Para quem achamos que a crise ecológica do nosso tempo tem na sua origem um problema cultural ‑de valores, forma e sentido da vida‑, o filme ‘El Olivo’ (com guiom de Paul Laverty e direçom de Iciar Bollaín) conta um drama e, ao mesmo tempo, propom umha maneira de estar neste século XXI.
A história retrata a sociedade atual a partir dumha família que vendeu umha oliveira de 2000 anos. Contra a vontade do avó (que até questiona o direito de propriedade da família sobre umha árvore que existe desde séculos antes que o seu próprio apelido), a seguinte geraçom decidiu desfazer-se do exemplar mais senlheiro do olivar para financiar umha empresa familiar: um bar em primeira linha de praia. A situaçom está cheia de símbolos. Desde que as máquinas arrincárom a oliveira o avô ficou mudo, e a sua saúde deteriora-se dia a dia. A árvore deixou a terra e a família que habitou durante geraçons para passar a decorar a sede central dumha multinacional elétrica alemá. E, porém, o projeto hoteleiro nom resistiu a crise de 2008, e a família sobrevive na precariedade económica e existencial. A protagonista é Alma, a neta desse avô ferido de morte, pensando em cujo futuro o seu pai sacrificou todo o passado, mas que agora subsiste retirando os pitos mortos de umha granja industrial. Para ela o bar nom significou nada positivo (de facto, mantém ligadas ao seu recordo algumhas experiências pessoais terríveis) e, em troca, as lembranças mais felizes da sua infáncia som com o seu avô, à sombra daquela oliveira milenária. O amor e a decisom da rapariga constituem a proposta otimista do filme, através do seu empenho por recuperar a árvore antes de que o avô morra definitivamente de pena.
No seu olhar canso e silencioso, este velho representa um mundo que esmorece, ao que nós bem podemos chamar Galiza. A oliveira pode simbolizar qualquer dos elementos que configurou a forma de vida e a identidade do nosso povo durante séculos: o território, a aldeia, os ofícios, a cultura tradicional, a família extensa, o idioma… Nós também conhecemos umha geraçom que renunciou a isso com a boa intençom de construir um futuro melhor para si e para os filhos, e bateu com a realidade precária e amarga do capitalismo selvagem. A protagonista simboliza o desejo esperançado de que à geraçom desenganada polas promessas da sociedade industrial volvam mové-la o amor, os valores e o sentido comum, e empreenda um caminho para recuperar ou reparar o que foi sacrificado em nome do progresso.
O filme propom um sonho, mas nom é ingénuo. O avô finalmente morre; a oliveira nom é recuperada. E, no entanto, há umha liçom formosa e cheia de valor que nom trata de como conseguir o impossível, mas de como viver ante a impossibilidade da utopia. Quando o avô morre, Alma está onde tem que estar: nom limpando cadáveres de pito ou queimando a noite numha discoteca, mas abraçada a umha das polas mais altas da oliveira, na entrada da elétrica alemá, de onde a segurança da multinacional turra para sacá-la. De ali consegue arrancar um ramalhinho que levará de volta à sua terra, com o que honrará o corpo do seu avô, e que depois enxertará para voltar plantar, tal e como um dia ele lhe ensinara.
Há décadas que a humanidade sabe que diante tem um precipício, mas parecemos incapazes de voltar atrás.
Há um mundo que cumpre resgatar do ponto de vista ecológico e material, e também do ponto de vista humano e cultural. Mas talvez já nom seja possível. Há décadas que a humanidade sabe que diante tem um precipício, mas parecemos incapazes de voltar atrás, a qualquer das estaçons que passamos a toda velocidade e que correspondiam a mundos bem mais habitáveis que o que temos enfrente. Àquele mundo sustentável, de relaçons duradoiras e trabalhos necessários, de consumir pouca energia e gerar muita vida, no que as geraçons mais velhas e as mais novas percebiam entre si algo mais do que um abismo, nós chamamo-lo Galiza. E, desde que inserida plenamente no projeto espanhol, caminha cara a um colapso do que talvez nom consigamos salvá-la.
Ontem vim desde a minha cela o filme de Iciar Bollaín e Paul Laverty, e voltei perceber que o único lugar decente em que pode encontrar-nos a desapariçom da Galiza é abraçados à sua alma milenária, luitando por defendé-la. Porque se calhar nom conseguiremos deixar às nossas netas e netos o país que as nossas avoas recebérom através dos séculos, mas a nossa luita é nom só a única maneira digna de habitar a destruiçom, mas também a única possibilidade de conservar e legar às geraçons vindoiras um ramalhinho de pátria, digno de ser enxertado.
[Este artigo foi publicado originariamente no Novas da Galiza]