Farol que alumeia que guia

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a nossa história, a das mulheres, ou a fazemos
nosoutras, ou não vai haver maneira.
encarna otero

Em 2016, centenário das Irmandades ds Fala fui convidada pola Comissom de História da Gentalha do Pichel para participar numa homenagem reividincadora das mulheres que fizeram parte dessa geração. Preparei uns poemas dos que tanto gosto, de encárrega, para esse dia, e para fazê-lo mergulhei na bibliografía à procura dessa presença feminina.

Retrato de Mercedes Vieito

A primeira surpresa foi a presença de mulheres em documentos gráficos. Eu só conhecia as fotografias oficiais das juntanças assembleárias, todas rebentadas de senhores. Mas há também fotos de atividades do dia a dia, nas que a presença de mulheres é significativa. Nunca foram estas as visibilizadas em capas de revistas e artigos de estudosos. Ademais, afeita às imagens só rurais de Ruth M. Anderson, estas moças vilegas, urbanas, posando contentas com os seus companheiros de luitas e festas, chocaram-me. Essa naturalidade, essa alegria, falam-nos de trabalho conjunto, de associação, de coletividade, e não de senhoritos acompanhados de amigas. Incomodou-me muito não saber-lhes os nomes a essas mulheres das fotografias: quem eram, que faziam, qual o seu labor nos quadros de declamação, que debates tinham com os companheiros, que luitas.

Algum dos nomes que localicei, no Álbum das Mulleres do Consello da Cultura Galega, vinham da mão de Aurora Marco1.

Mais tarde, lendo os Tres tempos e unha esperanza, de Mariví Villaverde, reparei que ela, filha de alcalde republicano, não coloca ao pai como guia ideológico nos seu caminho para o galeguismo, mas à sua tia Argentina Villaverde, mestra de escola e galeguista2. E fiquei a pensar em quantas mulheres, mestras e não mestras, não haveria naqueles anos a fazer país e quanto as ignorávamos.

Também a Aurora Marco incomodou a ausência, sobre todo nos atos oficiais do centenário, desses nomes, desses corpos que sim, estiveram, foram e fizeram. E enquanto outras imaginamos vidas e as poemamos, Aurora Marco mergulhou em arquivos, hemerotecas, em decretos de governo, em balcões de cartórios notariais, e vozes da intimidade familiar, para oferecer-nos um monumental estudo ao que deu por nome Irmandiñas. Quatro anos de mergulho deram como resultado uma obra minuciosa, na que a obsessão da autora é não deixar um nome sem citar, “porque, como é bem sabido, o que non se nomea non existe” (pág. 18). Todas as mulheres que localiza, independientemente do papel jogado nas instituições irmandinhas, encontraremo-las neste volume. A outra afirmação reiterada e dolorosa: a dificuldade de ir além por falta de informação.

Aurora Marco mergulhou em arquivos, hemerotecas, em decretos de governo, em balcões de cartórios notariais, e vozes da intimidade familiar, para oferecer-nos um monumental estudo ao que deu por nome Irmandiñas.

Quando isso, ir além, é possível, a autora debulha a biografia da mulher que corresponda. Umas vezes, descobre para nós, as iniciadas, figuras abosultamente desconhecidas, como Mercedes Vieito Bouza, ou Carmen Parga Rodríguez3, outras, matiza e arredonda a figura de mulheres de nome sabido, como María Luz Morales, ou Emilia Docet, e sempre que pode, completa, ao final de cada capítulo, com documentos gráficos e escritos, porque se é importante termos voz, também o é termos corpo, carne, olhos que olhar.

Aquilo que mais chamou em nós durante a leitura foi, não a constatação da desmemória histórica que sofremos, mas o silenciamento contemporâneo (que também sofremos, é claro). Em artigos de prensa, e recensões críticas de eventos artísticos, aqueles que revisa a autora para localizar os nomes e as causas, as frases mais habituais para se referir às ativistas das Irmandandes é “una bella señorita”, “un grupo de mujeres”, “una mujer”, e por aí diante, o qual impede localizar persoas e protagonismos e responsabilidades sobre os atos. Se as notas jornalísticas eram assim de genéricas (mui ao caso o adjetivo), não o era menos o posicionamento dos companheiros irmandinhos, que mesmo usurpam a voz das companheiras nos eventos públicos, como “el caluroso mensaje redactado por un grupo de señoras, que fue acogido com grandes aplausos”, e lido por Lois Peña Novo, indica Aurora Marco (pág. 40, itálicas da nossa responsabilidade). O grupo de señoras eram as integrantes da diretiva do grupo feminino das Irmandades da Corunha.

Em artigos de prensa, e recensões críticas de eventos artísticos, aqueles que revisa a autora para localizar os nomes e as causas, as frases mais habituais para se referir às ativistas das Irmandandes é “una bella señorita”, “un grupo de mujeres”, “una mujer”, e por aí diante

Damos cabo deste livro admiradas polo imenso trabalho realizado por Aurora Marco, a quem já tínhamos em alta estima polo seu Mulleres na Guerrilla Antifranquista e polo seu Diccionario de Mulleres Galegas. A sensação final, após a leitura, é que resta muita leira por sachar, mas que há mulheres que bem nos marcam o caminho para continuarmos a fazê-lo.

As irmandinhas. Aurora Marco.

Aurora Marco: Irmandiñas.

Edicións Laiovento, 2020

1Também no seu imprescindível Diccionario de Mulleres Galegas.

2“A miña tía era galeguista, cría con entusiasmo que a nosa terra debía espertar a un renacemento cultural e económico. Todo isto soaba novo nos meus oídos; aínda que estes conceptos escoitáraos máis de unha vez, nunca foran expresados para min exclusivamente e esa exclusividade facíame sentir responsábel de que non caesen en baleiro”. Mariví Villaverde: Tres tempos e unha esperanza, A Nosa Terra 2002.

3Já sabemos, quem não é nomeada não existe.

[Este artigo foi publicado originariamente na Sega]

Máis de Susana Sánchez Arins