Em 1919, baixo o reinado de Alfonso XIII, inaugurava-se em Madrid a sede central de Correos e Telégrafos; o prédio, umha obra modernista que representava a pretensa entrada de Espanha em tempos novos, é hoje a sé do governo da cidade. No interior do escudo de Espanha de enormes dimensons figura, só perceptível para um olho mui atento, o brasom do Reino da Galiza. Como foi referenciado em tantas ocasions, esta foi a pequena vingança de Antonio Palacios, o prestigioso arquitecto porrinhês, que quijo respostar desta maneira a invisibilizaçom do nosso país. Nas suas férias na Galiza, Palacios tertuliava amigavelmente com Cabanillas, Castelao ou Paz Andrade, com quem coincidia em certos pressupostos culturais e estéticos; mas na linha histórica das nossas elites fugitivas, Palacios triunfou profissionalmente em Espanha, e nom deixou que as suas querências galeguistas alterassem um milimetro a sua biografia. Atravessou sem enormes convulsons os horrores de 1936, e o seu compromisso com Galiza (plasmado em muitas obras mui fermosas de inspiraçom autóctone) ficou, como para tantos outros, no terreno dos afectos.

Palacios triunfou profissionalmente em Espanha, e nom deixou que as suas querências galeguistas alterassem um milimetro a sua biografia.

Segundo estudam os especialistas em conflito social, o poder resposta às dissidências numha escala de três fases: começa polo silenciamento, segue pola ridiculizaçom, e remata na demonizaçom; dada que a correlaçom de forças em favor de Espanha foi historicamente desproporcionada na nossa Terra, o discurso do poder sempre se moveu nos cómodos marcos do silenciamento e, agás etapas mui pontuais em que o independentismo se decidiu polo choque frontal e violento (no que a demonizaçom se situou em primeiro plano). Silenciamento significa negaçom e, como é sabido, o antónimo de negaçom é ‘afirmaçom’. No dicionário Priberam, define-se esta palavra como ‘acto de mostrar a vontade ou a independência’. Em termos genéricos, argumenta-se que ante umha estratégia assimiladora, um país pode afirmar-se. Mas à vez que discernimos se um colectivo se afirma ou nom, é igualmente importante saber como se afirma.

Utilizando ferramentas que fôrom chamadas ‘as armas do fraco’, muitos colectivos fingírom subordinaçom e formulárom as suas queixas em expressons indirectas, quase invisíveis, que nom eram quem nem de ser interpretadas como delito; Palacios escolheu esta velha fórmula, mui cara no nosso país, porque apesar de ter o atrevimento de transformar um brasom oficial e incluir o Antigo Reino, o desafio nom ia além; a estratégia revela, como a própria expressom indica, debilidade; mas o fundo também expressa febleza. É o fundo dos restos das elites do Antigo Reino que, comiserativamente, pediam que, contra a ignoráncia bem ou mal intencionada, fôssemos considerados espanhóis, e espanhóis de primeira. ‘Que naçom conquistada sofre sem ofender a sua lealdade o que sofre Galiza?’ Perguntara-se já Diego Sarmento Dacunha no século XVII acrescentando que a Galiza foi ‘o cimento sobre o que se extendêrom os reinos’.

Tomando já a forma dum movimento nacional, a afirmaçom galega foi muito mais valerosa, pois dotou-se de estruturas organizativas, um programa declarado, e um norte político; foi e é, porém, umha afirmaçom ainda atravessada polas dúvidas. Nom se atreveu a concluir que o Estado espanhol é, independentemente da forma que tomar, a negaçom institucional da naçom galega; e por isso, as suas afirmaçons estivérom e estám sempre matizadas por apostilhas. Normalmente, apostilhamos quando tememos ser malinterpretados, ou quando, numha relaçom de subordinaçom com o interlocutor, queremos evitar ser amonestadas: ‘somos nacionalistas mas nom somos separatistas’, repete-se de maneira cansina no Sempre en Galiza. ‘Somos nacionalistas mas nom somos violentos’, afirmava-se no tempo histórico em que a luita armada adoitava acompanhar a reivindicaçom nacional; ‘somos nacionalistas, mas isso nom significa que ponhamos em segundo lugar a luita proletária’, acrescentava-se, quando o marxismo-leninismo tinha a hegemonia ideológica na esquerda.

A afirmaçom galega foi muito mais valerosa, pois dotou-se de estruturas organizativas, um programa declarado, e um norte político; foi e é, porém, umha afirmaçom ainda atravessada polas dúvidas.

Existiu umha afirmaçom mais rotunda, e dela procedemos. Chamou-se ‘arredismo’ ou, nos tempos de preguerra ‘nacionalismo integral’. Tivo a virtude de praticar a sinceridade sobre o que queremos e sobre como o queremos (a sinceridade nom é um valor habitual na política). Padeceu também, porém, algumhas pejas que nom temos esculcado, porque avaliar-nos a nós mesmos com equanimidade é das empresas mais desagradáveis. Abocado às margens da oficialidade política, e tratado com sanha polo poder, o seu discurso carregou toneladas de tinta na malevolência do Estado que nos ocupa; por ser certa, esta malevolência nom o explica todo, nem esgota em si mesma os problemas que enfrentamos. Em relaçom de rivalidade com o nacionalismo eleitoral, dedicárom-se centos de páginas à acusaçons de deslealdade com o País dos mais tímidos e moderados; nalguns casos, as críticas eram politicamente atinadas, e resultárom verificadas polo tempo; em muitos outros, eram comparaçons moralistas que contribuem apenas para enclaustrar posiçons e dificultar o livre debate de ideias; finalmente, e em situaçom de minoria numérica num país em que a ‘salvaçom’ individual, e nom a colectiva, é a fórmula predilecta para a maioria, esvarou-se umha e outra vez na crítica feroz dos alienados, os passivos, os irresponsáveis e os desertores.

Nom cumpre atormentar-se. As lógicas de grupo obedecem a certas pautas insalváveis que parecem ter o rigor das leis físicas, e nom podemos fugir a elas; resulta umha etapa obrigatória do processo das minorias a de viver numha afirmaçom agressiva, comparativa e hostil frente ao meio; como na brincadeira do ‘paranóico ao que perseguem realmente’, pode-se dizer que nos pequenos grupos agredidos, o feito de ser hostilizado, que é verdadeiro, ainda se reforça com sobre-reacçons defensivas, por vezes produto de juízos delirantes.

À adolescência das pessoas -e podemos dizer que à dos movimentos- corresponde umha afirmaçom assi: saudável por sincera e sentida, doentia por desbordante e mal medida. É possível umha afirmaçom firme, férrea e incorruptível, e ao mesmo tempo serena e flexível? Pensamos que si, ainda que, se se nos permite utilizar um dito oriental, ‘ela é tam difícil como caminhar polo gume dumha faca’. Essa dificuldade é a que enfrentaremos à volta do caminho.

[Este artigo foi publicado originariamente no galizalivre.com]