O globo de Betanzos: política reaccionária versus tradição popular

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A cultura é a vida dum povo, duma sociedade; é a alma que alenta o seu viver diário, já com cousas fundamentais como a própria identidade e a defensa dos direitos mais importantes, ou com outras mais leviás. Todas são importantes para alentar o devir de cada dia com uma boa convivência em justiça e paz; porque cultura é o herdado dos devanceiros, é tanto a fala como a cocinha e os eventos sociais e festivos dum povo.

Uma polêmica que ten que ver com um evento cultural ocupou o passado julho os betanceiros e os amantes das festas de Betanzos, muitas pessoas de fora que íamos aos ver o globo desde há anos: a sua suspensão; este ano não irá cara ao céu depois de case 150 anos não interrompidos mais que com a Guerra Civil.

Aparte do valor cultural, social e comunitário do evento, assim como para a economia da hostalaria arredor da Praça do Campo –a outras partes da vila aproveita-lhes mais Os Caneiros–, a polêmica véu pelas razões que frustraram o lançamento: a postura unilateral de um individuo da família Pita, promotora e realizadora do globo desde os seus começos. Este elemento foi Jaime Pita, que ainda que é só um dos irmãos herdeiros da tradição familiar –o outro, Emilio, parece que não aprova esta postura do seu irmão-, semelha ser, como dixem no Xornal de Betanzos, o “patron maior”, atuando cal o padre padrone intolerante do conhecido filme dos irmãos Taviani. Este deputado e exconselheiro de Fraga –a quem no Parlamento Galego che chamavan “Pita Bull” pela sua atitude constantemente agressiva–, muitos anos presidente do PP betanceiro, pero que nos últimos momentos se desmarcou dele, disse que não quis que se elaborara e se botara o globo este ano porque parece-lhe que o partido que governa hoje o concelho, o PSOE com o apoio do BNG, são uns ateus que não crem em Deus, nem na Virgem, nem –o que semelha parecer-lhe mais grave– em São Roque, que é a quem se dedicaria o globo como uma “devota oferenda religiosa”, e, por isso, essa gente não quer financiar atos religiosos. Em todo caso, ainda que tenham dado os dinheiros para o globo, nesta ocasião “não o merecem” por serem indignos de fazê-lo. Não é um juízo aveso meu e doutros esquerdosos, o próprio Jaime Pita fez a finais do passado mês uma declaração muito clara a La Voz de Galicia (20 de julho): “Mentres eu viva, o BNG non vai entrar na Fundación do globo de Betanzos”.

Esta Fundação nasceu nos últimos dois anos para poder dar continuidade à tradição mais que centenária do globo, pelas dificuldades manifestadas há anos pela família Pita para continuar com ela; ainda que o financiamento do aerostático correra a cargo do Concelho de Betanzos desde há décadas. Se o globo foi um assunto da família nos seus começos, hoje pertence ao povo, não a uns particulares, ainda que –pelos estatutos desta– participem na Fundação com a metade dos membros: seis representantes da família e outros seis do concelho. Com tudo, pelo resultado deste ano, vê-se que o padre padrone dos Pita segue a controlar e manipular completamente o tema do globo.

Se o globo foi um assunto da família nos seus começos, hoje pertence ao povo, não a uns particulares, ainda que –pelos estatutos desta– participem na Fundação com a metade dos membros: seis representantes da família e outros seis do concelho.

A realidade do acontecido é tão vergonhenta e manipuladora, que só se pode entender ou desde um burdo argumento político, ou desde o esperpento. Creio que é sobre tudo desde o primeiro, pela política mentireira que está praticar a direita e ultradireita espanhola, para tomar o governo espanhol –ao jeito de Trump e Bolsonaro– como seja.

Mas este feito manifesta também uma argumentação esperpêntica do protagonista, com uma concepção da religião ao jeito do nacionalcatolicismo dos quarenta anos de franquismo. Após outros quarenta anos de democracia e com uma Constituição que se laica, ou pelo menos não confessional, dizer que um feito como o do globo de Betanzos e as festas duma vila, laica como todas a vilas e cidades galegas e espanholas, é algo “religiosso”, é uma expressão tão esperpentica, que o próprio Valle-Inclán não precisaria agudizar muito o seu engenho para fazer com ela outra das suas geniais obras.

E quem isto diz, como sabem os leitores destas linhas, é um católico convencido, ainda que segue nesta Igreja sem deixar de manifestar as críticas a muitas posturas antievangélicas de alguns dos seus membros. Por isso levo-me melhor com os ateus honestos, entre os que conto com bastantes amigos, que com os que se dizem “religiosos” e são desonestos, entre os quais conto com alguns inimigos.

[Este artigo foi publicado originariamente no nosdiario.gal]