O nosso amor à pátria

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Manifestaçom no Dia da Pátria em 1978 | Anna Turbau

Ante a ocupaçom nazi da França, a rendiçom do exército e o colaboracionismo, Simone Weil -umha autora imprescindível- escrevia:

“Que ninguém pense que a compaixom pola pátria nom contém energia guerreira (…) Esse sentimento de profunda ternura por umha cousa bela, preciosa, frágil e perecedeira tem um calor distinto ao da grandeza nacional. A energia da que procede é mui intensa e perfeitamente pura. Acaso um homem nom é capaz de heroísmo para proteger os seus filhos ou os seus pais idosos, que nom se associam comummente ao prestígio e a grandeza? A ideia da debilidade pode inflamar o amor tanto como a da força, mas trata-se dumha lapa com umha pureza bem distinta. A compaixom pola fragilidade vai sempre unida ao amor da autêntica beleza, pois sentimos que as cousas verdadeiramente belas deveriam ter assegurada, e nom a tenhem, umha existência eterna”.

A autora, dumha fé crítica e heterodoxa, mas profunda, conclui: “Pode-se amar a França pola glória que parece assegurar-lhe umha existência despregada ao longo do tempo e do espaço. Ou como algo que, por ser terreno, pode ser destruído, e cujo valor é por isso tanto maior. Apenas o segundo amor é legítimo para um cristão, pois apenas este tem a cor da humildade cristã”.

As palavras de Weil aos franceses da II Guerra Mundial falam-nos também às galegas e galegos das maiorias absolutas espanholistas, o linguicídio, a destruiçom do território e a desapariçom da vida rural. A sensibilidade cristã pode ser inspiradora para compreendermos desde a compaixom -e nom desde a vergonha e o auto-ódio umha Galiza crucificada mais por próprios que por alheios. E a necessidade de recuperarmos um paradigma ético-político que -na linha do ecofeminismo- vinque na conservaçom do frágil, no amor ao pequeno e no cuidado do débil, fai em todo pertinente resgatar esta reflexom ante a celebraçom do nosso Dia da Pátria.

O termo “patriotismo” ainda levanta suspicácias. Cargado das conotaçons de quem o invoca com beligeráncia para defender e enaltecer Estados, quem o reivindicamos para significar o nosso amor à Terra e ao povo levamos toda a vida tendo que dar explicaçons. Galeguistas insignes tentárom fazer-se entender matizando que a nossa bandeira, mais que umha “pátria”, louva umha “mátria”. Mas o certo é que os imaginários nacionalistas do S. XX estám intimamente ligados à aspiraçom e defesa do Estado, polo que se alimentarom dum patriotismo mui inspirado no poder e a grandeza (histórica ou mítica, passada ou futura). Num contexto no que a dialética histórica enfrentava capitalismo e socialismo -duas estratégias de modernizaçom que derivavam em cadansua forma de Estado- o movimento nacional-popular dos anos 60 tivo o acerto de subir a causa da Galiza a um dos comboios em marcha, convertendo a pátria num instrumento ao serviço da “grande revoluçom socialista” e do seu imaginário. O de menos é que esse comboio acabasse descarrilando. O importante é que a dialética histórica do nosso tempo já nom é aquela.

Galeguistas insignes tentárom fazer-se entender matizando que a nossa bandeira, mais que umha “pátria”, louva umha “mátria”.

Baixo umha profunda crise de civilizaçom (ecológica, energética, alimentária, social, cultural…), a grande contradiçom que desenvolve nas suas entranhas este século parece ser a que enfrenta capitalismo e vida, entendendo o primeiro como o modelo historicamente triunfante de gestom política e económica da Idade da Técnica, e a segunda como esse equilíbrio -conflituoso, precário e belo- que tradicionalmente gerou as condiçons para a reproduçom da humanidade (no sentido mais amplo do termo). Fazer hoje do nacionalismo galego umha proposta historicamente relevante e justa passa, ao meu ver, por expressar na defesa da pátria esse impulso de conservaçom e cuidado dum mundo e umha forma de vida que nos está a ser arrebatada, que era bem mais humilde, lenta, humana e fermosa que a que nos oferece a tecnocracia capitalista, e que na nossa terra cristalizou na cultura e identidade galegas.

[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]

 

Máis de Miguel Garcia