Começamos hoje uma série quinzenal de artigos que, sob o título “As nossas redes não são nossas”, tenciona achegar ideias para uma reflexão crítica sobre o uso e a dependência das tecnologias da comunicação e a informação no nosso tempo. Partiremos duma perspetiva crítica com isto que a sociologia atual começa a denominar com termos como capitalismo da atenção ou capitalismo da vigilância, e defenderemos alternativas tecnológicas livres, descentralizadas e respeitosas com a nossa privacidade, por motivos tanto éticos como políticos.
Falaremos de informática, de cifrado e de redes distribuídas; de filosofia, de sociologia e de psicologia na era do smartphone… mas não ocultaremos o desejo utópico de reconstruirmos aquelas redes sociais analógicas, abertas e sem censura que até há bem pouco vertebralizavam as relações sociais no nosso país ( “A estalagem volante”, de G.K. Chesterton, é um relato precioso sobre a infrutuosa tentativa do Estado de controlar as redes sociais, quando estas se chamavam “tabernas”).
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Eu sou duma geração na que as ideias sobre o bem e o mal que alicerçam a militância política definiam também uma forma de viver. Não era bem visto ser anti-imperialista e comer no McDonald’s, ser republicano e comprar o ABC, ir de feminista e consumir prostituição, galeguista e falar espanhol. Assumia-se como evidente que militar não é só fazer propaganda, mas contribuir, com o exemplo da própria vida, para a construção do mundo melhor. Havia um rechaço geral a alimentar no dia a dia aquelas indústrias ou formas de vida que se chamava a combater nos discursos e nos panfletos.
É um facto que as principais empresas do capitalismo mundial já não amassam as suas fortunas extraindo petróleo ou fabricando armas, mas convertendo em dados e comercializando todos e cada um dos elementos constitutivos da nossa vida pessoal: os nossos gostos, as nossas relações pessoais, os nossos estados de ânimo, a nossa saúde, a nossa ideologia, o nosso rendimento… O novo capitalismo tecnológico, que monetiza durante as 24 h. do dia até os aspectos mais íntimos do nosso ser, rouba mais a nossa atenção do que a nossa mais-valia, mas ainda são poucas as vozes que se alçam contra a mercantilização total das vidas humanas que levam a cabo Apple, Microsoft, Google, Meta ou Amazon. Estas plataformas converteram a vida social num grande bazar dominado pelas leis do mercado, e resulta difícil de compreender como se pode combater o capitalismo sem questionar as suas ferramentas e a cultura que constroem.
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A alternativa a uma vida social tão líquida como a que hoje padecemos passa por recuperar os espaços e o tempo do encontro e o compromisso analógico. Porém, mesmo dentro das dinâmicas da vida digitalizada, é possível encontrar ferramentas que não contribuam para alimentar o capitalismo dos dados pessoais e o pan-óptico digital. Antes de que a internet se convertesse no maior centro comercial da história, já havia quem programava e desenhava para construir sobre ela praças virtuais. Esse espírito ainda alimenta multidão de projetos que nos oferecem excelentes ferramentas para a comunicação e a informação de forma descentralizada, segura e não mediada por algoritmos tendenciosos. Aqui há uma boa listagem delas, organizadas por categorias. Em próximas entradas iremos explicando o porquê e o como de algumas de elas.
[Este artigo foi publicado originariamente no galizalivre.com]