Carvalho Calero, poeta da transcendência

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A maior parte da gente conhece Carvalho Calero pela sua História da Literatura Galega, mas ele sentiu-se fundamentalmente poeta. “Creio, desde logo –dizia em Conversas em Compostela com Carvalho Calero–… que, efetivamente, o mais íntimo da minha personalidade esta refletido na poesia”. Vinte e cinco anos antes, em Salterio de Fingoi (1961), já escrevia: “Poeta és, pois dá-che nojo tudo / agás a poesia”.

Se pouca gente saboreou a riqueza da criação poética de D. Ricardo, muita menos catou a dimensão espiritual da sua poesia; dimensão ausente –exceto honrosas exceções– nos estudos, livros e publicações coletivas sobre o grande nosso poeta. Ele próprio, que se considerava herdeiro de dois poetas metafísicos e religiosos como Rosália e Dias Castro, tem afirmado que, mesmo que é poeta de muitos registos, o filosófico-religioso é o primeiro e mais importante. “Creio que a poesia de Rosália e a minha própria poesia nascem da mesma necessidade espiritual” (C. Blanco, Conversas com Carvalho Calero). Aliás, para ele “a poesia é uma maneira de expressar a transcendência” (Conversas em Compostela).

A dimensão religiosa da poesia do ferrolano aparece em poemas de Salterio de Fingoi, pero encontramo-la principalmente no seu livro mais maduro: Reticencias… (1990): “Quando o finito alcança a conhecer a infinitude, nela só repousa. Quem a Deus viu, chegar a sê-lo ousa. Na plenitude cristaliza o ser” (I, 25). Mesmo que Carvalho só escrevesse estes versos, fariam dele um poeta próximo á mística. O anelo de todos os místicos é o desejo de plenitude, de chegar à união íntima com Deus / o Mistério (união mística); uma união não-dual entre o finito e o infinito, como manifesta o poeta. É o conhecimento pleno, a iluminação, chegar a ser um com Um. É –com a linguagem cristã– “voltar à casa paterna”; ao remate do poema diz: “Além de nós lateja o nosso lar”.

Do mesmo modo, outro poema do mesmo livro: “[A pessoa] vive morrendo por ser mais que homem. Nele só, o finito ao infinito tende. (…) [A criatura] vislumbre de infinito à semelhança [do seu criador], a identidade anseia” (I 27). “Ser mais que”, “tender ao infinito”, à união com o Mistério, eis o mais profundo devezo religioso-espiritual.

[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]

Máis de Victorino Pérez Prieto