Toponímia gatuna

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Mapa de Traço, onde hai o lugar Rego de Gatos
Mapa de Traço, onde hai o lugar Rego de Gatos

Há na freguesia de Traço um lugar chamado Rego de Gatos, que deveu recolher o nome de um verdadeiro rego homónimo. Aliás, entre a toponímia menor ordense acham-se uns terrenos chamados as Gatinheiras, em Tordóia, e a Gatinheira, um em Buscás e outro na Vilouchada, este último à beira do Rego das Pesqueiras, significativamente. E é que, sem desbotar que algum destes topónimos poda aludir ao gato do monte (Felix sylvestris), a hipótese mais forte é a de que se refiram à londra (Lutra lutra), animal também chamado de “gato”. Manuel Jiménez, marinheiro de Ribeira, explicava ao estudoso Cabeza Quiles que na sua mocidade as londras abundavam na ria da Arousa. “Viamos muitos gatos nas pedras”, lembrava. Assim, em Ribeira tenhem um Gatos das Cabras, e na Ilha de Arousa o Gatos de Sarrosa, perto da Cova das Alondras[1].

Lugar chamado Rego de Gatos em Traço
Lugar chamado Rego de Gatos em Traço

Sobre a londra anotou o Padre Sarmiento no seu Catálogo de voces gallegas que “[h]ay muchas en el río Lérez, y sujetan a un salmón y comen las lampreas”. Em efeito, este animal pode-se mover vários quilómetros ao dia procurando comida, nom só por rio e por mar, senom que mesmo se mete terra adentro, caso de necessidade. Calcula-se que ingere por volta de um quilo de peixe ao dia, o que debe explicar a feroz perseguiçom à que a submeteu a paisanagem; no rego de Loureda há muitos anos que nom ficam londras, e ainda os velhos lhes guardam genreira “por comerem as truitas”… Triste final para estes nobres animais em que O’Patah via renascer a alma dos celtas. A mesma sorte devêrom correr as londras da Gatinheira da Vilouchada, vistas como umha ameaça para a pesqueira cercana ou, se quadra, os vizinhos dariam em adestrá-las –como no caso contado por Brehm na sua Vida dos animais– para que entregassem a sua pesca aos homens.

Mapa do lugar da Gatinheira, na Vilouchada (Traço)
Mapa do lugar da Gatinheira, na Vilouchada (Traço)

Esta pesqueira real que deveu haver no rego homónimo dá conta de um antigo esplendor fluvial, que quiçá também se espalha no nome de umha aldeia de Encrovas: Anguieiro, caso de nom ser deformaçom de Angueiro e denominar realmente um antigo lugar de pesca de anguias, animal hoje completamente desaparecido dos rios ordenses.

Casa de Anguieiro, nas Encrovas (Cerzeda), engolida pola mina
Casa de Anguieiro, nas Encrovas (Cerzeda), engolida pola mina

Nom lembro ter ouvido que em Loureda se comeram as londras mortas nos prados a golpe de angaço, ainda que Cunqueiro afirmou que se comiam por todo o país com molho de alho. Castroviejo ia ao “falcons de água” –como ele lhes chamava- ao Tambre, e encontrava-lhes um sabor semelhante ao da lebre[2]. O de Mondonhedo, por outra parte, conhecera de moço a Somoza de Leiva na festa do Sam Bertolomeu, e “ya entonces estaba algo cojo por la mordedura de una nutria en el vado de Sigüeiro[3]”, atribuíndo Somoza à londra um estranho reuma, posto que se trata de um animal com propriedades anti-reumáticas, conforme a medicina hipocrítica. Também era mui apreciada a pele destes gatos, que vestirom a Pondal: “[…] cando era pequeno, / con unha gorra de lontra, /perseguía as lebres tímidas / p’las vosas camposas […][4]”.

Londra
Londra

[1] F Cabeza Quiles, Os nomes da terra, Noia, Toxosoutos, 2000, págs. 199-200.

[2] J. Mª Castroviejo & Á. Cunqueiro, Viaje por los montes y chimeneas de Galicia, Madrid, Espasa-Calpe, 1962, págs. 68-71 e 144-145.

[3] Á. Cunqueiro, “Somoza de Leiva”, Obras literarias en castellano II, Madrid, Fundación José Antonio de Castro, 2006, págs. 549-550.

[4] E. Pondal, Poesía Galega Completa. Vol. III: Poemas manuscritos, Santiago de Compostela, Sotelo Blanco, 2002, 60.

 

Publicado em Aldeias de Ordes, 16,04,2018.