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O campo de forças do sistema cultural galego, umha leitura (e II)

Constantino Garcia (Oviedo, 1927; 2008) acedia à cátedra de Filologia Románica da Universidade Compostelana em 1965; em 1971 promoveu o ILG, bastiom inexpugnável do poder glotopolítico docente e normativo, em posse indiscutida em adiante que nada irá turbar. O posterior conluio ILG/RAG, consagrado na formulaçom conjunta das NOMIG 1982, impulsionará Constantino Garcia à RAG. Este será o ponto zenital do galego como língua regional institucionalizada, plenamente integrada no quadro político espanhol das autonomias.capa_conflito_linguistico-488x710

Em 1983, a AGAL, nascida apenas dous anos antes, publica o Estudo Critico das NOMIG que institui o modelo reintegracionista como interface indispensável entre o galego de curso oficial e o português. Em 2008 surge a AGLP como selecta plataforma de tránsito do reintegracionismo problemático e estigmatizado ao português incontroverso, sossegado e disponível. Em 2016 nascia a AEG para recordar que a defesa do uso social do galego e a sua reabilitaçom em norma própria, congruente com o português, é um imperativo irrenunciável, pendente ainda de implementaçom e difusom social. O reintegracionismo que nom se resigna a exercer de agência galega do idioma português por sub-rogaçom.

A análise do campo de forças que conforma o SCG de Feijó e Samartim, nom se limita a avaliar apenas os equilíbrios e disjuntivas em que este descansa, senom também a esboçar umha apologia razoável da posiçom reintegracionista. Cabe destacar neste sentido a impugnaçom frontal das posiçons antagónicas formulada por Elias Torres na sua intervençom  na XII Semana Galega de Filosofia de Pontevedra de 1996, actualizada em 2000. Depois de um preámbulo argumental um bocado impreciso, passa Elias Torres a formular um par de teses relevantes para a posiçom pró reintegracionista.

A primeira tese afirma que as transferências de carga cultural e gramatical desde o interssistema português ao galego, constituem um recurso indispensável para preservar a reserva de soberania sistémica galega, quer dizer, a sua capacidade de resistência frente a pressom assimiladora do sistema espanhol que compromete o seu futuro.

A segunda, em aberta polémica com alguns antagonistas com o discurso reintegracionista — entre os quais alude a Santamarina, Monteagudo, e a “o estimado professor” Freixeiro Mato — conclui assinalando que a tese consabida da diferença entre galego e português como línguas irmãs mas diferentes caducou definitivamente, suplantada pola tese inversa da identidade linguística essencial das variantes do tronco galego-português [abstand] sem prejuízo das particularidades da variante galega, imputáveis em todo o caso ao ámbito sociolinguístico e estandarológico [ausbau]. Mesmo idioma, portanto, mas condicionado por um processo degenerativo de índole sociolinguística na variante galega. A nova diagnose vem avalizada por um assinante tam qualificado como Francisco Fernández Rei (1993). O deslizamento da linha argumental desde o português língua irmã mas diferente até a identidade essencial comprometida por processos internos de degradaçom [abstandausbau: Heinz Kloss] suscita no leitor duas reflexons:

1) As mudanças nos paradigmas científicos venhem veiculadas por mudanças denominativas: nova terminologia, novas metáforas descriptivas, nova conceitualizaçom. A introduçom do par terminológico abstand/ausbau muda o esquema interpretativo.

2) Se for assumida a tese de a fronteira divisória reintegracionismo ↔ isolacionismo passar do espaço linguístico para o sociolinguístico, dai se segue que o nó do conflito normativo passa abertamente ao campo das categorias políticas, abrindo como consequência possibilidades renovadas debate como as disjuntivas democracia deliberativa (social) versus democracia representativa (institucional), ou mesmo autonomismo (regionalista) versus soberanismo (nacionalista). O transvase do discurso da Academia para a Ágora esclarece o substrato de poder que subjaz na controvérsia linguística. Nom falamos de cê cedilhados, falamos de poltronas.

O anfiteatro sociolinguístico é um espaço fértil para o debate normalizador. Prova-o a irrupçom dum fenómeno recente de índole inequivocamente política, abordado oportunamente num dos ensaios do livro. Referimo-nos ao enfrentamento polarizado em torno à disjuntiva liberdade de escolha linguística e curricular frente ao de protecçom institucional compensatória do retrocesso do galego por pressom insuportável do castelhano.

O dilema liberdade de escolhaprotecçom compensatória que paira sobre o conflito linguístico das Comunidades com idioma próprio, tem na Galiza aguerridos agentes propulsores, por enquanto minoritários: UPyD antes do seu colapso, Ciudadanos e Galiza Bilingue agora. O seu efeito deletério depende em todo o caso da sua capacidade para atrair ao seu campo retórico ao Partido Popular, relativamente imune até o momento em virtude do peso do seu eleitorado tradicional, solidamente ancorado na lealdade às senhas de identidade galegas. Lembremos a propósito a conhecida polémica [barrete ↔ boina] como linha divisória no PP entre aderentes das províncias orientais frente aos das mais urbanizadas.

A reiterada invocaçom à liberdade de eleiçom na docência — de inequívoca procedência neoliberal: Milton Friedman, 1980 — actualmente reactivada em Catalunha, provocou como reacçom na Galiza a movimentaçom social de defesa da língua, impelida polo segmento juvenil neofalante e o de practicantes progressivamente conscientizados do valor do idioma como signo identitário. As multitudinárias manifestaçons públicas convocadas nos últimos anos pola plataforma cívica Queremos galego sob o lema em Galiza em galego, gozarom de ampla capacidade de convocatória a partir da memorável manifestaçom de 2009. O pretendido direito a decidir sobre a a docência em galego é amplamente percebido como prédica direitista corpuscular e excêntrica pola maioria social.

O livro explora também a informaçom estatística disponível sobre uso e fidelidade à língua segundo estratos de urbanizaçom e idade com resultados pouco conclusivos, á parte do consabido retrocesso do uso habitual da língua com o declínio demográfico e a desapariçom dos segmentos etários mais idosos como vectores principais.

A precária lealdade ao idioma por parte da juventude recém-saída de um sistema educativo teoricamente desenhado para transmitir-lhe competência adequada no uso do idioma é um facto indiscutível. O retrocesso do galego é umha amarga evidência que desafia a piedosa ladainha justificativa da estratégia gradualista de normalizar primeiro para abordar a norma depois. O rotundo fracasso de tal política linguística interpela a responsáveis, cúmplices e inspiradores.

Talvez tenha chegado o tempo de trégua e diálogo agora que a velha polémica entre normalizar e normativizar fica confundida no verbo deplorar. A política linguística está obrigada a mudar de métodos e objectivos e, sobre todo, a competir em protagonismo no ciberespaço e nos usos da cidadania virtual, tarefas impossíveis para um sistema doméstico e exíguo como o alimentado pola política institucional. É o momento de activar sem prejuízos a lei Paz Andrade, 2014/4/8, resgatando-a do limbo político em que adormece.

 

Epílogo binormativista. A instalaçom da AGAL em curso no espaço lusófono depois de abandonar a sólida norma AGAL83 da sua autoria, comporta consagrar o statu quo do galego de curso legal contraposto ao português da Galiza, seja isso o que for. A operaçom legitimadora, qualificada de binormativismo em alusom ao modelo norueguês é meramente nominalista a falta do reconhecimento da outra parte, e por riba, terminologicamente incongruente. O pretendido emparelhamento do galego comum (nynorsk) com o português padrom (dinamarquês) seria inaceitável para um cidadao norueguês como, por certo, seria o português para a cidadania galega.

O par binormativo teria apenas sentido caso de contrapor o nynorsk popular com o bokmål mais próximo do dinamarquês, e identificável no nosso caso com a genuína norma AGAL agora desqualificada.

O défice de receptividade social do português da Galiza pretende redimir-se com a aura internacional. Mas, a escrita lusográfica na Galiza dificilmente concitará maior reconhecimento fo que a hipotética promoçom do dinamarquês em Noruega. O poderoso argumento de o português ser um idioma de uso universal apenas servirá para legitimar o projectado aprendizado do inglês.

Como no micro relato de Augusto Monterroso, quando acordemos do português, o galego seguirá aí, pastoreado por um poder agora indiscutido.

 

 

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