, pág. 625.

42 Resende Matias Maria de Fátima (2001) “A agonia do português de Olivença”, in Revista de Filologia Románica, 2001. Número 18, págs. 159-170.

43Sánchez Fernández Manuel J. (2021) “La situació del portuguès d’Olivença el 2021”, in Revista de Llengua i Dret, Journal of Language and Law, RDL blog.

https://eapc-rld.blog.gencat.cat/2021/01/28/la-situacio-del-portugues-dolivenca-el-2021-manuel-jesus-sanchez-fernandez/

44 Vid. alguns exemplos no documentário e Documentos de “Entre Línguas” e no nº 1 da revista Luh Papelih (1993) da associação Huéyebra Cahtúa de Mérida, p. ex., furruxento por ferrugento, ensetar por encetar, gafañoto por gafanhoto, fetesera por feiticeira…

45 800 dos seus 1.200 alunos dos ensinos primário e secundário estudam Português.

46 Sánchez Fernández Manuel J. (2021), op. cit.

47Carta Europea de las Lenguas Regionales o Minoritarias. Aplicación de la Carta en España”. Estrasburgo, 11 de dezembro de 2008; pág. 9.

https://www.coe.int/t/dg4/education/minlang/Report/EvaluationReports/SpainECRML2_es.pdf

48 https://www.uccla.pt/noticias/lisboa-acolheu-assembleia-geral-da-uccla

49 https://www.esquerda.net/artigo/olivenca-quer-classificar-lingua-portuguesa-como-bem-de-interesse-cultural/74998

50 Entrevista no Diário do Sul, 14/02/2017.

51 https://acetre.com/acetre/

52 Em 2010, a proposta da Associação “Além Guadiana”, a Câmara Municipal de Olivença recuperava a toponímia original de 73 ruas, calçadas e becos no centro histórico da vila, mas mantendo também o nome espanhol que continua a ser o oficial.

53 https://alemguadiana.blogs.sapo.pt/ate-sempre-morte-da-associacao-alem-208697#cutid1

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