Naquelas sessons, concretamente na XV e XVI, participou o prelado Gaspar de Zúñiga y Avellaneda, quem à postre faria possessom do arcebispado de Santiago de Compostela em 11 de fevereiro de 1559. Instruido na nova estratégia rigorista do catolicismo, encarregaria-se de que em todas as freguesias do arcebispado se fundassem confrarias do Santíssimo Sacramento (cujo eco atual som as festas do ramo do Sacramento, que perduram em tantas paróquias) [2] e mesmo convocou um Concílio Provincial Compostelano, redigiu as Nuevas Constituciones de la S.A.M. Iglesia de Santiago e reformou o Breviarium Compostellanum. A polícia das almas acometia entom umha reforma em profundidade. Dentro desse frenesim contrarreformista, o arcebispado também realizou umha importante política de retoponimizaçom, modificando nomes de lugar que na sua ignorância soavam a impios, por hagiotopónimos como o de “Los Ángeles”, advocaçom mariana mui na mado entom.
Pois bem, nesse contexto político-religioso a aldeia de Cás era a que dava nome a toda a freguesia, chamada polo menos até o 22 de setembro de 1531 de Sam Mamede de Cás. [3] Entom a suspeita trentina (umha paróquia de cans?) transformou-na na mais religiosa e castelhana San Mamed de los Ángeles, do mesmo jeito que mudárom as Santa Maria de Perro de Boimorto e Briom por sendas Santa María de los Ángeles. Como o neotopónimo já nasceu em castelhano, haverá que esperar séculos, até à oficializaçom da língua galega, para vê-lo escrito como o atual San Mamede dos Anxos (Anjos ou Ângelos conforme à ortografia histórica do galego), ainda que na fala já se deveu de galeguizar antes. Conforme escreve o irmandinho Eugénio Carré Aldao ao tratar desta paróquia:
“San Amede (Mamed) dos Ánxeles, anexo de Calvente.–En gallego suena también Anxos y Anxos es el apelativo, siendo más típico en esta forma, pues la de Ánxeles es ya castellanizada.” [4]
E continua a descrever a freguesia:
“Encuéntrase en la confluencia del río Maruzo con el Tambre. Extiéndese la feligresía sobre una altura a la derecha del río principal, con terreno bastante quebrado y de clima templado y sano.
Sus aldeas son Bran o Vran, Cabanas, Cachopal, Calvente, Cas, Pedralba y Sar, la mayor Cabanas, con 90 habitantes, y grupos menores. Las viviendas ascienden a 83, de ellas 36 de un piso y 47 de dos, y los albergues a 4. los habitantes que ocupan las casas llegan a 397 de hecho y 478 de derecho, estando sin habitar dos edificios por su empleo. Hay una escuela nacional.
Cuenta el término con buenos pastos y arbolado, sobre todo castaños.
Hubo un tiempo en que fué iglesia propia.
Esta parroquia es más importante por su población que la feligresía matriz, que sólo suma 145 habitantes de hecho y de derecho.” [5]
A aldeia de Cás era a que dava nome a toda a freguesia, chamada polo menos até o 22 de setembro de 1531 de Sam Mamede de Cás. [3] Entom a suspeita trentina (umha paróquia de cans?) transformou-na na mais religiosa e castelhana San Mamed de los Ángeles, do mesmo jeito que mudárom as Santa Maria de Perro de Boimorto e Briom por sendas Santa María de los Ángeles.
Em Portugal também há localidades chamas Anjos nos Açores e em Braga. O sucesso do hagiotopónimo cruzou o Atlântico, e se hoje umha das mais importantes cidades do mundo se chama Los Ángeles algo terá a ver com a galegagem. O aventureiro Felipe de Neve pugera-lhe de nome original à futura capital da Califórnia Nova Senhora da Raínha dos Anjos, e o Xurxo Souto comenta-nos que “o fundador de San Francisco e Os Ánxeles chamábase Benito Cambón, era natural da aldea de Seaia de Malpica. Recuperou a sua biografía Adrián Abella”. Umhas origens coloniais, por certo, que ultimamente estám a ser revisadas nas duas cidades, reivindicando as populaçons originárias.
O padroeiro da freguesia, por outra parte, também é mui interessante. Na comarca de Ordes, para além dos Anjos, Sam Mamede também é o padrom da Lançá, de Berreio e de Andoio, onde também há o lugar de Samede. Sobre este santo escreveu Ferrín que:
“A alguén se lle ocorreu, pero non defendeu, que Mamede é unha cristianización altomedieval do nome Mafoma (do árabe muhammed ‘o louvado’), Profeta de Deus. Tería moita graza que máis de cen freguesías e santuarios de Galicia e norte de Portugal que levan hoxe o nome de San Mamede estean a renderlle culto, sen sabelo, ao inventor do Islam!” [6]
Só resta por voltar ao princípio e explicar que era o que significava entom Cás. Atinaria o arcebispo ao interpretar aí um zootopónimo canino? Parece ser o caso dos microtopónimos Terreo do Cam, em Visantonha,precisamente perto do Monte do Lobo; assim como o metafórico Espinho do Cam, em Cavaleiro, irmao do que dá nome à algarvia Serra do Espinhaço do Cam. Por último, um dos santuário mundiais da escalada é a montanha Cão Grande, em Santo Tomé e Príncipe. Na Idade Média os cans eram mui apreciados polos nobres, que os usavam nas suas montarias. Tanto os queriam que o infante Dom João, filho do rei de Portugal, dormia na sua cama entre dous cans, presentes do seu irmao o mestre de Avis e de Fernám Peres de Andrade, o construtor da Ponte de Sigoeiro. [7] O primeiro cadelo chamava-se Bravor e o segundo Rabez. Também sabemos que em 1118 a raínha Dona Urraca doara ao mosteiro de Samos um cam chamado Olegário.
Nom parece, em todo caso, que o nome desta paróquia de Oroso se refira aos cadelos. O homónimo Cáns, no Porrinho e famoso polo seu Festival de Cinema, irmao retranqueiro do de Cannes, procede de um antigo Canales (em referência a canais de rego?); e Nicandro Ares julga um outro Cás relacionado com o antropónimo Canis. [8]
Filho desta paróquia de Sam Mamede dos Anjos, foi o grande Manuel del Río Mandayo (1907-1936), ebanista, carpinteiro, gaiteiro e militante socialista quando isso era sinónimo de anticapitalista e revolucionário. Mui convencido da importância da cultura para a emancipaçom obreira, para além de literatura relacionada com a sua profissom também tinha as obras completas de Voltaire ou Eduardo Pondal. Era, como William Morris, um socialista namorado da beleza.
Casado em Ordes com Pilar Naveira Golán, era o responsável local do Partido Socialista e da UGT, quando os franquistas iniciaram o genocídio. Quando estava a descansar na sua casa em companhia da sua mulher e dos seus filhos o tristemente célebre ‘Venturilha’ foi por ele para levá-lo à casa-quartel, onde estava a esperá-lo Pe Pérez. Após torturá-lo metêrom-no num automóvel e passeárom-no na madrugada do 5 de outubro de 1936, enterrando o seu corpo em Boisaca. De nada lhe serviu estar a fazer entom uns trabalhos na casa do alcaide golpista Arturo Pérez Loureiro, quem nom moveu nem um dedo para impedir o assassinato. Manuel Astray Rivas relatou em detalhe aquele crime. [9] Um dos seus filhos, Leandro del Río, deixou manuscrito contra o esquecimento umhas valiosas Memorias del hijo de un paseado. Perante toda aquela barbárie erguera-se a resistência guerrilheira que, segundo Hartmut Heine, também tinha base seguras nos Anjos, na aldeia do Cachopal. [10]
Notas
1. Antón Palacios Sánchez, “Malos, Perros e Cas, topónimos interditos”, Estudos de Lingüística Galega, 2014 (6): 217-231.
2. Do Sacramento das Encrovas, com ramo, Nieves Herrero (As Encrobas. Unha memoria expropiada, Íria Flávia, Novo Século, 1995, p. 23) encontrou documentaçom da sua confraria que se remonta à segunda metade do século XVII; do Sacramento de Mercurim, que também tem ramo, a minha avoa lembra quando o tiveram na sua casa em Perra: “a gente pensava que como nom eramos ricos, nom tocariam os gaiteiros de Soandres, que tinham muita sona. Quando iam de marcha toda a gente foi com eles até à Camposa do Faro e ali bailamos todos, até bailou o meu avô. Depois fomos com eles até o Monte do Salgueiro; subírom ao valo e tocárom, dixêrom que se ouvira em toda a paróquia. A festa do Sacramento era mais longa que a da Santa Luzia, durava dous dias”. Também tinha muita fama o Sacramento de Oroso.
3. Para essa data Antón Palacio encontrou no Arquivo da Catedral de Santiago o regesto mais antigo dos referidos a esta paróquia, redigido no lugar de Meimixe e assinado ainda em San Mamede de Cas. O texto di assim: “Compromiso y sentencia de Jácome Carneiro, vecino de San Mamede dos Ánxeles [os autores dos regestos atualizaram a toponímia dos documentos], en una querella que le había impuesto Gómez de Cardama ante el asistente del arzobispado de Santiago por haberle pegado con un palo en los hombros y por injurias”.
4. Eugenio Carré Aldao, “La Coruña”, em: F. Carreras y Candi, Geografía General del Reino de Galicia, Vol. VII, Tomo 4º, Corunha, Ediciones Gallegas, 1980, p. 653.
5. Xosé Luís Méndez Ferrín, 2007, pp. 53-54.
6. Ibidem.
7. Fernão Lopes, Crónica do Rei D. Fernando I de Portugal, cap. C.
8. Nicandro Ares, “Toponimia do concello de Friol”, “Toponimia do concello de Baleira” e “Toponimia do concello de Rodeiro”, Estudos de toponimia galega, Corunha, RAG, 2013, p. 858.
9. Para a história de Manuel Mandayo del Río ver: Manuel Pazos Gómez 2001 e 2011; Viqueira Noya, 2017, pp. 18-19; e Manuel Astray Rivas, Síndrome del 36. La IV Agrupación del Ejército Guerrillero de Galicia, Sada, Ediciós do Castro, 1992, pp. 91-94.
10. Harmut Heine, A guerrilla antifranquista en Galicia, Vigo, Xerais, 1980, p. 152.