Com ediçom de Aser Álvarez e Lois Codias, vem de ser publicada a escolma ‘Textos escollidos’ de José Velo (Deputaçom de Ponte Vedra, 2022). A ediçom é umha boa notícia que ajuda a cobrir ocos bibliográficos desta figura da causa galega, que até o de hoje só suscitou pequenas incursons investigadoras, e algumhas homenagens políticas e cívicas (mais bem poucas). A mais temperá da que temos recordo foi a que lhe dedicou a Assembleia da Mocidade Independentista em 2004, com um acto político em Cela Nova, diante da estátua do Curros Henriques, o vate que venerara desde moço o arredista e pensador.

Já temos abordado neste portal a vida de José Velo, que percorreu muitos caminhos diferentes e em todos raiou a grande altura: dirigente independentista juvenil, docente, colaborador da guerrilha, literato e pensador, reintegracionista temperao, ideólogo e líder do DRIL, e finalmente formulador dum iberismo galego-português (que o arredou do seu independentismo juvenil). Mas as grandes pessoas nom brilham só nos seus desempenhos públicos e mais espectaculares, senom também na escuridade da derrota. José Velo, como é sabido, foi também um exiliado, acarom de milhares e milhares de galegos que fugírom da morte e da prisom e tentárom reconstruir umha Galiza provisória e em certo modo esperançada na outra beira do océano.

Pouco se tem reflectido sobre o exílio, e ainda menos no que constitui a sua dimensom psiclógica profunda. Sabe-se obviamente que é umha experiência dolorosa por supor um afastamento forçado da Terra e dos seres queridos; incide-se em que resulta umha vivência duríssima o feito de assistir a distáncia à desintegraçom de projetos políticos, e mesmo da sociedade que se ajudou a erguer; mas muito menos se reparou no processo de ensimismamento, auto-consumiçom e trauma que muitas vezes acompanha as comunidades exiladas, como árvores transplantadas que nom sabem onde tenhem que medrar. Obsessionados polo passado e angustiados polo futuro, traumados polo sentido da derrota, interlocutores dum povo que –por distáncia geográfica e circunstáncias políticas– dificilmente os escuita e por vezes nem responde, estes grupos de transterrados atravessam anos de sequidade e consumiçom que, mui frequentemente, derivam em passividade ou deságuam em processos fraticidas entre fracçons rivais. Assi, se o exílio deu frutos valiosíssimos para a Galiza (com a revista Vieiros como um dos grandes emblemas) também deu lugar a espaços estéreis e abafantes, duros de habitar para pessoas como José Velo, amigos da criatividade e desejosos de acçom. Textos escollidos dá-nos a possibilidade de conhecer de primeira mao como o nosso homem analisou e abordou esta travessia e alertou dos perigos do que chamou ‘exilismo’, num texto que precisamente intitulou ‘Teoria do exílio’.

Textos escollidos dá-nos a possibilidade de conhecer de primeira mao como o nosso homem analisou e abordou esta travessia e alertou dos perigos do que chamou ‘exilismo’, num texto que precisamente intitulou ‘Teoria do exílio’.

Com preocupaçom, detectou que a longa permanência da ditadura desgastava os ánimos além mar, e levava a muitos a viver a sua condiçom até com certa naturalidade; com efeito, o ser humano, na sua profunda capacidade adaptativa, pode fazer da necessidade virtude e dar por feito que o seu futuro é vegetar, a milhares de kilómetros da Terra, em condiçom de eterno dissidente do regime que domina o seu País. Mas Velo advertia: ‘apenas pode ostentar com orgulho a sua condiçom de exilado aquele que nom se esquece das causas que o forçárom a sê-lo. Nom se nasce exiliado nem se deve morrer no exílio. (…) Convenhamos entom que o exílio como direito está em vaso comunicante com o sagro dever de redimi-lo’.

A passividade exilada –para Velo, ‘exilista’– podia-se combinar com actividades mais ou menos rituais ou periódicas, guiadas pola rotina e por um certo sentido, mais bem fraco, do dever: ‘nom é luita antifranquista falar ou escuitar com emoçom este ou aquele comício exilado; nem as idas nem as vindas ao crentro recriativo ou à casa do vizinho. (…) nem o jornalinho, nem o pasquincinho, nem esta ou aquela rifa, nem este nem aquele congresso, nem esta ou aquela bomba que se pom em tal consulado’ (…) As actividades som o género menor das acçons’. O celanovense comprovava com irritaçom como a atitude opositora era cada vez mais administrativa, plana, em certa medida conformista, e enormemente prudente (quase covarde) na hora de apostar numha intervençom decidida no interior; esta deveria ser prioritária, firme, e nom poderia aguardar pola alegada ajuda dos Aliados, que nunca se plasmou em nenhum feito contundente. Num dos lugares comuns dos arredistas de preguerra, Velo chamava a atençom contra o excesso sentimental que acompanha a parálise: ‘devera negar-se o nome de exilados a quem reduzem o seu protesto à lamentaçom’. A recorrida coartada da paciência, esclarece o ourensano, nom pode resistir eternamente a prova do tempo: ‘(o exilado) poderá estar mais ou menos tempo, o relógio nom conta quando se trata de ficar, mas um calendário que esgota vintencinco ediçons está a acusar a alguém no exílio. Armados com as suas rogativas, apenas a casualidade pode salvar-nos de outros vintecinco anos de franquismo. Assi teremos morto todos da porca morte podre da renúncia’.

É sabido que Velo rejeitou essa ‘porca morte’ e, vivendo afervoadamente as palavras que escreveu, mergulhou numha iniciativa insurreccional sem precedentes (e sem continuidade) nas fileiras do DRIL; a organizaçom que, de mao dum comando galego-português, protagonizou o primeiro sequestro marítimo da história da resistência política.

É sabido que Velo rejeitou essa ‘porca morte’ e, vivendo afervoadamente as palavras que escreveu, mergulhou numha iniciativa insurreccional sem precedentes (e sem continuidade) nas fileiras do DRIL; a organizaçom que, de mao dum comando galego-português, protagonizou o primeiro sequestro marítimo da história da resistência política.

Que nos dizem estas reflexons, quase setenta anos depois de serem escritas, num tempo tam radicalmente diferente que mesmo parece um relato chegado de outro mundo? Neste País transformado, aparentemente prácido, sem ditadura e sem exílio, podem transmitir-nos algumha cousa? Em pleno século XXI, quando a sobrevivência da Galiza nom se dirime em choques violentos, senom num processo de crescente inibiçom das causas colectivas e numha sociedade desartelhada e confusa, pode Velo ainda interpelar-nos?

Pensamos que si. O celanovense trai-nos um evidente mandato universal (tam poucas vezes obedecido): cumpramos a nossa palavra, fundamos declaraçom com acçom. E além disso, quando vivamos situaçons de paralisia, dispersom, bloqueio, nom nos escudemos em gloriosos títulos políticos (‘exiliado’, ‘militante’, ‘veterano’) para nos conformar com práticas rotineiras nem para insistir nas voltas em círculo da consolaçom. Um saudável desacougo com o que nos toca viver, a inventiva, a criatividade e a procura dos caminhos imperceptíveis, ainda na pior espesura da maleça, som elementos importantes na política, que é ao mesmo tempo utopia e arte do possível. ‘O exilado sementa-se, o exilista apodrece’, escreveu o nosso homem na sua prosa contundente. Faltam fôlegos para isso? Faltam aços para sementar-se ou florescer? ‘O velho sonho de justiça e liberdade -deixou também escrito Velo – impede-nos fazer-nos velhos’.

[Este artigo foi publicado originariamente no galizalivre.com]