Um arcebispo galeguista?

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Vem de ser nomeado um novo arcebispo para a sede compostelana: o ourensano Francisco José Prieto. O até agora bispo de Compostela, Julián Barrio, disse após fazer-se pública a notícia na véspera do Domingo de Ramos, que o nomeamento era “uma boa e grande notícia”. Fez as suas palavras de despedida e acolhida do novo em castelhano, como costuma expressar-se, com algumas exceções. Em contraste, as primeiras do novo arcebispo foram em galego, ainda que rematou o seu discurso em castelhano. Manifestou o seu amor à Galiza, e que “sigamos caminhando na vida da Igreja e a sociedade todos juntos. Que ninguém quede atrás, nas cunetas”.

As primeiras do novo arcebispo foram em galego, ainda que rematou o seu discurso em castelhano. Manifestou o seu amor à Galiza, e que “sigamos caminhando na vida da Igreja e a sociedade todos juntos. Que ninguém quede atrás, nas cunetas”.

É isto expressão duma mudança substancial na Igreja compostelana, ao aceder ao seu máximo cargo um bispo que “destaca pela sua sensibilidade galeguista”, como manifestava este Diario na passada terça-feira?* É certo que –como reconhecia- a utilização da língua do país não é habitual –com exceções- entre as nossas hierarquias eclesiásticas e que “o novo arcebispo rompeu com a tradição dos seus antecessores”, e estas palavras do novo prelado são um tanto importante ao seu favor para os que buscamos desde há décadas uma verdadeira Igreja galega. Mas…

O perfil do novo arcebispo resulta-nos mais atraente que o de outros prelados menos claros na linha atual da Igreja, com um papa Francisco que representou uma nova primavera nela, mas que vai em retirada com menos mudanças das aguardadas nos dez anos de pontificado. Falou-se de duas candidaturas enfrentadas à sua: a de Alfonso Carrasco Rouco, bispo de Lugo, e a de Leonardo Lemos Montanet, bispo de Ourense. A primeira apoiada na sombra pelo cardeal Rouco Varela, tio e representante do setor mais integrista; Rouco junior pertence à integrista Comunione e Liberazione. Leonardo Lemos pertence ao Opus Dei; mas não parece certo que competira com o novo arcebispo, pelo apoio que lhe deu na sua diocese. Este publicou um artigo em La Región, que começava dizendo: “Con una inmensa alegría recibíamos… el nombramiento de Francisco José Prieto como nuevo arzobispo de Santiago de Compostela”; as palavras semelhavam sinceras. Os outros bispos das dioceses galegas são Luis Quinteiro em Tui-Vigo e Fernando García Cadiñanos em Ferrol; ainda que o primeiro é galego e o segundo é um castelhano de Burgos, este é o que está a levar uma praxe mais evangélica e comprometida.

O perfil do novo arcebispo

Dom Paco, como costumam chamá-lo desde há tempo, é de Ourense; nasceu numa família castelhana-galega. Tem uma boa formação intelectual: licenciado em Patrística pela Universidade Gregoriana de Roma é experto no cristianismo primitivo, fez o doutoramento em Teologia Bíblica na Universidade Pontifícia de Salamanca, uns anos depois de fazê-lo eu ali em Teologia Dogmática; foi professor nos centros galegos de formação teológica de Ourense e Compostela. E tem experiência pastoral em paróquias rurais e urbanas. No ano 2021 fora nomeado bispo auxiliar de Compostela, e na Conferência Episcopal pertence às comissões de Comunicações Sociais e do Património Cultural, pelo que aguardamos que saiba cuidar do nosso património.

Um tanto para mim ao seu favor é a sua relação com um grupo de padres ourensanos: os curas do Prado. “É boa pessoa, singela, acolhedora, conciliadora”, disse-me um deles. “Pequeninho e gordecho… como se sentirá com os capisaios episcopais!”, engadia com humor. Fala galego com a gente, mas não habitualmente em público: nas aulas, conferências, prédicas das missas… “Vê bem o galego, penso que está convencido disso –diz-me–, mas falta-lhe decisão, pensa que há que ir… com cuidado”.

Um tanto para mim ao seu favor é a sua relação com um grupo de padres ourensanos: os curas do Prado. “É boa pessoa, singela, acolhedora, conciliadora”, disse-me um deles.

Dom Paco não é outro Dom Miguel Araújo, também ourensano, que foi bispo de Ferrol e fez decididamente uma aposta pelo galego desde o primeiro momento da sua consagração episcopal. Salientou pelo compromisso com o galego na liturgia, publicando a mais formosa pastoral que se tem feito e da qual recomendo vivamente a sua leitura ou releitura ao novo arcebispo, A fe cristiá ante a cuestión da lingua galega(1975); também o meu livro Galegos e cristiáns (1995). Araújo e Lago González, arcebispo compostelán há cem anos, foram os únicos bispos galegos realmente comprometidos com a nossa cultura.

Não é o mesmo ter nascido na Galiza –como foi também o caso de Rouco Varela- e mesmo falar de quando em vez galego, que ser “galeguista”. Isto está por ver no novo arcebispo; ainda que pode surpreender-nos. Supõe uma tomada de postura clara a respeito deste país, e isto é conflitivo. Na sua contra joga a atual correlação de forças na sua diocese e na Igreja galega. Mas, oxalá tenhamos agora um bispo galeguista!

*[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]