Confluir é natural

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Em recente conversa com um senhor do Porto saiu o tema dos diferentes sotaques e o seu conteúdo social. Ele, companheiro de mulher galega, tinha aprendido o sotaque próprio da zona dela e o utilizava com fluidez nas suas visitas estivais à terrinha. Dava-se bem com as expressões autóctones e a pronúncia característica dos erres, a troca dos vês pelos bês, a entoação das frases, o uso de léxico local. Entre todas as variantes que aplicava à sua prosódia, de base porto-lisbonense, apareciam também palavras em castelhano que o senhor do Porto aprendera e agora utilizava como um galego mais.

Chamou-me a atenção que para achegar-se a nós quisesse evitar, por exemplo, a palavra ‘percurso’. Aprendera que entre falantes galegos o habitual é dizer o castelhano ‘recorrido’, mália os esforços da filologia local que promove com insucesso a forma híbrida ‘percorrido’. O senhor não fizera qualquer juízo na sua aprendizagem galega, ele imitava o que tinha ouvido, sem fazer questão de se era correto ou errado, simplesmente era assim.

A fala do senhor do Porto, com o seu sotaque do Sul adoçado pelo sabor galego, era um espelho sociolinguístico portugalego. “Nôm bês?”, dizia com soltura, para depois prosseguir com um “não tás a ver?”. O seu bom desempenho na pronúncia e nas expressões galegas era uma declaração de amizade e de respeito. O que pensaria ele da fala cuidada d@s galeg@s que ali estávamos? Tentávamos evitar castelhanismos e induzir na conversa a mesma vontade de confluência partindo do nosso lado, com o nosso sotaque e vivências da língua.

Por isso nós dizíamos ‘percurso’. E ‘muito obrigad@’. E ‘gosto disso’ com a mesma naturalidade com que ele dizia ‘recorrido’. De súpeto expliquei que adorava escutar um português a se desenvolver num âmbito sonoro-linguístico que, ainda sendo próximo, era com certeza diferente e desconhecido para a maior parte das pessoas portuguesas. E que gostaria muito de que a nossa intenção tivesse o mesmo efeito nele, que no Sul também nos valorizassem pela vontade de contribuir à construção comum de Galiza e Portugal.

A naturalidade aprende-se, bem como se aprende a língua que for. Melhor seria limpar a nossa fala de castelhanismos, melhorar o conhecimento do nosso instrumento de expressão. Mas, por cima de tudo somos águas de rios que se encontram, e que, em rodeando uma mesa, para qualquer grupo, em qualquer lugar, a vontade de confluir é o mais natural.

Artigo publicado originalmente no n.º 140 do Novas da Galiza, na seção ‘Língua Nacional’