Amanhã não poderei dizer isto

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Amanhã não poderei dizer isto. Proibirão-me falar em público sobre a minha participação na resistência galega, que é como em 2005 se denominou o movimento armado que fazia frente à violência desalmada que diariamente atenta contra a Galiza, e que nos anos prévios à crise de 2008 sofremos com especial virulência. Mas hoje ainda posso explicar porque me fizeram prisioneiro. Posso lembrar em voz alta como as construtoras compraram os políticos para que estes expropriassem terras e legalizassem cada uma das cargas explosivas com que se achairou o terreno ao “boom” imobiliário. Podo dizer que com bombas e “bulldozers” destruíam o nosso país para inçá-lo de urbanizações turísticas, que comunicavam “a três horas de Madrid” dinamitando as nossas montanhas para que passasse o AVE. E que houve quem tentou enfrentar essas autênticas organizações armadas – MARTINSA-FADESA, ACS, COPASA, Puentes y Calzadas…- sabotando as suas máquinas, as suas infraestruturas e as suas fontes de financiamento, e chamando a um movimento de resistência que obstaculizasse toda essa destruição que nunca foi perseguida nem julgada por tribunal algum. Hoje estou ainda a tempo de poder recordar a preocupação do PP porque o exemplo inçasse, e como em 2013 -muitos anos antes de que conhecéssemos o termo “lawfare”- o governo anunciou condenas exemplarizantes por terrorismo contra estes militantes em defesa da Terra, e também que a Audiência Nacional obedeceu, como sempre, aplicando contra nós um código penal desenhado para um contexto bélico, muito distinto do galego. Amanhã poderiam deter-me se digo em público que tratar toda a violência política como terrorismo é próprio de ditaduras, que os movimentos sociais mais respeitados fizeram uso da sabotagem sem serem tratados penalmente de terroristas, e que Espanha demonstra o seu déficit democrático congénito impondo encerros de até 20 anos na prisão a galegos aos que não se condenou não já por nenhum dano pessoal, mas nem se quer por um só dano material.

Digo isto hoje, porque se o digo amanhã poderiam volver encerrar-me. E é que, movida pelo seu ódio à dignidade, Espanha não só impõe aos independentistas galegos penas de cárcere desproporcionadas, mas também retorce o código penal para aplicar-nos, como medidas de “liberdade vigilada”, umha série de limitações e restrições de direitos fundamentais absolutamente injustificável. As condenas de liberdade vigilada, anexas às de prisão nos casos de “terrorismo”, tem o objetivo suposto de prevenir a reincidência (num reconhecimento implícito de que a cadeia não resolve o problema que leva os independentistas a ela). Não têm um conteúdo implícito de ante-mão, senão que são os Tribunais, nas semanas prévias à posta em liberdade do militante, quem resolvem as medidas concretas a impor, após uma análise das probabilidades objetivas de que o réu volva delinquir. Isso é o que diz a sua própria lei, que também contempla deixar esta condena sem efeito quando não se deduzir uma possibilidade clara de reincidência. É uma medida de segurança, não de castigo, e deveria ser aplicada só ante a eventualidade de um perigo real, e só para evitá-lo de maneira eficaz, adequada e proporcionada. Porém, no caso do independentismo galego, o governo e os tribunais espanhóis estão a utilizá-la como umha forma de estender a sua vingança contra o nosso amor à Terra. Ainda que é notório que a resistência galega é uma etapa da nossa luita já finalizada, o Estado supura a sua bílis fascista aproveitando as medidas de liberdade vigilada parafazer que os militantes galeguistas, ao sairmos da cadeia, vivamos durante anos sem liberdade de expressom, de comunicação, de movimentos ou de trabalho.

Digo isto hoje, porque se o digo amanhã poderiam volver encerrar-me. E é que, movida pelo seu ódio à dignidade, Espanha não só impõe aos independentistas galegos penas de cárcere desproporcionadas, mas também retorce o código penal para aplicar-nos, como medidas de “liberdade vigilada”, umha série de limitações e restrições de direitos fundamentais absolutamente injustificável.

A nossa liberdade já é vigilada mediante a obriga excessiva de levarmos permanentemente uma pulseira localizadora e de comparecermos regularmente ante a Guarda Civil. Mas, ademais disso, e sob ameaça de sermos imputados por quebrantamento de condena, proibem-se-nos cousas como assistir a certos atos políticos, falar em público ou nos meios de comunicação sobre a nossa experiência militante, trabalhar nos âmbitos do ensino ou da cultura, utilizar livremente internet, sair da nossa província de residência ou comunicar-nos com os nossos companheiros de causa. No colmo do absurdo, alguns dos direitos que nos restringem ao sair -como expressar-nos ou falar entre nós- pudemos exercê-los sem impedimento mentres estávamos na cadeia. Por isso hoje, que ainda estou preso, escrevo desde a minha cela o que amanhã, supostamente “em liberdade”, será delito que diga em público.

Cumpre entender que este ensanhamento punitivo não é só responsabilidade dos juízes e fiscais da Audiência Nacional. Nestes casos há uma intervenção direta do governo espanhol através da Direção Geral de Instituições Penitenciárias, que é quem -por meio do departamento que leva o controlo dos presos classificados como FIES-3 – propõe as medidas da nossa liberdade vigilada. É o governo do PSOE e Sumar o que está a decidir a extensão do castigo aos independentistas galegos muito além do que fez o governo do PP. Porque durante o mandado de Rajoi (quando, ademais, as possibilidades de reincidência podiam supor-se maiores, porque ainda havia guerrilheiros na clandestinidade) as medidas impostas eram bem mais contidas e racionais que as que propõe agora este que gosta de apresentar-se como “o governo mais progressista da história”.

Castigam-nos por afã de vingança, porque fazem da prevaricação a sua forma de vida, e -sobretudo- porque o espírito do franquismo nunca foi depurado das engrenagens políticas e judiciais do Estado. A cultura funcionarial espanhola, que atravessa todas as instituições e todos os partidos sobre os que assenta o Regime do 78, é profundamente antidemocrática. Casos como este poem em evidência que o PSOE não afrouxa a repressão contra catalães e bascos devido a uma sensibilidade diferente à do PP: o único que faz ao PSOE renunciar às suas parafílias fascistas é a força de Catalunha e do País Basco para exigir-lho.

Castigam-nos por afã de vingança, porque fazem da prevaricação a sua forma de vida, e -sobretudo- porque o espírito do franquismo nunca foi depurado das engrenagens políticas e judiciais do Estado. A cultura funcionarial espanhola, que atravessa todas as instituições e todos os partidos sobre os que assenta o Regime do 78, é profundamente antidemocrática.

Por isso é importante que a cidadania galega comprometida com as liberdades e os direitos civis exija que estes sejam respeitados também no caso da Galiza, e que a nossa nação e os seus ativistas não sejam o saco de boxe com o que a linha dura do PSOE pague a frustração de não poder seguir encarcerando democratas catalães. Amanhã, e durante um ano, eu não poderei dizer isto em público. Por isso o escrevo hoje, e vos pido a vós que o digais por mim.

[Este artigo foi publicado originariamente no galizalivre.com]

Máis de Miguel Garcia