Unamuno volta a Portugal em companhia de Remesal

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Portugal prende o ánimo. Na seleta congregaçom dos seus devotos domina a fidelidade do que foi iluminado umha vez, é o caso de António Tabuchi e o de Unamuno. O reitor descobriu-lhe Portugal a Espanha como Colom América. Notável façanha de um e outro visto Espanha ser um país marcadamente autista, afeito mesmo a desprezar quanto ignora em diagnostico nom refutado de António Machado. O desdém polo alheio, formulado mesmo com fanfarronice, é umha doença velha do país que chegou a infetar o próprio Reitor de Salamanca sem que isso impedisse compreender e amar Portugal. A olhada portuguesa lateja hoje felizmente em autores periféricos espanhóis como Muñoz Molina ou Julio Llamazares. Entre nós, a crescente devoçom por Portugal já nos legou frutos tam generosos como o dicionário de usos espanhol-português de Álvaro Iriarte e, sobre todo, a magnífica biografia de Pessoa de Carlos Taibo, o melhor presente que um pessoano de vocaçom poda sonhar.

Unamuno exerceu de mestre intempestivo em tempos de mestres, a Espanha conflituosa e irreconciliável que atendia as intervençons públicas de Ortega, de Maeztu, de Machado. Maeztu morreu assassinado no 36, Machado exilado, Ortega acabou por retornar com o seu ego e circunstáncia perdidos; a Unamuno chovêrom-lhe excomunhons. A primeira foi a trinta e dous anos de cárcere por dous artigos contra a Monarquia publicados em 1918, sentença confirmada polo Tribunal Supremo em 1921. A segunda foi o desterro a Fuerteventura em 1924 por decreto de Primo de Rivera, que derivou em exílio francês até o final da ditadura, em 1930. À volta exerceu de tribuno republicano e alcançou o Reitorado perpétuo da Universidade de Salamanca até ser demitido polo presidente Azaña polas suas proclamas contra o desmando social e a aberta simpatia polo movimento faccioso emergente. Reposto no Reitorado polo Governo de Burgos acabou os seus dias troando ainda contra a nova barbárie instituída. Unamuno, insubornável e intempestivo foi, em definitivo, um revirado exemplar.

O reitor de Salamanca exerceu de lusitanista fiel e convicto. Leitor assíduo de Camões, de Castelo Branco, de Guerra Junqueiro e Antero de Quental; de Teixeira de Pascoaes e de Eugénio de Castro. Foi amigo destes poetas, como também de Guerra Junqueiro e do ensaísta esotérico Sampaio Bruno e mesmo do primeiro presidente da República Portuguesa, Manuel de Arriaga. Um iberista de raiz como Unamuno, nunca considerou Portugal terra estrangeira. Com razom clamou contra o facto de Universidade portuguesa lecionar Cajal em traduçom francesa. A paixom poliglota dos portugueses foi sempre desmesurada.

Em 1911 dava à luz o Reitor um livro de crónicas viageiras por terras de Portugal e Espanha. Portugal ocupa metade da obra. Há inúmeras ediçons desta obra [1], fruto das incansáveis deambulaçons do Reitor a pé, de trem ou montado em besta monte acima. Unamuno amava a natureza e experimentava nela verdades inefáveis que só os altos cumes revelam aos iniciados. Nietzsche gostou de praticar também essas epifanias de alta montanha.

As deambulaçons portuguesas de Unamuno principiárom com umha romántica viagem empreendida em 1894 polo extinto caminho-de-ferro que unia Salamanca com Porto [2] através de Barca d’Alva, Distrito de Guarda, lá onde o Douro entra em Portugal. Acompanhava-o na ocasiom o seu curmao, Telesforo Aranzadi. A última viagem do Reitor é de infausta memória porque nos mostra um Unamumo abafado pola desordem social imperante, concelebrando num ato propagandístico do Estado Novo em companhia do senhorito cronista do ABC Fernández Flórez e do profeta da hispanidade, Ramiro de Maeztu, junto com umha vistosa representaçom internacional onde nom faltavam François Mauriac e Maurice Maeterlinck. Faltava Gabriele D’Annunzio para completar o trio. Corria o ano 1935 e o Reitor ainda tivo azos para visitar o general golpista Sanjurjo em Estoril, onde demorava sonhando em afiar de novo a espada.

Agustin Remesal é um competente jornalista samorano bem conhecido polos seus comparecimentos na TVE. Os cenários internacionais de Paris, Nova Iorque, Londres, Lisboa e Jerusalém afiárom-lhe a olhada perscrutadora, sintética e documentada. A estirpe samorense fai dele um arraiano genético e confesso.

Acaba de dar à luz Remesal um livro de viagens no trilho memorável do Unamuno português que todo devoto de Portugal deveria ler [3]. Um oferenda de amor a Portugal em forma de livro primorosamente ilustrado com fotografias e gravuras de época, escrupulosamente documentado e despojado de qualquer nota erudita e enfadonha como convém a um livro de viagens.

O guia convida-nos a assistir às conversas íntimas e descontraídas do reitor com as suas seletas amizades portuguesas, enquadradas em tempo e circunstáncia. Entrançado no relato, a maneira de sólido contraponto argumental, a peripécia do Reitor transmuta-se em peripécia do próprio viageiro arraiano a deambular polo quotidiano das ruas, das tabernas, das cidades onde ninguém é conhecido e mesmo a acampar de noite na montanha, num ato de comunhom telúrica que o reitor saberia apreciar. Gostamos da prosa viageira de Remesal que recorda ao Cela da Alcárria.

As sombras de Guerra Junqueiro, de Eugénio de Castro, Sampaio Bruno, Teixeira de Pascoaes – o solitário de Amarante – e do doutor Laranjeira – o suicida por mor do fado nacional – deambulam polas páginas de Remesal, sem faltar a presença fugaz do presidente Arriaga.

Agustin Remesal gosta de apresentar-se como castelhano de estirpe. Nom serei eu quem lhe negue o direito embora nom poda deixar de considerar que talvez seria mais apropriado declarar-se filho de Castilla la Vieja, ou mesmo cidadao legítimo do Reino de Leom, esse avatar transitório do esquecido Reino da Galiza. De onde provém se nom a querença arraiana que comparte com Llamazares e com o Unamuno salmantino?

O Reitor corre-caminhos foi capaz de compreender Espanha desde as alturas de Gredos, sabemos agora, graças a Remesal, que também alcançou a compreender Portugal desde o cimo do Marão com Pascoaes de intérprete.

 

Notas:

  1. Por tierrras de Portugal y España, Alianza Editorial, terceira ediçom, 2014.
  2. http://es.wikipedia.org/wiki/Ferrocarril_Pocinho_-_La_Fuente_de_San_Esteban
  3. Remesal, Agustin (2013): Por tierras de Portugal. Un viaje con Unamuno, Editorial La Raya Quebrada, Zamora, 2ª ediçom.